Investimento público foi o mais baixo desde 1995
Há mais de duas décadas que o investimento público não era tão baixo em Portugal, revela o Conselho das Finanças Públicas, na análise à conta das administrações públicas de 2016.
O investimento público realizado em 2016 registou o valor mais baixo desde 1995, revela o Conselho das Finanças Públicas (CFP), na análise à conta das Administrações Públicas de 2016, divulgada esta terça-feira. O número é o mais baixo tanto em termos absolutos, como face ao PIB e ajudou a cortar o défice para 2,1% do PIB.
Em 2016, a formação bruta de capital fixo das administrações públicas diminuiu 1.170 milhões de euros, contabiliza o CFP. Este corte colocou o investimento no valor “mais baixo da série em SEC 2010 [sistema europeu de contas] não só em termos absolutos (2.880 milhões de euros), mas também em rácio do PIB (1,6%)”, lê-se no relatório.
Conforme mostra o documento, a série em SEC 2010 recua a 1995 e mostra que nos últimos 21 anos o valor absoluto do investimento foi sempre superior ao registado no ano passado, tal como rácio do PIB também ficou sempre acima. Em 1995 o valor do investimento foi de 3.925 milhões de euros, o que representava 4,4% do PIB. Só em 2014 foi registado um peso do investimento no PIB comparável ao verificado em 2016, na ordem dos 2%.
Fonte: INE. Cálculos do CFP. Valores influenciados pelo efeito de medidas temporárias e não recorrentes.
O CFP adianta que dos 1.170 milhões de euros de investimento a menos, 992 milhões de euros dizem respeito ao âmbito de construções e edifícios, exceto habitações. Além disso, os peritos reconhecem que “uma parte desta redução poderá estar relacionada com a significativa diminuição das transferências da União Europeia”. Enquanto em 2015 as administrações públicas receberam 1.007 milhões de euros de fundos comunitários, no ano passado apenas entraram 503 milhões de euros.
Este tem sido, aliás, o argumento utilizado pelos socialistas para defender que o corte verificado no investimento (rubrica cujo valor ficou 797 milhões de euros a baixo do que estava programado no OE/16) não se refletiu, na mesma proporção, na descida do défice. Os dados do CFP apontam agora para uma relação um bocadinho superior a dois para um: por cada 2,31 euros de corte no investimento, um euro abateu ao défice.
Seja como for, a contração no investimento foi uma das medidas que contribuiu para uma consolidação orçamental pelo lado da despesa. O CFP avalia o esforço de corte no défice do lado da despesa em 83%, contra 17% de contributo do aumento da receita.
Outra medida que ajudou a uma contração da despesa acima do previsto no Orçamento (o corte total foi de 3.319 milhões de euros, contra os 950 milhões que estavam planeados) foi a “gestão das cativações”, explica o CFP. Com esta medida de controlo da execução orçamental — que na prática significa que o ministro das Finanças reteve um conjunto de verbas que só com o seu aval puderam ser usadas pelos serviços — o Governo obteve uma poupança equivalente a 0,3% do PIB no consumo intermédio, uma rubrica que tem sido associada às famosas “gorduras do Estado”.
O outro contributo para a redução dos gastos foi dado pela poupança nos juros: face ao orçamentado, as administrações públicas gastaram menos 653 milhões de euros.
Estas reduções na despesa foram, contudo, compensadas em parte pelo aumento dos gastos com pessoal e com prestações sociais. Do lado dos gastos com pessoal o principal contributo veio da reposição dos salários dos funcionários públicos, mas as despesas também subiram à boleia da atualização salarial dos efetivos da saúde e do aumento do número de postos de trabalho na função pública (o crescimento foi de 0,8%, em vez de se ter verificado uma redução de pessoal, conforme estava previsto no OE/16).
Sem PERES nem reavaliação de ativos, receita fiscal tinha subido 0,1%
E como correu a receita? “O crescimento da receita das administrações públicas abrandou em 2016 para menos de metade do verificado no ano anterior, registando-se pelo segundo ano consecutivo uma redução do seu peso no PIB”, diz o relatório do CFP.
Do lado da receita fiscal, verificou-se um crescimento de 1,4%, mas o número está fortemente influenciado pelas medidas extraordinárias adotadas pelo Executivo no final do ano. Os peritos em contas públicas lembram a cobrança de 512,4 milhões de euros realizada no âmbito do PERES e os 104 milhões conseguidos com o Regime Facultativo de Reavaliação do Ativo Fixo Tangível e Propriedades de Investimento. “Descontando estes efeitos, a receita fiscal em 2016 teria crescido 0,1%”, calcula o CFP.
Já as contribuições sociais “apresentaram uma dinâmica superior à verificada no ano anterior”, tendo crescido 4,5%. Aqui há que reconhecer o impacto positivo da melhoria das condições do mercado de trabalho, com a redução do desemprego para lá do esperado, acompanhada pela criação de emprego.
Contas feitas, “a carga fiscal reduziu-se para 34,2% do PIB refletindo um desagravamento de 0,3 p.p. do PIB face a 2015”, diz o CFP. A dúvida sobre o comportamento da carga fiscal também chegou a alimentar o combate político do ano passado, com a direita a contestar a queda do peso dos impostos e contribuições sociais.
O problema do défice está resolvido?
O Governo cortou o défice para 2,1%, e mesmo anulando o efeito das medidas extraordinárias, conseguiu cumprir a meta de Bruxelas — as contas do CFP colocam o défice sem estas medidas em 2,5% do PIB. Mas, mesmo assim, o problema não está estruturalmente resolvido. O saldo estrutural melhorou apenas uma décima, estima o CFP. Por outras palavras, isto quer dizer que o corte do défice contou com a ajuda do crescimento económico — se ele no futuro faltar, o défice regressa. Ainda assim, esta melhoria do saldo estrutural foi além da exigência mínima da Comissão Europeia, que autorizou que este rácio ficasse inalterado.
É por isso que o CFP nota que até ser atingido o objetivo de médio prazo, um saldo orçamental estrutural de 0,25% do PIB, falta corrigir 2,33 pontos percentuais.
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