Lehman Brothers. Banca melhorou, mas não o suficiente, dizem economistas
Dez anos depois da queda do norte-americano do Lehman Brothers, o sistema financeiro melhorou, mas não o suficiente, reforçam os economistas. Recuperação económica continua incerta.
Dez anos depois da queda do Lehman Brothers, houve melhorias no sistema financeiro mas ainda insuficientes e a Europa e Portugal vivem uma recuperação incerta e com problemas, que servem de combustível a populismos, segundo economistas contactados pela Lusa.
A crise financeira não eclodiu em 15 de setembro de 2008, mas o dia em que nos Estados Unidos o banco de investimento Lehman Brothers declarou falência tornou-se um marco, já não era possível ignorar uma crise alimentada pela desregulação financeira e pela bolha imobiliária, que rapidamente se alastrou à Europa, onde era evidente o elevado endividamento das famílias, empresas e Estados e a fragilidade bancária perante uma supervisão ineficaz.
Uma década passada, economistas e académicos consideram que houve evoluções significativas, a maior solidez dos bancos (que foram obrigados a recapitalizar-se), a melhor regulação, a supervisão de nível comunitário, e o facto de se ter conseguido que a recessão económica fosse menos desastrosa do que se perspetivava. Contudo, avisam, há muito por fazer.
Para João César das Neves, economista e professor da Universidade Católica de Lisboa, foi “espantoso o que se conseguiu dado o que se passou”, mas é ao mesmo tempo “assustador” o que ainda falta, nomeadamente na União Bancária europeia.
José Manuel Quelhas, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, destaca a mudança de pensamento que considera que “a estabilidade financeira pode ser vista como um bem público, de que não interessa só aos operadores financeiros”.
O surgimento do Comité Europeu do Risco Sistémico e do Sistema Europeu de Supervisão são alguns dos aspetos positivos apontados pelo também juiz conselheiro do Tribunal de Contas. Mas avisa: “Fica muito aquém das expectativas, até porque a União Bancária está por concluir”.
Para já, dos três pilares da União Bancária está em funcionamento o Mecanismo Único de Supervisão, com o BCE a supervisionar os bancos mais significativos da Europa, e o Mecanismo Único de Resolução, ainda que falte concretizar o fundo que financiará as intervenções nos bancos.
O problema, contudo, é o terceiro pilar, o Fundo comum de Garantia de Depósitos, que motiva entraves nomeadamente da Alemanha.
Nicolas Veron, economista do ‘think thank’ europeu Bruegel e do Peterson Institute for International Economics, concorda que o facto de a União Bancária estar “muito incompleta” prejudica a estabilidade do sistema financeiro, desde logo porque não permite que seja rompida a ligação entre a dívida do Estado (risco do soberano) e o setor financeiro.
A crise que eclodiu em 2007/2008 teve como reação uma resposta concertada dos bancos centrais para estabilizarem os mercados e fazer o dinheiro regressar às economias. As taxas de juro de referência foram reduzidas para mínimos históricos e os bancos centrais lançaram operações de compra de ativos.
Para César das Neves, foi a intervenção dos bancos centrais e a criação de liquidez que “salvou a economia mundial da catástrofe”, de uma recessão prolongada e profunda, evitando um colapso como o de 1929.
Contudo, afirma, “o excesso de liquidez criado em 2008 e 2009 ainda está a ser criado em 2018”, quando ninguém esperaria que dez anos depois ainda houvesse a necessidade de sustentar a economia por essa via, pelo que considera que isto pode ser também um problema já que, perante a ação dos bancos centrais, “os governos sentiram-se dispensados de fazer sua parte, em termos orçamentais, reformais e estruturais”. “A liquidez evita a dor, mas é preciso a intervenção cirúrgica”, avisa.
O professor Paulo Viegas de Carvalho, do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, destaca ainda que a economia se continua a debater com o “extremamente elevado peso do endividamento público e privado”. Nos bancos, diz, continua o problema do crédito malparado, com impacto na economia e na rentabilidade das instituições.
Além disso, lembra, as grandes agências de rating (Moody’s, Fitch, Standard & Poor’s), a que tanto se apontou o dedo por darem notas muito boas a produtos que afinal eram ‘tóxicos’, “têm hoje ainda mais peso do que tinham”.
Nicolas Veron considera que não ter sido criado mecanismos para limpar os balanços dos excessivos ativos ‘tóxicos’ foi uma “oportunidade perdida” pela qual “Portugal paga um alto preço”.
“Não temos ainda a banca a fazer a sua função económica, o crédito a empresas não anima. Esses problemas são muito evidentes e ninguém está a olhar”, afirma, por seu lado César das Neves.
O professor da Católica considera que se vive na “ilusão” de crescimento económico, que é baixo, esquecendo-se que os riscos que há no mundo – como a incerteza geopolítica e guerra comercial promovida pelo presidente dos Estados Unidos – “a qualquer momento podem precipitar coisas graves”.
Paulo Viegas de Carvalho afirma que um dos passos seguintes é ver como evoluirá a política monetária, referindo que os bancos centrais irão começar a subir taxas de juro ainda que de forma muito gradual, para avaliar os efeitos nos ativos, que estão muito sobrevalorizados, como ações e imobiliário, pois os aforradores aplicaram dinheiro aí fugindo de investimentos pouco rentáveis, como depósitos.
Os economistas contactados pela Lusa consideram ainda que os mais recentes movimentos políticos, com ressurgimento dos populismos e nacionalismos, têm origem na crise, nos problemas que subsistem, nas famílias insatisfeitas com as condições de vida, no desemprego, nas desigualdades.
“O facto de boa parte da população sentir insatisfação com as respostas à crise, com as medidas austeridade, os resultados são aqueles que se esperavam: populismos”, considera Paulo Viegas de Carvalho.
Apesar de ter passado o medo de colapso da moeda única, a economia europeia ainda continua a recuperar, tal como a portuguesa, entre incertezas, e com uma limitada ação orçamental dos Governos a braços com elevada dívida pública (em Portugal era em junho de 125,8% do PIB – Produto Interno Bruto).
“A crise de 2008 é bancária e essa resolve-se rápido, o que está a apodrecer é a crise das finanças públicas, essa crise orçamental é muito difícil de resolver”, diz César das Neves.
Dez anos depois da queda do Lehman Brother e quatro anos depois do fim do resgate da ‘troika’ (2011-2014), só este ano a produção de riqueza em Portugal (medida pelo PIB) deverá atingir os níveis pré-crise, segundo o Banco de Portugal. E o rendimento médios das famílias ainda era em 2016, último ano disponível, inferior ao de 2008.
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