“Lei da Uber” entrou em vigor. Escolas de condução, plataformas e motoristas ainda têm dúvidas
Ainda há um período de transição, mas as novas regras para as plataformas eletrónicas entraram em vigor esta quinta-feira. Contudo, ainda existem algumas dúvidas sobre alguns aspetos da "lei da Uber".
No dia em que entra em vigor a chamada “lei da Uber”, ainda restam algumas dúvidas em torno da nova regulamentação das plataformas. Só na véspera, esta quarta-feira, é que o Governo publicou a portaria que lança luz sobre a formação dos motoristas, que era o passo que faltava para o mercado ficar a conhecer os últimos pormenores em torno das novas regras. Contudo, existem aspetos que não são claros, o que está a causar preocupação a alguns motoristas e até às escolas de condução.
Do lado das entidades formadoras, que ficarão responsáveis por ministrar a formação aos motoristas, a queixa prende-se com a falta de clareza em torno das competências que os formadores devem ter para poderem ministrar os vários módulos do curso.
A lei previa que fosse o Governo a definir alguns pormenores em torno da formação dos motoristas, como a carga horária dos cursos e os módulos a serem lecionados. Esta quarta-feira, a portaria saiu em Diário da República: os cursos terão uma carga horária mínima de 50 horas e terão uma componente teórica e uma componente prática. A portaria também define a forma como as escolas de condução vão ter de desenhar os manuais para as formações. Mas, em conversa com o ECO, um alto responsável da associação que representa as escolas de condução confessou preocupação.
“Se a entidade formadora é responsável pela elaboração dos manuais, pela elaboração do dossiê formativo, se tem de disponibilizar o espaço e os formadores, porque é que o IMT deve definir se os formadores estão capazes ou não?”, questionou António Reis, vice-presidente da Associação Nacional dos Industriais de Ensino de Condução Automóvel (ANIECA), órgão que representa as empresas que operam escolas de condução em Portugal.
Em causa, explica o responsável, está o ponto da portaria que estabelece que “os formadores devem possuir competências que o IMT considere adequadas às matérias que ministram”. O problema, disse, é que o nível de competências ainda não está definido e as escolas de condução voltam a estar às escuras: “Não existe para já uma orientação do IMT neste aspeto”, garantiu António Reis.
Está definido que o curso terá seis módulos: comunicação e relações interpessoais, normas legais de condução, técnicas de condução, regulamentação da atividade, situações de emergência e primeiros socorros e condução individual de veículos. É um leque alargado de áreas de conhecimento que pode implicar que as escolas de condução tenham de ir buscar formadores de fora.
Isso terá influência no preço final da formação: “Se a escola de condução pode fazer a formação com prata da casa, com pessoal do quadro, é evidente que os cursos ficam mais acessíveis”, comentou o vice-presidente da ANIECA. Sobre se o valor irá rondar os 300 euros, como estimaram fontes do setor ao ECO em abril, António Reis disse acreditar ser um valor que “peca por excesso”. Ou seja, admite que o preço final possa ser mais reduzido.
O ECO contactou o IMT no sentido de obter esclarecimentos sobre as competências concretas que os formadores precisam de ter, bem como se o instituto está a desenhar uma plataforma ou um espaço onde agregue informação sobre o assunto. Por telefone, o IMT recusou-se a prestar esclarecimentos. Por email, o ECO não obteve resposta a tempo de publicação deste artigo.
Já do lado de quem conduz, para além da formação, outra das dúvidas prende-se com o cálculo do limite de horas ao volante. A lei define um máximo de dez horas de condução ao serviço das plataformas. Esse bloqueio já é automático na aplicação da Uber para motoristas, que fica offline após dez horas de condução efetiva. No entanto, são já muitos os condutores que trabalham ao serviço de várias aplicações em simultâneo, como a Taxify e a Chauffeur Privé. E ainda não é certo que mecanismo ou sistema transversal vai contabilizar este número de horas de trabalho: se uma interligação entre as várias aplicações, se um registo manual.
Ao ECO, Vítor Conceição, responsável de uma empresa que tem uma frota de carros ao serviço de plataformas eletrónicas, queixou-se de falta de informação. Questionado sobre se tem recebido orientação na preparação para a nova lei, nomeadamente das próprias plataformas eletrónicas, disse que “até ao momento, é zero”. “Houve alguma comunicação na altura em que foi aprovada a lei, mas neste momento não existe”, afirmou.
Fontes próximas de algumas das principais plataformas também confessaram ao ECO que ainda estão a avaliar como implementar certos aspetos da nova lei. Uma das maiores preocupações é estarem em conformidade dentro do prazo estipulado, que atualmente se cifra em 120 dias, ou seja, quatro meses. Pelo menos uma das plataformas admite vir a procurar parcerias com escolas de condução formadoras, como forma de agilizar o processo de formação dos motoristas, disse uma fonte.
Esta quarta-feira, as associações representativas do setor do táxi também denunciaram que ainda não existem formulários de licenciamento do transporte de passageiros a partir de plataformas eletrónicas. Num comunicado conjunto, a FPT e a Antral indicou que o IMT “ainda não emitiu, por exemplo, o modelo de certificado exigido para o curso de formação rodoviária para motoristas, cujo prazo terminou a 10 de setembro 2018”. “A falta acontece ainda no balcão do empreendedor no site do IMT, onde o processo de licenciamento deve ser realizado, mas que, segundo o próprio instituto, ‘está em fase de testes’”, indicam as entidades rivais do setor da Uber, que consideram que está a existir uma “tentativa de viciação de mercado”.
À Lusa, o secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade, José Mendes, garantiu, em contrapartida, que está tudo pronto para a entrada em vigor da nova lei. “Entendemos que estão criadas todas as condições para que, agora sim, de forma regulada, possamos ter um setor a funcionar que traz uma mais-valia para os utilizadores finais, para os cidadãos”, afirmou, citado pela agência. Do lado do IMT, ressalvou ainda que “está tudo a funcionar”.
Depois da entrada em vigor da lei, esta quinta-feira, os vários players têm entre 60 a 120 dias para ficarem em conformidade. Além, disso, a lei também prevê que, caso considere existir uma justificação fundamentada, o IMT também pode alargar o prazo de transição em 180 dias. O ECO preparou um guia com o que vai mudar com a nova lei para motoristas, parceiros, plataformas e passageiros.
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