Classe média portuguesa entre as que mais gasta do que ganha, revela OCDE
Quase 36% das famílias da classe média portuguesa gastam mais do que ganham, avança a OCDE. E no que diz respeito ao sobre-endividamento, quase 24% da classe média nacional tem este problema.
Mais de três em cada dez famílias da classe média portuguesa gastam mais do que ganham. De acordo com os dados recolhidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Portugal é mesmo o terceiro país europeu com uma maior percentagem de agregados familiares nesta situação. Esse comportamento é, de resto, um dos fatores que explica o posicionamento da classe média nacional como a quinta mais sobre-endividada dos 36 Estados-membros da OCDE.
Segundo o relatório “Under Pressure: The Squeezed Middle Class” (que parte de dados relativos a 2016 e de outros mais recentemente disponibilizados), 35,4% dos agregados da classe média portuguesa gastam mais do que recebem todos os meses. Na classe baixa nacional uma maior fatia (64,6%) tem esse mesmo comportamento, enquanto na classe alta é menos frequente (15,5%).
No quadro geral da OCDE, Portugal aparece como o terceiro país com mais famílias da classe média nesta situação, depois do Chile (59,9%) e da Grécia (57,6%). “Mais de um em cada cinco agregados com rendimentos médios gastam mais do que ganham, o que implica um risco de sobre-endividamento“, explica a OCDE, no relatório divulgado esta quarta-feira.
A propósito, em linha com o seu posicionamento na tabela que diz respeito a gastos superiores ao rendimento, Portugal ocupa um dos lugares cimeiros no ranking das classes médias mais sobre-endividadas. Enquanto, nos 28 países da OCDE para os quais há dados disponíveis, uma em cada oito famílias da classe média (13,1%) estão sobre-endividadas, quase duas em cada oito (23,8%) estão nesta situação em Portugal.
Deste modo, Portugal não só ocupa o quinto lugar desta tabela como integra o grupo de Estados-membros onde a diferença entre os níveis de sobre-endividamento da classe média ultrapassa em mais de 5% os registados na restante população. Os tais 23,8% da classe média portuguesa comparam com 16,8% da população nacional em geral.
O sobre-endividamento diz respeito, recorde-se, à incapacidade das famílias cumprirem o pagamento de um ou mais créditos, sendo o montante total de dívidas contraídas superior ao seu rendimento mensal.
De notar, por outro lado, que os números divulgados esta quarta-feira estão em concordância com a taxa de poupança das famílias, que está em níveis historicamente baixos. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE, no último ano, as famílias portuguesas pouparam 4,6 euros por cada 100 euros de rendimento, ou seja, registou-se uma taxa de 4,6%, o valor mais baixo desde, pelo menos, 1999.
Em comparação, no quarto trimestre de 2018, a taxa de poupança das famílias na Zona Euro foi de 12,3%, segundo o Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat). A taxa de poupança das famílias contabiliza, recorde-se, a parte do rendimento disponível que não é utilizado em consumo final, sendo calculada através do rácio entre a poupança bruta e o rendimento disponível das famílias.
Famílias portuguesas entre as financeiramente mais vulneráveis
A completar o retrato da classe média portuguesa, a OCDE nota que este é o quinto país europeu onde esse grupo de cidadãos está financeiramente mais vulnerável.
No total dos 18 países europeus considerados, quase quatro em cada dez famílias estão nestas circunstâncias, isto é, têm fortes dificuldades em fazer face a despesas não planeadas e a quedas não esperadas de rendimentos. “Quase 40% dos agregados com rendimentos médios em 18 países da OCDE são financeiramente vulneráveis, isto é, atrasam-se ou são mesmo incapazes de lidar com despesas inesperadas e repentinas quedas de rendimentos. A fatia da classe média nesta condições varia consideravelmente de país para país, de 12% na Noruega para 70% na Grécia”, explica o organização liderada por José Angél Gurría.
Em Portugal, são mais de cinco em cada dez (53,86%) os agregados da classe média que estão financeiramente vulneráveis. Essa fragilidade é ainda significativamente superior na classe baixa nacional, atingindo 84% desse grupo populacional.
De mãos dadas com estes dados surgem os números relativos aos agregados que têm dificuldades em equilibrar as suas contas até ao final do mês (to make ends meet, na expressão inglesa). Na OCDE, em média, 47% das famílias da classe média têm esse tipo de dificuldades, valor que compara com os 68,98% da classe média portuguesa e com os 88,6% da classe baixa portuguesa.
“Em 24 países europeus da OCDE para os quais há dados disponíveis, em média 47% das famílias da classe média registaram dificuldades em equilibrar as suas contas em 2016. Este valor é inferior ao registado no pico da crise económica (54% em 2012), mas ligeiramente superior ao registado no período pré-crise (46% em 2006)“, nota a OCDE, no estudo.
Além disso, o relatório da OCDE identifica ainda a classe média portuguesa (a par da norte-americana, espanhola, letã, estónia e grega) como uma das que mais é constituída por famílias que correm o risco de recuar para a classe baixa.
Poucos portugueses se identificam como membros da classe média
Outro dos dados avançados, esta quarta-feira, pelo relatório “Under Pressure: The Squeezed Middle Class” indica que Portugal está entre os países da OCDE onde menos cidadãos se identificam como pertencentes à classe média.
Tudo somado, cerca de dois terços da população dos 36 Estados-membros considera fazer parte desse grupo, mas a variação não é uniforme. Nos países do norte da Europa, na Holanda, no Luxemburgo e na Suíça, quatro em cada cinco pessoas dizem pertencer à classe média. Em contraste, duas em cada cinco pessoas (ou até menos) fazem esse tipo de identificação em Portugal, no Brasil, no Chile e no Reino Unido. Esse último caso é particularmente interessante, já que a grande maioria da população diz pertencer à classe operária (working class, na expressão inglesa).
Por outro lado, a OCDE deixa uma nota sobre os benefícios concedidos pela Segurança Social aos cidadãos, referindo que a classe média portuguesa está entre as que menos recebem apoios deste tipo em comparação com a fatia populacional de representam. A culpa, diz a organização, é da despesa com os benefícios atribuídos à classe alta, que é a segunda mais elevada dos 36 Estados-membros, sendo superada apenas pela do México.
“Noutros países, em contraste, como o México e Portugal, os beneficiários com rendimentos elevados são desproporcionais”, lê-se no estudo. “O principal catalisador é a distribuição desigual das pensões em certos países. No México e em Portugal, as famílias com maiores rendimentos e com pessoas mais velhas conseguem uma fatia maior dos benefícios da Segurança Social, que ultrapassa a fatia populacional que representam”, remata a OCDE.
É importante referir, por fim, que 60,1% da população portuguesa se encaixa na classe média, 16,8% na classe baixa e 12,4% na classe pobre e 10,6% na classe alta.
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