Teixeira dos Santos sobre Berardo: “Ligação entre banca e esses projetos empresariais era insustentável”

Teixeira dos Santos fala numa ligação entre empresários e bancos que se tornou num paradigma em Portugal para se ter influência e que agora começa a "vir ao de cima", com o caso de Joe Berardo e CGD.

A defesa dos centros de decisão nacional está na génese das relações pouco saudáveis entre bancos e empresas e é nesse contexto que se insere a relação de Joe Berardo com a Caixa Geral de Depósitos. Uma relação “insustentável”, na avaliação de Teixeira dos Santos, que se traduziu numa dívida de quase 300 milhões de euros do empresário madeirense ao banco público.

Entre o grupo dos grandes devedores à Caixa, Joe Berardo foi ouvido a semana passada na segunda Comissão de Inquérito à recapitalização da CGD e gerou uma onda de protestos e indignação pelas declarações polémicas que fez — como por exemplo dizer que pessoalmente não tem quaisquer dívidas — e a postura que assumiu perante os deputados. Agora está em risco de perder as comendas que recebeu, das mãos Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, e está no radar do Ministério Público.

“Não nos podemos esquecer do que há 20 anos se tornou quase um paradigma, pelo menos entre as elites bem pensantes económicas, que achavam que precisávamos de ter centros de decisão nacional”, sublinhou o antigo ministro das Finanças, no Fórum Desafios e Oportunidades, que decorreu esta quarta-feira em Leiria. Foi esta ideia “de os bancos arranjarem empresários portugueses que personificassem estes tais centros de decisão nacional e de os financiarem para que pudessem existir” que está na raiz do que se tem assistido com a CGD, recordou Teixeira dos Santos, numa alusão implícita à guerra acionista do BCP em 2007.

“Tivemos um capitalismo próprio sem capital próprio”, ironizou o ministro das Finanças de José Sócrates. “Com a crise todo esse status quo foi abalado”, acrescentou.

Para o líder do EuroBic não há dúvida de que essa ligação entre a banca e estes projetos empresariais era “insustentável”. “Foi uma forma de a própria banca ter um projeto de influência no setor económico. Agora, tudo isso veio ao de cima”.

Joe Berardo e as empresas e sociedades a ele ligadas (como a Fundação Joe Berardo) são um dos grandes devedores da CGD. Mas também BCP e Novo Banco foram afetados pelas dívidas do empresário. Em conjunto a dívida às três instituições totaliza 962 milhões de euros. Por isso, em abril, os três bancos entraram com uma ação no tribunal para cobrar dívidas de Joe Berardo, de quase 1.000 milhões de euros, executando ainda a Fundação José Berardo e duas empresas ligadas ao empresário.

Fórum Desafios e Oportunidades na Batalha - 15MAI19
Teixeira dos Santos, presidente do Eurobic e António Costa, publisher do ECOHugo Amaral/ECO

 

Consolidação orçamental está num bom caminho, mas “cuidado com a chuva”

O ex-ministro das Finanças considera que o país chegou a um ponto em que praticamente atingiu o objetivo de médio prazo em termos orçamentais. E agora? “Temos de assegurar que há sustentabilidade nesse objetivo”, disse. “A conjuntura tem sido positiva mas temos de estar preparados para dias piores. Temos tido dias soalheiros, tiremos agora partido disso para consolidar o nosso Orçamento. Temos de estar preparados para quando vier a chuva”.

Por isso, questionado sobre a crise política em torno das carreiras dos professores, o ex-ministro considera que o alerta feito pelo Governo fez “todo o sentido”. “Num ambiente eleitoral não vale tudo para ganhar a simpatia das classes todas, neste caso a dos professores. Tem de ser tudo gerido com prudência e sentido de equidade”, rematou.

Já a banca encontra-se ainda num processo de estabilização porque “ainda não ultrapassou inteiramente as mazelas do passado”. Principalmente, com o crédito malparado. “A banca vai ter de continuar a fazer um esforço no sentido de destruir ainda mais o peso destes ativos problemáticos, que afetam a sua rentabilidade e a capacidade de conceder crédito”.

“O ano está melhor do que seria de esperar” com crescimento do PIB

Teixeira dos Santos vê com bons olhos o crescimento do PIB de 1,8% no primeiro trimestre deste ano, “muito próximo da previsão do Governo no programa de estabilidade”. O ex-ministro das Finanças falou em Leiria no “Fórum Desafios e Oportunidades”, onde admitiu que 2019 começa, assim, “melhor do que seria de esperar” e que este é “um sinal de confiança”.

Mas também lembra que existem riscos recentes na economia global que é necessário ter em conta, como a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. “As decisões de Trump estão a perturbar as perspetivas económicas mundiais e Portugal não deixara de sofrer os impactos desta instabilidade”, disse.

No entanto, outros fatores que há um ano poderiam sobressaltar o país em termos económicos, como o Brexit, estão hoje mais mitigados. “O mal que o Brexit poderia fazer já fez. Não creio que possa criar mais perturbação“, comentou. Também o despertar de sentimentos antieuropeístas já não preocupa tanto Teixeira dos Santos que vê essas forças cada vez mais “contidas”, com as eleições europeias à porta. “Não o vejo como um fator de perturbação para a economia europeia”.

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