Exclusivo Auditor com dúvidas sobre as contas do Museu Berardo. Comendador ignorou ação dos bancos para executar coleção de arte
A administração da fundação que gere o Museu Berardo, liderado por Joe Berardo, ignorou impacto que a ação dos bancos para executar obras de arte poderá ter no futuro do museu.
O revisor oficial de contas da fundação que gere o Museu Berardo tem dúvidas quanto ao impacto que a ação executiva dos bancos — e que faz mira às obras da Coleção Berardo — poderá ter no futuro do museu e colocou reservas às contas da instituição do ano passado pelo facto de o conselho de administração, que é liderado por Joe Berardo, ter ignorado os riscos que aquela ação poderá ter na “prossecução do objeto” do museu.
Foi a PwC quem manifestou essas reservas na certificação legal das contas de 2018 da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, que explora o Museu Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, isto depois de ter verificado que a gestão da entidade (que tem Joe Berardo como presidente honorário vitalício) não fez a devida ressalva na demonstração dos resultados da ação executiva que Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP e Novo Banco entregaram no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no passado dia 20 de abril, para cobrar dívidas de Joe Berardo de quase 1.000 milhões de euros, e que visa a Coleção Berardo através da execução de penhores dos títulos da Associação Coleção Berardo, proprietária das obras que foram cedidas ao Estado em regime de comodato.
A PwC sublinha que, embora as contas de 2018 tenham sido preparadas em conformidade com a norma contabilística internacional, “não foi dado integral cumprimento aos requisitos previstos na norma, na medida em que as demonstrações financeiras anexas não divulgam a informação sobre este evento subsequente e sobre a avaliação do conselho de administração da Fundação relativa ao impacto que o mesmo poderá ter na prossecução do objeto da Fundação“.
A ação dos três bancos tem como alvo a Fundação José Berardo, IPSS, o próprio comendador e ainda terceiros, lembra a auditora. Ou seja, “os executados são associados instituidores da Associação Coleção Berardo, cofundadora da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, e, nessa qualidade, titulares de títulos de participação sobre a Associação, os quais, tanto quanto foi tornado público, foram alegadamente dados em garantia para cumprimento de certas obrigações de pagamento perante os bancos”, refere a auditora.
E, “como é do conhecimento público, os cofundadores da Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo subscreveram um acordo de comodato no dia 3 de abril de 2006, posteriormente renovado com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2017, pelo prazo de seis anos, ao abrigo do qual a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo é atualmente a comodatária detentora de obras de arte comummente designadas por Coleção Berardo”, explica ainda.
É nesse sentido que é forçada a deixar a sua posição de reserva em relação às contas de 2018: “Estamos convictos de que a prova de auditoria que obtivemos é suficiente e apropriada para proporcionar uma base para a nossa opinião com reservas“.
"Estamos convictos de que a prova de auditoria que obtivemos é suficiente e apropriada para proporcionar uma base para a nossa opinião com reservas.”
Com a ação executiva, CGD, BCP e Novo Banco tentam chegar às obras de arte da coleção, que estavam avaliadas em mais de 300 milhões de euros em 2006, mas subsistem dúvidas quanto à execução das obras por via dos títulos da Associação Coleção Berardo que tinham sido dados em penhor pelo comendador. Na semana passada, Jorge Tomé, antigo administrador do banco público, disse no Parlamento que os bancos aceitaram ficar com os títulos da Associação Coleção Berardo como colateral porque estavam indexados às obras.
Mais exposições levam museu a prejuízos em 2018
De acordo com os resultados do ano passado, a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, que tem Joe Berardo como presidente honorário vitalício, registou prejuízos de 178,8 mil euros, isto depois de ter obtido lucros de 520 mil euros em 2017.
Grande parte das receitas proveio de subsídios, doações e legados à exploração, ascendendo a 2,3 milhões de euros (2,1 milhões vieram do Orçamento do Estado), o que representa uma subida de quase 10% face a 2017.
Porém, os gastos com fornecimentos e serviços externos dispararam 70% para 2,7 milhões de euros, “decorrente do aumento das exposições realizadas comparativamente ao ano anterior, o que originou aumentos em diversas rubricas, entre as quais: serviços externos de apoio à atividade cultural, segurança e vigilância e a rubrica de publicidade e propaganda”. E é isto que justifica os prejuízos do museu em 2018.
No que toca ao balanço, a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo terminou 2018 com um passivo de 876 mil euros, duplicando face ao ano passado devido sobretudo ao aumento das dívidas a fornecedores. Já o total do passivo e fundos patrimoniais ascendia a 6,06 milhões de euros, que se equilibram na exata medida com os 6,06 milhões de euros de ativo total da instituição.
Além das reservas, a PwC também deixou uma “ênfase” às contas, tal como tinha feito em anos anteriores, isto para sublinhar que entre 2010 e 2015 os fundadores Estado e Joe Berardo “não efetuaram a dotação anual para o fundo de aquisições de obras de arte, de 500 mil euros cada”, como preveem os estatutos.
“Pelo que em 31 de dezembro de 2018 ascende a seis milhões de euros o montante global das dotações não realizadas relativas aos referidos exercícios”, lê-se na certificação legal das contas elaborada pela PwC.
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