Têxtil faz lóbi em Bruxelas para não perder estatuto de PME
Como definir uma PME? Têxteis nacionais querem conjugar ter mais de 250 trabalhadores e um volume de negócios superior a 50 milhões de euros. Bruxelas está avaliar, mas diz que fórmula atual funciona.
A Comissão Europeia está a avaliar, pela quarta vez, os critérios utilizados para definir o que é uma pequena e média empresa (PME). Os empresários portugueses do setor têxtil estão a fazer pressão junto de Bruxelas para que seja tido em conta o número de trabalhadores juntamente com o volume de negócios. Mas o cenário não é risonho para os interesses nacionais.
“A caracterização de uma PME não deve ser feita apenas com base no número de trabalhadores. Este conceito deve ser complementado pelo volume de negócios”, defende ao ECO César Araújo. O empresário e presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário, Confeção e Moda (Anivec) tem tentado alertar os decisores políticos para a “injustiça” de que o setor é alvo. “Só porque estamos a falar de empresas que têm 250 trabalhadores e um volume de negócios que por vezes nem chega aos 20 milhões de euros não é justo que ser equiparado a uma Galp, EDP ou Altice”, acrescenta.
Só porque estamos a falar de empresas que têm 250 trabalhadores e um volume de negócios que por vezes nem chega aos 20 milhões de euros não é justo que ser equiparado a uma Galp, EDP ou Altice.
Presentemente, uma empresa deixa de ser considerada uma PME se tiver mais de 250 trabalhadores, se volume de negócios anual exceder os 50 milhões de euros ou o balanço total anual ultrapassar os 43 milhões de euros. Ora, as empresas de mão-de-obra intensiva como as do têxtil e do calçado rapidamente saltam fora desta classificação por causa do número de trabalhadores.
Por altura da campanha para as eleições europeias, a Anivec enviou uma carta aos vários candidatos ao Parlamento Europeu, e ao secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias. Mas não surtiu o efeito desejado. “Lamentamos que quem tem poder de decisão não tenha posto isto em cima da mesa. O tema esteve afastado da campanha, mas está é uma necessidade urgente que é necessário resolver para dinamizar o país e o nosso setor”, lamentou César Araújo.
“Esta é uma questão estruturante, porque limita as empresas no acesso a fundos que por natureza seriam seus“, sublinha, ao ECO, Bruno Mineiro, diretor da gestão de cliente da Twintex, que emprega cerca de 400 trabalhadores nas suas duas fábrica. “É lesiva do crescimento económico e devia ser revista, porque as empresas de maior dimensão estão a ser penalizadas“, acrescenta Bruno Mineiro, filho de António Mineiro, que criou a empresa produtora de vestuário em 1979. O responsável, que também integra a administração, reconhece que “é uma inevitabilidade” as empresas limitarem o seu crescimento. “Não tendo acesso a incentivos, qualquer projeto representa um esforço muito maior para a empresa e isso reflete-se na dimensão do investimento e, consequentemente, no crescimento e na criação de potencial da empresa e no crescimento económico do país”, afirma.
Esta é uma questão estruturante, porque limita as empresas no acesso a fundos que por natureza seriam seus. É lesiva do crescimento económico e devia ser revista.
A mesma carta também foi enviada à Comissão Europeia para tentar fazer valer os argumentos junto de Bruxelas. Para a Anivec, “a interpretação que tem vindo a ser feita da lei impede que as empresas sejam tratadas com base em normas comuns, limitando os riscos de distorção da concorrência, contrariando a necessária conjugação de critérios que, em conjunto, permitem compreender a importância real e o desempenho de uma empresa, bem como a sua posição em relação às suas concorrentes”, pode ler-se na carta a que o ECO teve acesso. Um argumento que vai ao encontro de uma recomendação (de 2003) da própria Comissão Europeia.
A resposta de Bruxelas não tardou. No final de maio, a diretora geral para o mercado interno envia uma missiva na qual sublinha que está a decorrer a quarta monitorização da implementação da definição de PME. “A pertinência da meta do número de trabalhadores no atual ambiente de negócios é um dos elementos que a Consulta pública abordou”. Uma consulta pública direcionada para PME que decorreu de 7 de março a 6 de maio de 2018 e cujos resultados são públicos. Além disso, “uma avaliação feita por um organismo independente está terminada e conclui que a definição, em geral, continua a funcionar“, frisa Kristin Schreiber, em nome da comissária Elzbieta Bienkowska e do comissário Carlos Moedas.
Ainda assim, admite a responsável, na carta a que o ECO teve acesso, “os serviços da Comissão vão analisar mais aprofundadamente este trabalho. Além disso, vai ser levada a cabo uma investigação adicional a alguns aspetos da definição” de PME que depois alimentarão o trabalho da próxima Comissão que terá a palavra final sobre se haverá ou não ajustamento nos critérios.
Até ao verão, esperamos tornar públicas as recomendações desse trabalho que servirão de base para uma eventual iniciativa por parte do próximo colégio da Comissão Europeia, a partir de novembro deste ano.
Ao ECO, o comissário Moedas confirma que “a Comissão europeia está atualmente a avaliar se a definição de PME necessita de ser atualizada, com base nos contributos que recebemos das entidades interessadas”. “Até ao verão, esperamos tornar públicas as recomendações desse trabalho que servirão de base para uma eventual iniciativa por parte do próximo colégio da Comissão Europeia, a partir de novembro deste ano”, acrescentou.
Na carta enviada à Anivec, Kristin Schreiber recorda que “todos os Estados-membros são tratados da mesma forma”; que a “definição usa três critérios”; mas que, “de facto, o número de trabalhadores é considerado o mais importante, como tal é compulsório“; que “ao permitir escolher entre o volume e negócios ou o balanço total anual, a definição já revela flexibilidade” e permite “lidar com a diferença” entre as empresas produtoras e as que trabalham ao nível do setor da distribuição.
De facto, o número de trabalhadores é considerado o critério mais importante na definição de uma PME, como tal é compulsório.
No terreno, a perceção é bem diferente. José Alexandre, responsável pela Riopele, empresa fundada pelo seu avô em 1927, sabe que tendo em conta a dimensão do seu negócio — três empresas e mais de 1.100 trabalhadores — está completamente fora dos parâmetros de uma PME, mas defende que a União Europeia “devia ter em linha de conta as especificações de cada país”. “A Riopele, com mais de mil trabalhadores, pode não ser uma PME em Portugal, mas numa comparação europeia não é bem assim”. O CEO da Riopele recorda que, na Alemanha e países nórdicos, empresas como a sua têm uma classificação especial, que em Itália as regiões também permitem que as empresas tenham “apoios dos estados regionais”. “As regras existem mas, por vezes têm de ser bem vistas e adaptadas à situação de cada país. A Riopele está em Braga, Barcelos, Famalicão ou Lousada, mas não temos qualquer apoio regional”, sublinha. “Quero que me reconheçam a mim e ao setor pelo que fizemos nos últimos três quatro anos. Demos um contributo muito grande para a recuperação do país”, desabafa.
As regras existem mas, por vezes têm de ser bem vistas e adaptadas à situação de cada país.
O eurodeputado José Manuel Fernandes lembra que não é a primeira vez que existe uma flexibilização das regras a nível europeu. “Estamos sempre disponíveis para fazer ajustamentos mas, muitas vezes, nem é preciso alterar a definição”, frisa ao ECO. E recorda que foi exatamente esse o caminho escolhido no Plano Juncker. “Flexibilizámos as candidaturas ao Plano Juncker de forma a permitir que empresas até aos três mil trabalhadores também pudessem concorrer. Demos essa abertura. A mesma coisa no Invest EU, o próximo plano de investimentos da UE”, explica o eurodeputado eleito pelo PSD, justificando essa opção com o efeito de arrastamento que estas empresas têm junto das PME.
Ainda assim o eurodeputado reconhece: “Não me choca nada a proposta de alteração feita pela Anivec”. Mas sublinha que é necessário estudar melhor o tema para perceber se não era melhor atualizar os critérios em si e para não correr o risco de “alargar o conceito em demasia de forma a não prejudicar os mais pequenos e que têm mais dificuldade em aceder” aos apoios.
O ECO também contactou o eurodeputado socialista Pedro Marques, mas até à publicação deste artigo não obteve resposta.
Estamos sempre disponíveis para fazer ajustamentos mas, muitas vezes, nem é preciso alterar a definição.
Mas outro dos problemas com que as empresas nacionais se confrontam é o da verticalização. “O grupo tem três empresas e emprega cerca de 1.200 pessoas, com uma faturação que ronda os 80 milhões de euros. Se as empresas fossem consideradas de modo independente e não houvesse contágio de grupo, uma delas, a Tessimax, poderia ser classificada como PME já que não chega a ter 250 trabalhadores e fatura pouco menos de dez milhões de euros”, conta Paulo Augusto Oliveira, ao ECO. O grupo Paulo de Oliveira, que integra a Paulo de Oliveira, a Penteadora e a Tessimax, é o maior no setor dos lanifícios em Portugal e um dos três maiores da Europa, exporta cerca de 95% do que produz e recorre à subcontratação e à contratação intragrupo.
Problema idêntico tem o grupo Polopique que, no seu conjunto, tem mais de mil trabalhadores e um volume de negócios consolidado de mais de 100 milhões de euros. O grupo, que investiu numa nova fiação em 2018 e este ano acrescentou uma unidade de tricotagem ao seu portfolio, poderia ter pelo menos uma empresa “catalogada” como PME — a Cotton Smile, “que trabalha a subcontrato” — conta ao ECO Luís Guimarães. “Como somos uma SGPS e tudo é elevado a esse nível, as quatro empresas produtivas — todas oscilam entre 250 e 300 trabalhadores, — são consideradas grandes empresas”, afirma o presidente do grupo. “Isso traz dificuldades acrescidas para aceder a projetos do Portugal 2020, por exemplo”, justifica. “Isto devia ser revisto”, conclui, lembrando que em Portugal as empresas já “pagam a energia mais cara da Europa e os custos do trabalho são inacreditáveis”, o que são fatores que “prejudicam a competitividade” das empresas nacionais.
A Comissão também neste ponto não parece muito sensível aos argumentos nacionais. “A definição de PME tem em conta as relações que uma empresa tem com outras para definir um quadro claro da sua situação económica e excluir aquelas que não são verdadeiras PME”, escreve Kristin Schreiber. E recorda que em alguns casos, as relações por intermédio de uma pessoa singular também são tidas em conta porque estas podem dar à empresa acesso a meios que não estão disponíveis para as PME verdadeiramente independentes.
Como o dossier não está fechado, a Anivec voltou a responder à Comissão e insistindo no seu ponto de vista — o da complementaridade/cumulatividade dos critérios e não alternância — pedindo que a sua contribuição seja tida em conta nesta quarta avaliação, já que só assim se respeitará “o espírito da lei” e evitar a “distorção da concorrência por via de uma discriminação negativa das empresas”.
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