IRS, IRC, taxas moderadoras e até propinas. PCP e BE unidos para incluir estas medidas no Orçamento
São mais de 70 as propostas de alteração ao Orçamento do Estado já apresentadas pelo BE e pelo PCP, no Parlamento. Entre estas há pelo menos sete que têm concordância de ambas bancadas.
No primeiro dia útil após a aprovação na generalidade do Orçamento do Estado para 2020, Bloco de Esquerda e PCP apresentaram dezenas de propostas de alteração a esse documento. No total, estas duas bancadas já entregaram na Assembleia da República mais de 70 propostas, entre as quais estão, pelo menos, sete relativamente às quais bloquistas e comunistas estão de acordo.
A primeira matéria sobre a qual Bloco de Esquerda e PCP concordam diz respeito à atualização dos escalões do IRS.
Na proposta de Orçamento do Estado para 2020 apresentada pelo Governo de António Costa, é defendida a atualização desta tabela em linha com a inflação registada em 2019, ou seja, 0,3%. Isto depois de, em 2019, o Executivo ter escolhido não fazer qualquer tipo de atualização; não teve em conta sequer a variação dos preços.
PCP e Bloco de Esquerda entendem, contudo, que os escalões não devem seguir a inflação verificada no último ano, mas a prevista para 2020 (1%).
“Na proposta de Orçamento para 2020, o Governo propõe retomar a atualização dos escalões, mas utiliza a taxa de 0,3%, que é a taxa de inflação de 2019 e não a taxa de inflação esperada para 2020 – ano sobre o qual os escalões de IRS irão incidir. O PCP considera que se deve atualizar anualmente os limites dos escalões à taxa de inflação esperada no ano a que se reportam os rendimentos a tributar“, explica a proposta comunista.
Na proposta bloquista, não aparece qualquer nota justificativa, mas os valores sugeridos para delimitar os escalões são os mesmos. Por exemplo, o primeiro escalão de IRS tem como teto os 7.091 euros. O Governo quer puxar esse limite para 7.112 euros (uma variação de 0,3%), mas o PCP e o BE defendem que esse patamar deve subir para 7.162 euros. Já o sétimo degrau da tabela em causa diz hoje respeito aos rendimentos superiores a 80.640 euros. O Governo quer que essa linha passe a estar fixada nos 80.882 euros, mas o PCP e o BE defendem os 81.446 euros.
Do IRS ao IRC, PCP e Bloco defendem um novo desenho da tabela de taxas da derrama estadual, com especial foco nos degraus intermédios.
Atualmente, os lucros entre 7.500.000 e 35.000.000 euros são sujeitos a uma taxa de 5%. Os comunistas e os bloquistas querem que lucros entre 7.500.000 e 20.000.000 continuem a ser sujeitos a uma taxa de 5%, enquanto os lucros entre 20.000.000 e 35.000.000 euros passem a ser sujeitos a uma taxa de 7%. O escalão mais baixo e mais alto da derrama estadual mantêm-se inalterados, nas propostas destas bancadas.
“Com esta alteração, as empresas com lucros tributáveis entre 20 e 35 milhões de euros (atualmente, cerca de 60 empresas) terão um agravamento da derrama estadual até 300.000 euros, dependendo do lucro tributável“, explica o documento apresentado pelo PCP.
Propina desce, mas bolsas não
Tanto Bloco de Esquerda como PCP entendem que as propinas exigidas aos alunos do ensino superior devem baixar, mas defendem que o valor de referência para as bolsas continue a ser a propina máxima exigida no ano letivo de 2018/2019. “Para o PCP, a bolsa mínima não deve ser uma mera isenção da propina”, sublinham os comunistas.
Outra das matérias em que BE e PCP têm opiniões semelhantes é relativa à eliminação do fator de sustentabilidade aplicado às reformas antecipadas. Em causa está uma penalização que atualmente tira 15,2% às pensões dos utentes que tenham decidido reforma-se antes da idade legal.
O Bloco de Esquerda quer acabar definitivamente com este fator de sustentabilidade, corte que até “tem vindo a ser eliminado para determinados grupos de pensionistas”, como as longas carreiras contributivas, os regimes de desgaste rápido e os requerentes de pensão com 60 anos de idade e, pelo menos, 40 de descontos. Simultaneamente, os bloquistas exigem a criação, no primeiro trimestre de 2020, de um complemento para compensar os pensionistas a quem foi aplicada esta penalização, estando em causa situações às quais não seria aplicado esse corte à luz das regras atuais.
“Por uma questão de equidade, pretende-se que os trabalhadores que mantêm esse corte por terem sido vítimas das alterações feitas à lei em 2013 (aplicáveis desde o início de 2014), mas que à luz das novas regras não o teriam, passem a ser compensados”, justificam o BE.
Neste capítulo, o PCP começa também por pedir que sejam eliminados os cortes nas pensões para os trabalhadores que já acederam à reforma e cujas situações, à luz das regras atuais, não estariam sujeitas a penalizações. “O PCP ressalva a urgência de se corrigirem injustiças que persistem para quem se reformou, no passado, sofrendo profundíssimas penalizações”.
Ainda no que diz respeito ao fator de sustentabilidade, o PCP quer ver este corte eliminado das pensões por desemprego involuntário de longa duração, bem como das pensões para profissões por desgaste rápido e dos regimes especiais de antecipação da reforma.
PCP e BE defendem fim das taxas moderadoras
Considerando que “as taxas moderadoras constituem um enorme obstáculo no acesso aos cuidados de saúde“, o PCP defende a eliminação destes custos exigidos aos utentes, admitindo o faseamento rumo à sua eliminação. “Neste sentido propõe-se a eliminação das taxas moderadoras em dois anos, até ao final de 2021”, detalham os comunistas.
Já o Bloco de Esquerda sublinha que, na Lei de Bases da Saúde aprovada na legislatura passada, aprovou-se que “com o objetivo de promover a correta orientação dos utentes, deve ser dispensada a cobrança de taxas moderadoras nos cuidados de saúde primários e, se a origem da referenciação for o SNS, nas demais prestações de saúde, nos termos a definir por lei”. E acrescenta que a medida deve ser concretizada “no primeiro Orçamento subsequente à aprovação da nova Lei de Bases da Saúde”, ou seja, em 2020.
Na semana passada, Catarina Martins adiantou aos jornalistas que já fechou com o Governo a “eliminação de todas as taxas moderadoras nos cuidados primários de saúde”, ao longo do ano. No caso das taxas moderadoras aplicadas às consultas em cuidados primários, a eliminação terá efeito assim que o Orçamento do Estado entrar em vigor, disse.
Já no caso das taxas exigidas nos meios complementares de diagnóstico e terapêutica que forem prescritos no âmbito dos cuidados primários, a eliminação será feita em duas fases: em setembro, para os serviços realizados no seio do SNS; no final do ano, para os serviços convencionados a entidades externas.
Vem aí Laboratório do Medicamento?
“Em 2020, é criado o Laboratório Nacional do Medicamento”. A proposta é do PCP e pretende assegurar a “independência e soberania” do Estado no setor do medicamento.
“A aposta na criação do Laboratório Nacional do Medicamento insere-se numa opção política que aposte na produção nacional no setor do medicamento, garantindo a produção estratégica de medicamentos essenciais, suprindo as necessidades não cobertas pela indústria farmacêutica e permitindo ainda um incremento do desenvolvimento económico e da criação de riqueza”, justifica a bancada de Jerónimo de Sousa, referindo que este novo laboratório sucederia ao Laboratório Militar.
“O PCP entende que o país tem a necessidade de criar uma instituição para a produção de medicamentos, para responder às necessidades dos doentes; e que temos condições e conhecimento para o concretizar, pelo que propomos que o Laboratório Militar esteja na génese da criação do Laboratório Nacional do Medicamento”, reforçam, nesse sentido, os comunistas.
O Bloco de Esquerda também nota que é preciso resolver esta questão, que é espelhada, muitas vezes, na escassez de medicamentos “não porque eles deixaram de ser eficazes, mas sim porque eles deixaram de ter interesse comercial para a indústria”. “Há, por isso, inúmeros medicamentos que são eficazes e necessários, mas que são de acesso muito difícil”, enfatizam os bloquistas.
“O Estado não pode ficar refém da indústria e, para além disso, tem a obrigação constitucional de garantir o direito e o acesso à Saúde a todas as pessoas. Isso implica garantir o acesso a terapêuticas e tratamentos que são necessários, não podendo o acesso ser coartado por interesses privados da indústria”, é salientado na proposta do BE.
Em vez da criação de um Laboratório Nacional do Medicamento, o Bloco de Esquerda defende o reforço da aposta no Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos. “Para fomentar uma maior produção e uma maior articulação com a Saúde e políticas de saúde definidas nacionalmente, o Laboratório necessita de investimento para melhorar as linhas de produção de formas farmacêuticas de comprimidos, cápsulas e semissólidos e para implementar uma linha produtiva de injetáveis que cumpra com as exigências legais. Mas, para além deste investimento, o relatório sublinha várias vezes a necessidade de um novo estatuto legal para o atual Laboratório Militar”.
Eliminação das portagens nas ex-SCUT
O PCP defende que, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2020, devem ser apresentadas as medidas necessárias com vista à “eliminação progressiva das portagens nas autoestradas no anterior modelo SCUT“.
” A eliminação das portagens nas ex-SCUT é uma medida que contribui para combater as assimetrias regionais, para o crescimento económico e mobilidade das populações“, justificam os comunistas.
Já o Bloco de Esquerda é mais cirúrgico nas suas propostas. Pede especificamente o fim das portagens exigidas na A22/Via do Infante. “As portagens na Via do Infante só acrescentaram mais dificuldades e mais tragédias numa região que continua a debater-se com muitas desigualdades e assimetrias. Sendo uma região que vive fundamentalmente do turismo, o Algarve perdeu competitividade económica e social em relação à vizinha Andaluzia”, explicam os bloquistas.
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