Governo pede à EDP para transformar carvão de Sines em hidrogénio. Mexia diz que a “central, em si, não”
A EDP está “particularmente interessada” na produção de hidrogénio em território nacional. Contudo, reconverter a central de Sines para hidrogénio, "em si, não", diz António Mexia.
O Governo quer que a central de Sines faça parte do novo projeto de transição energética “Flamingo Verde” e pediu à EDP para trocar o carvão que ainda é queimado na central termoelétrica pelo hidrogénio verde, a nova coqueluche do Governo socialista em matéria de combustíveis descarbonizados e gases renováveis.
O pedido foi avançado ao Capital Verde pelo secretário de Estado da Energia, João Galamba, e confirmado pelo responsável pela tutela, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes.
No entanto, António Mexia descarta para já uma possível reconversão da histórica central a carvão para trabalhar a hidrogénio: “A central, em si, não. A central a carvão tem uma escala e uma configuração muito diferente do que é o projeto de hidrogénio, que inclui centrais de eletrólise mais pequenas”, disse o CEO da EDP em declarações ao Capital Verde, do ECO.
Já Matos Fernandes explicou que o consórcio industrial de larga escala para produzir hidrogénio em Sines “inclui um grande consumidor, a refinaria [da Galp], um grande produtor, a EDP, e um porto muito vocacionado para o transporte e exportação destes produtos”. “O papel exato e concreto que as paredes daquela central a carvão vão desempenhar no futuro está a ser discutido no contexto do projeto que estamos a montar e sobre o qual haverá novidades em abril”, disse o ministro, remetendo mais pormenores para o proprietário. “O Estado é o dono dos terrenos, mas não é o dono da central”, referiu Matos Fernandes.
EDP a bordo do projeto luso-holandês para produzir hidrogénio em Sines
António Mexia confirmou que a EDP está “particularmente interessada” na produção de hidrogénio em território nacional, mas deixou em aberto o futuro da termoelétrica. “Estamos disponíveis para o projeto. Aliás, há várias empresas portugueses interessadas, como a Galp que está ali ao lado. Este trabalho conjunto pode ser feito. Qual a sua configuração? Temos de ver. Porque na eletrólise estamos a falar de centrais na ordem das dezenas de megawatts e Sines tem mais de 1.000 MW”, disse o CEO, garantindo que a empresa está a “aproveitar os ativos que tem em várias geografias para fazer parte de uma nova fase”.
Como por exemplo em Espanha, “onde é possível reconverter uma central a carvão, no contexto da economia circular, para usar gás siderúrgico e evitar que este vá para a atmosfera. Em Sines, tem mais a ver com uma área que está disponível. É um bom sítio porque tem tudo, pontos de ligação, infraestruturas e pessoas”, sublinhou Mexia.
Logo no momento de tomada de posse para o segundo mandato, o primeiro-ministro António Costa deixou claro que se quer ver livre do carvão e encerrar Sines em 2023, mas a EDP não descarta antecipar a data. “O Governo decidiu que a central de Sines fechará, no máximo, em 2023. O que eu digo é: o que está neste momento a provocar a evolução desta central são as margens. Assim que as margens estiverem negativas, iremos solicitar o seu encerramento”, rematou o CEO da elétrica.
Sobre uma eventual compensação financeira à empresa pelo fecho antecipado da central a carvão, que o Governo já garantiu que não pagará, Mexia afirmou que “o setor da energia não pode ser o único negócio do mundo onde as pessoas são obrigadas a operar e a perder dinheiro”. O CEO da EDP garantiu que a empresa vai respeitar as decisões do Governo em relação ao carvão, mas lembrou que as mesmas “têm custos”. E o mesmo se aplica à reconversão da central de Sines.
Da parte do Governo, foi o próprio João Galamba que revelou ao Capital Verde, do ECO, o repto lançado à elétrica: “Não sabemos se é possível, se é viável, mas estamos a estudar essa hipótese e desafiámos a EDP para nos apresentar um projeto de reaproveitamento da central de Sines para novas fontes de energia. A ideia é incluir a termoelétrica de Sines no projeto de hidrogénio já anunciado, ficando como uma central de recurso para quando for necessário equilibrar o sistema, quando não houver sol ou vento, nem possibilidade de recorrer às barragens. Queremos ter ali um backup a hidrogénio”.
Para já, o responsável pela tutela da Energia prefere “não falar ainda do nome das empresas interessadas” no projeto Flamingo Verde, como foi batizada a nova “fábrica de hidrogénio” que vai nascer em Sines com base num consórcio industrial de grande escala em parceria com o Governo dos Países Baixos. “As empresas podem pronunciar-se, mas até que o projeto seja apresentado formalmente, em março/abril, não vamos avançar com o nome dos interessados”, diz o secretário de Estado.
Países Baixos confirmam: “Estamos a trabalhar arduamente no projeto”
De acordo com a apresentação do projeto Flamingo Verde, feita recentemente em Bruxelas pelo promotor Marc Rechter (um holandês a viver há vários anos em Portugal), do Resilient Group, a lista das empresas envolvidas conta com a gigante dinamarquesa Vestas, uma das maiores produtoras mundiais de turbinas de energia eólica, as holandesas Vopak e Anthony Veder, além do banco ABNAMRO, a espanhola H2B2 e as portuguesas EDP e Galp. Contactada, a petrolífera portuguesa não se pronunciou sobre o eventual interesse no hidrogénio de Sines.
Questionado sobre se o projeto Flamingo Verde poderá incorporar mais empresas e também mais países europeus, além de Portugal e dos Países Baixos, Marc Rechter garantiu ao Capital Verde que já tem “uma situação atual favorável e forte”. “Temos de dar os próximos passos e a avançar com velocidade. Será sempre necessário criar um mercado europeu para o hidrogénio e nos próximos dez anos não faltarão oportunidades para empresas e governos”.
Depois de, no final do ano passado, ter reconhecido que o projeto para a criação de um consórcio industrial de larga escala para produzir hidrogénio verde em Portugal estava numa fase embrionária e que era “ainda muito cedo” para falar em detalhes acerca do projeto, o enviado especial do Governo dos Países Baixos para o hidrogénio, Noé van Hulst, mudou agora de discurso.
Ao Capital Verde, do ECO, o responsável holandês do Ministério da Economia e Política Climática começou por dizer que “nesta fase não há ainda grandes novidades a anunciar” mas garantiu: “Estamos a trabalhar arduamente no projeto”.
Central de Sines pode, afinal, ser reciclada?
Já antes Galamba tinha mostrado vontade de “reciclar” as centrais a carvão do Pego e de Sines: “Se queimam coisas, podem queimar outras”, disse o secretário de Estado na última conferência da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN). Agora, em entrevista ao Capital Verde, reforçou a ideia: “É do interesse de todos, do país, do Governo, dos trabalhadores, das empresas, que não se desmantelem as centrais. Ambientalmente é melhor. Podemos aproveitar essas centrais, os investimentos já feitos, os equipamentos que já existem e, se for possível, adaptar essas centrais a outras fontes de energia. O Governo está interessado nessa possibilidade e lançámos o desafio às empresas”.
Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN, concorda que faz todo o sentido a produção de hidrogénio em Sines, mas sublinha que é necessário estudar “como será a passagem à prática”. “Em teoria é uma boa ideia. É cedo para concluir que este projeto vá custar caro e demorar muito tempo. Não há dados de mercado para que possa ser comparado. Não sabemos como vai ser curva de redução dos custos. Se olharmos para o solar há dez anos, custava dez vezes mais. É expectável que, à medida que o desenvolvimento tecnológico avance, se reduzam os custos de geração, tal como no eólico e solar”.
Face à reconversão de Sines, do carvão para hidrogénio, o porta-voz das empresas produtoras de energia renovável explica que “uma central a carvão tem duas partes: a caldeira a combustíveis fósseis e a turbina de vapor. Se substituir o carvão por uma fonte renovável, posso sempre continuar a produzir eletricidade a partir de vapor”. Ainda sim, sublinha, “a reconversão depende sempre da viabilidade económica e neste momento faz mais sentido converter Sines em solar e eólico e adaptar os trabalhadores à nova realidade”.
Pedro Amaral Jorge remata com um alerta: “Não sei se temos condições para dizer que vamos fechar Sines a partir de 2021 ou 2023, porque não há condições para ter o polo de hidrogénio todo montado nessa altura. Terá de ser por fases”. No entanto, garante, assim que entrem em funcionamento as novas centrais hídricas no Tâmega, da Iberdrola, Portugal pode dar-se ao luxo de eliminar o carvão e garantir a segurança energética. “Até porque o carvão vai esgotar-se por si só porque tem de pagar licenças de emissão de CO2 e 50% do ISP na geração de eletricidade. Não tem viabilidade”.
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