Centeno tem de cumprir um “período de nojo” antes de ir para o Banco de Portugal? Existem dois precedentes
O ministro das Finanças não vê conflitos em ir para o Banco de Portugal. E indicou dois exemplos: o "colega eslovaco" que foi para banco central do país e o espanhol de Guindos que foi para o BCE.
O último dia de Peter Kažimír como ministro das Finanças da Eslováquia foi a 11 de abril de 2019. Até ter tomado posse como governador do banco central do país, no dia 1 de junho desse ano, passaram 52 dias. Aproximadamente, um mês e três semanas.
Kažimír foi o “colega eslovaco” no Eurogrupo que Mário Centeno deu como exemplo quando foi questionado em dezembro passado pelo jornal Expresso (acesso pago) sobre se veria alguma incompatibilidade política ou conflito de interesses no facto de um ex-ministro das Finanças ser governador do banco central. “Isso está escrito em algum sítio do Tratado?”, questionou o ainda ministro das Finanças português em entrevista. “Não vejo nenhum conflito de interesses”, reforçou.
O outro exemplo dado por Mário Centeno na mesma entrevista foi o do espanhol Luis de Guindos. De Guindos foi ministro da Economia, Indústria e Competitividade de Espanha até ao dia 23 de fevereiro de 2018. Pouco tempo depois, a 1 de junho, estava a sentar-se na cadeira de vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), desocupada na véspera pelo português Vítor Constâncio. No caso do espanhol, o “período de nojo” durou 98 dias, cerca de três meses.
Mário Centeno tem feito tabu do tema: quer ser governador do Banco de Portugal? Ainda não respondeu diretamente se está interessado, mas deixou vários sinais — o facto de afastar incompatibilidades com o cargo que desempenha atualmente é um deles. Outro sinal: o comentador da SIC e ex-político Marques Mendes revelou no passado domingo que Centeno já se despediu dos seus colegas do Eurogrupo, numa reunião informal dos ministros das Finanças da Zona Euro, tendo indicado aos seus pares que não estará disponível para novo mandato como presidente.
A posição de governador do Banco de Portugal ficará disponível a partir do próximo dia 9 de julho. O (segundo) mandato de Carlos Costa no supervisor, que lidera desde junho de 2010, iniciou-se no dia 10 de julho de 2015 e terminará em cerca de quatro meses.
A julgar pelos exemplos de Kažimír e de Guindo, Mário Centeno ainda vai a tempo de tomar uma decisão, embora a lei não preveja um limite temporal entre o fim de funções no Governo e o início de funções no Banco de Portugal. Mas pode-se colocar a questão sobre se deverá haver um período de nojo, sobretudo quando o Ministério das Finanças está a promover uma revisão da supervisão financeira que vai mexer com os poderes dos reguladores. Sentir-se-ia bem ao ser governador nesta circunstância? “Não estamos num cadeirão de psicanálise”, disse Centeno ao Expresso, fugindo ao assunto.
Código de conduta permite
O governador do Banco de Portugal é nomeado por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do ministro das Finanças, de acordo com a lei orgânica do supervisor da banca. Ou seja, caberá ao sucessor de Mário Centeno no Governo — se este deixar o cargo de ministro — a responsabilidade de indicar o próximo governador.
A mesma lei orgânica do Banco de Portugal nada diz a respeito do “período de nojo”. Apenas refere que o governador, como os restantes membros do conselho de administração, têm cumprir requisitos para serem nomeados: comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária.
Mário Centeno é economista de formação, doutorado em Economia em Harvard. Além de ministro das Finanças, também preside ao Eurogrupo. Foi diretor-adjunto do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal entre 2004-2013.
Por outro lado, o código de conduta para titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, que é também aplicado aos membros do Governo, prevê alguns impedimentos após a cessação de funções. Por exemplo, não podem exercer, pelo período de três anos contado a partir da data da cessação do respetivo mandato, “funções em empresas privadas que prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado” ou “funções de trabalho subordinado ou consultadoria em organizações internacionais com quem tenham estabelecido relações institucionais em representação da República Portuguesa”. Sobre o exercício de funções no Banco de Portugal (ou outro regulador setorial), nada diz.
“Nem Sócrates foi tão longe”
No Parlamento, que terá de promover uma audição ao futuro governador antes da aprovação pelo Governo, começam a surgir as primeiras vozes contra uma possível transferência do Terreiro do Paço para a Rua do Comércio, sobretudo do lado da oposição ao Governo.
“A possível nomeação de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisores e reguladores independentes em Portugal”, referiu o deputado João Almeida, do CDS, citado pelo jornal i (acesso livre). “Será possível acreditar nessa independência depois de uma passagem direta do Governo para o mais importante de todos os supervisores?”
"Apesar dos fretes consecutivos de Vítor Constâncio, nem Sócrates foi tão longe ao ponto de enviar Teixeira dos Santos para liderar o principal regulador do setor financeiro.”
Para Duarte Marques, essa possível transferência “cheira a esturro”. “Se vier a concretizar, pode confirmar uma estratégia de ocultação da realidade e uma manipulação sem precedentes das expectativas dos portugueses. Apesar dos fretes consecutivos de Vítor Constâncio, nem Sócrates foi tão longe ao ponto de enviar Teixeira dos Santos para liderar o principal regulador do setor financeiro”, escreveu o deputado do PSD num artigo de opinião publicado esta terça-feira no Expresso (acesso livre).
Rui Rio declarou que “não veta à partida” o nome do Centeno. Mas acrescentou que “pode haver melhores candidatos” para o ser o próximo governador.
Esta quarta-feira, o PAN veio defender que, para a nomeação do governador, passasse a ser necessário um parecer vinculativo aprovado por maioria qualificada no Parlamento. Além disso, o partido defende que deve existir “um período de nojo que impeça a ocupação do cargo de governador do Banco de Portugal por pessoas que nos últimos anos tenham desempenhado funções no setor bancário ou certos cargos políticos”.
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