Um acordo europeu com muitos milhares de milhões de euros. Perceba os detalhes
Após uma maratona de cinco dias, os líderes europeus chegaram a um acordo sobre o pacote financeiro dos próximos anos que ajudará os países a saírem da crise pandémica. Eis os pormenores.
Ainda falta a luz verde do Parlamento Europeu, mas a parte mais difícil deverá estar encerrada: o Conselho Europeu chegou a acordo esta madrugada para o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e o Fundo de Recuperação europeu, apelidado Próxima Geração UE. No total, serão 1.824,3 mil milhões de euros: 1.074,3 mil milhões para o habitual QFP durante sete anos e 750 mil milhões, divididos por 390 mil milhões em subvenções a fundo perdido e 360 mil milhões em empréstimos, para responder à crise pandémica que terão de ser gastos até 2026.
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Dada a complexidade do processo negocial e da arquitetura europeia, há muitos pormenores dentro deste grande acordo que, para muitos, é “histórico” por permitir que a Comissão Europeia, em nome da União Europeia, se endivide em 750 mil milhões de euros junto dos mercados financeiros para fazer transferências diretas para os Estados-membros e emprestar-lhes dinheiro para fazer face à crise pandémica. O ECO responde a algumas das questões, com base na informação disponível neste momento.
Quanto é que Portugal vai receber?
Dos 390 mil milhões de euros em subvenções, Portugal vai receber aproximadamente 15,3 mil milhões de euros (15.266 milhões, especificou António Costa) que se dividem em quatro instrumentos: 12,9 mil milhões de euros para o Instrumento de Recuperação e Resiliência — que irá financiar os planos de recuperação de cada país, 1,8 mil milhões de euros através do REACT EU, 116 milhões de euros através de um reforço para o Fundo de Transição Justa e 329 milhões de euros através de um reforço para o desenvolvimento rural (dentro da Política Agrícola Comum, PAC).
A este dinheiro “novo”, os 15,3 mil milhões de euros, acrescem os 29,8 mil milhões de euros do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027, o chamado orçamento europeu que é executado dentro de um período de sete anos, maioritariamente para a política de coesão — onde se incluem os novos 300 milhões de euros para o Algarve. Além disso, Portugal tem ainda 12,8 mil milhões de euros do QFP anterior para investir até 2023 (a partir desse ano os fundos são anulados).
Ao abrigo do fundo de recuperação, o Governo português poderá ainda pedir emprestado à Comissão Europeia 10,8 mil milhões de euros. Juntando estas três componentes (QFP anterior, novo QFP e Próxima Geração UE, somando subvenções e empréstimos) –, Portugal terá à sua disposição 57,9 mil milhões de euros, cerca de 6,4 mil milhões de euros por ano — o que compara com os atuais 2 a 3 mil milhões de euros por ano –, entre 2020 e 2030. Recorde-se que Portugal poderá ainda recorrer aos apoios acordados pelo Eurogrupo em junho.
Qual o calendário?
Contudo, há um calendário que terá de ser respeitado. No caso do fundo de recuperação, os valores terão de ficar “comprometidos” até ao final de 2023, uma vez que é preciso rapidez para responder à crise pandémica, e os pagamentos (execução) terão de ser concluídos até 2026, no máximo. Para já, estarão automaticamente disponíveis 9,6 mil milhões de euros. Ficam a faltar 5,7 mil milhões de euros que dependem da evolução da economia.
É o caso de 30% das subvenções do Instrumento de Recuperação e Resiliência (3,9 mil milhões de euros), que terá de ser confirmado consoante a variação do PIB em 2020 e 2021, e do montante destinado para o REACT EU (1,8 mil milhões de euros), o qual terá de ser confirmado no outono deste ano e do próximo ano, consoante a evolução do PIB, do desemprego total e em específico do desemprego jovem.
Dada a necessidade de rapidez neste processo, haverá um pré-financiamento do Instrumento de Recuperação e Resiliência, cerca de 10% do valor total, já no próximo ano e deverá ser permitida retroatividade aos Estados-membros, ou seja, alocarem despesas que já fizeram desde que a pandemia atingiu a Europa em fevereiro ou março deste ano. Além disso, a Comissão Europeia deverá apresentar propostas sobre como acelerar e facilitar os procedimentos dos projetos de investimentos nos Estados-membros, tendo em vista a sua rápida implementação.
Afinal, quais são as condições? E quem decide onde se investe?
Desde logo, os Governos nacionais terão de apresentar um plano de recuperação à Comissão Europeia onde dizem o que vão fazer com o dinheiro que receberão. O braço executivo da UE terá de avaliar esse plano dentro de dois meses, no máximo, após o ter recebido e essa avaliação terá de ser aprovada pelo Conselho Europeu, através de uma maioria qualificada (e não unanimidade).
Além disso, os chefes de Estado concordaram numa espécie de “travão de emergência” que pode ser acionado por um ou mais Estados-membros. De acordo com o texto aprovado pelos líderes europeus, se, “excecionalmente”, algum país achar que existe “desvios sérios” do cumprimento das metas instituídas no plano de recuperação de outro país, pode ser pedido ao presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, uma discussão política sobre o tema. Tal poderá levar a que durante no máximo três meses os pagamentos sejam suspensos, o que poderá levar a atrasos (e já se sabe que o calendário é apertado e que os fundos perdem-se se não forem contratados até 2023 e executados até 2026).
Contudo, António Costa assegurou que este mecanismo não permitirá haver um veto (pelo menos duradouro) de um país às transferências, mas garante que não há “cheques em branco” aos países.
O plano deve estar em conformidade com os objetivos da União Europeia: a transição climática, digital e a reindustrialização europeia. Em concreto, os Estados-membros (e a Comissão Europeia) comprometem-se a dedicar 30% das verbas totais deste pacote financeiro em políticas que contribuam para a transição energética e para o combate às alterações climáticas.
O que ficou de fora?
Face à proposta da Comissão Europeia e do eixo franco-alemã de 500 mil milhões em subvenções a fundo perdido, houve uma redução em 110 mil milhões de euros com o acordo alcançado no Conselho Europeu. Segundo António Costa, Portugal registou uma perda líquida de 220 milhões de euros face à proposta anterior. Neste momento, ainda não é possível perceber por Estado-membro quem ganha ou perde mais.
No entanto, dentro do bolo total, entre os programas europeus, já é possível ver os sacrificados, confirmando-se praticamente todos os valores da última proposta de Charles Michel: Fundo de Transição Justa, cujo objetivo é ajudar certas regiões europeias a fazerem a transição climática, passa de 30 mil milhões na proposta da Comissão para 10 mil milhões. O Horizon Europe passa de 13,4 mil milhões para 5 mil milhões, o InvestEU de 15,3 mil milhões para 5,6 mil milhões (acima dos 2,1 mil milhões da última proposta de Michel) e há reforços em instrumentos (que são financiados pelo QFP, mas iam ter uma verba extra do Próxima Geração UE) que desaparecem.
É aqui que entram as queixas da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, que elogiou o acordo, apesar de ter apelidado de “lamentável” o que ficou pelo caminho, maioritariamente “gavetas” da ação de Bruxelas. É o caso da nova iniciativa da Comissão para a saúde, no valor de 5 mil milhões, que desapareceu, assim como o instrumento para a solvência no valor de 26 mil milhões. Há ainda uma redução dos valores para áreas como a migração e a ação externa da UE.
Qual o próximo passo?
O Parlamento Europeu — que tem poder de veto — terá ainda de dar a “luz verde” a este acordo do Conselho Europeu, órgão onde reúnem-se os primeiros-ministros e chefes de Estado dos Estados-membros. Os eurodeputados eram bem mais ambiciosos nas suas intenções para o Fundo de Recuperação europeu e para o QFP 2021-2027, não sendo certo que haja uma aprovação imediata sem mais negociação, ainda que a emergência da situação deva pesar na decisão. Esta quinta-feira o plenário irá discutir o tema, seguindo-se uma reunião entre os grupos parlamentares e o presidente David Sassoli, o qual já disse que “não desiste” de incluir mais ambição neste pacote.
Além disso, alguns parlamentos nacionais terão de aprovar as garantias que os Estados-membros darão para o orçamento europeu para que a Comissão Europeia possa ir aos mercados financeiros financiar-se em 750 mil milhões de euros.
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