Prova dos 9: Este Orçamento “não aumenta impostos”, como diz Leão?
O ministro das Finanças diz que a proposta do Orçamento do Estado para 2021 entregue esta semana no Parlamento não tem aumentos de impostos. É verdade? O ECO fez a Prova dos 9.
O relatório do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) assegura aos portugueses que não há um aumento dos impostos. Na apresentação do documento, o ministro das Finanças, João Leão, assegurou que este é um “orçamento sem austeridade, que não acrescenta crise à crise”, o que diz contrastar com a reação à crise anterior. Mais: o Governo argumenta que este é um orçamento que baixa impostos.
“Os impostos não vão ser aumentados, permanecendo todas as taxas de imposto inalteradas e não havendo qualquer atualização dos impostos indiretos“, garante o Governo às empresas e aos portugueses. É mesmo assim? O ECO fez a Prova dos 9 com base na proposta do OE 2021 entregue pelo Ministério das Finanças à Assembleia da República esta segunda-feira.
A afirmação
“Este é um orçamento responsável e progressista, não recua em nenhuma das fundamentais conquistas de direitos dos últimos cinco anos e apresenta respostas concretas às pessoas e aos setores económicos mais afetados pela crise. É um orçamento que não aumenta impostos”.
Relatório do Orçamento do Estado para 2021 (página 18)
Os factos
Para responder a questão sobre se o OE 2021 desce, mantém ou sobe impostos é preciso analisar a área fiscal da proposta de lei do OE 2021. Entre as mexidas que significam aumento de impostos, o ECO identificou o caso da incidência do IMT (imposto sobre as transações de imóveis) na transação de partes do capital de sociedades anónimas que detenham imóveis.
“As operações que envolvam a aquisição de partes de capital em sociedades anónimas, cujo ativo seja composto maioritariamente por bens imóveis que não estejam afetos a uma atividade de natureza agrícola, industrial ou comercial, excluindo a compra e venda de imóveis, passarem, em determinadas circunstâncias, a despoletar a incidência de IMT, em moldes algo idênticos ao que já sucede hoje em dia na aquisição de partes de capital em sociedades por quotas”, explica a EY, no seu estudo detalhado sobre o OE 2021.
Esta medida é “quase histórica”, assinala o fiscalista João Espanha ao ECO, argumentando que “faz sentido” esta equiparação entre as sociedades por quotas e as sociedades anónimas. “Apesar de não haver um aumento de impostos, há um aumento da carga fiscal” neste caso específico, explica, uma vez que há um alargamento da incidência do imposto (IMT).
Há ainda uma nova forma de cálculo do montante mínimo do imposto sobre os cigarros que, em princípio, poderá levar a um aumento da receita fiscal, ainda que não seja garantido.
E é de notar a proibição de despedimentos para as grandes empresas (com lucros em 2020) que acedem a incentivos fiscais ao investimento produtivo, do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI) e do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), recorda ao ECO Luís Leon, partner da Deloitte, assinalando que tal poderá agravar a fatura fiscal destas empresas. Para Leon, o Governo tem de mudar o texto da lei para precaver situações de reformas ou de trabalhadores que são transferidos para o estrangeiro (dentro da mesma empresa).
Apesar destes exemplos, para João Espanha “não se pode dizer que haja aumento de impostos” neste Orçamento do Estado para 2021, o qual diz ser “uma mão cheia de nada” do ponto de vista tributário. “Se há coisa que se pode dizer deste OE é a falta de utilização do instrumento fiscal no auxílio e estímulo às empresas”, diz o fiscalista, duvidando da utilidade de medidas como o IVAucher ou o prolongamento do crédito fiscal ao investimento. Luis Leon concorda: “Não há nem aumento nem baixa de impostos. Basicamente não muda nada“, resume.
Para fazer esta avaliação é importante também olhar para o outro lado. No OE 2021, há várias medidas de alívio fiscal, apesar de alcance potencialmente reduzido. A proposta do Orçamento do Estado para 2021 prevê uma redução do IVA da eletricidade para consumos baixos, cuja autorização legislativa já vem do OE 2020, e devolve IVA aos consumidores nos gastos de restauração, alojamento e cultura. Estas duas medidas representam para os portugueses uma poupança estimada em 350 milhões de euros, de acordo com as contas do Governo. No IVA, há ainda a aplicação da taxa reduzida ao gel desinfetante e às máscaras.
O Executivo usa também a descida das taxas de retenção na fonte de IRS como um argumento para dizer que há descida dos impostos, mas este “ganho” é apenas de liquidez. Esta medida, avaliada em 200 milhões de euros, não se trata de um desagravamento real uma vez que, como os escalões do IRS continuam iguais, o contribuinte terá um reembolso mais pequeno ou pagará mais no acerto do IRS que será feito em 2022. Ou seja, em termos líquidos, não há nenhum ganho. No IRS, haverá ainda uma potencial redução através da nova dedução à coleta relativo ao IVA pago nas mensalidades dos ginásios, correspondente a 15% do IVA pago até ao limite de 250 euros.
No que toca às empresas, o Governo decidiu aliviar as pequenas e médias empresas do agravamento da tributação autónoma, em 10 pontos percentuais, que se aplica às empresas que registem prejuízos fiscais, tanto em 2020 como em 2021. O agravamento mantém-se para as grandes empresas, mas este já acontecia anteriormente ao OE 2021. Há ainda o prolongamento do crédito fiscal extraordinário ao investimento no primeiro semestre de 2021, a criação de um incentivo fiscal às ações de internacionalização por parte da PMEs, a majoração do mecenato cultural e a eliminação do imposto sobre as mais-valias na transferência de um imóvel entre o alojamento local (ou outra atividade comercial) e a esfera pessoal. Neste último caso, Luis Leon alerta que o resultado desta alteração “tendencialmente até pode ser melhor, mas até pode não ser”, existindo casos em que poderá existir agravamento fiscal.
Por fim, é de notar que a carga fiscal, um indicador polémico que tantas vezes foi alvo de críticas nos últimos anos, vai baixar em 2020 para um mínimo de oito anos, de acordo com os cálculos do ECO com base nas estimativas de receita fiscal e contributiva e do PIB nominal do Ministério das Finanças. E em 2021 vai manter-se nesse nível.
A Prova dos 9
Tendo uma visão global, os fiscalistas concordam que não há um aumento de impostos no Orçamento do Estado para 2021, como diz o relatório do OE entregue pelo Ministério das Finanças na Assembleia da República. Contudo, é possível identificar mudanças cirúrgicas que podem levar a um aumento dos impostos: é o caso do alargamento da incidência do IMT para as sociedades anónimas, o novo cálculo do imposto sobre o tabaco e o fim (e devolução) dos benefícios fiscais para as empresas (com lucros) que despeçam. Por outro lado, há várias medidas que levam ao desagravamento de impostos como o IVAucher e a descida do IVA na eletricidade para consumos baixos, pelo menos na ordem dos 350 milhões de euros, de acordo com as contas do Governo. Além disso, os números indicam que a carga fiscal vai diminuir em 2020 e manter-se no mesmo nível em 2021.
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