Injeção no Novo Banco sem Orçamento retificativo levanta dúvidas
O Governo garante que consegue fazer a injeção no Novo Banco sem recurso a um Orçamento retificativo em 2021. Contudo, os especialistas em finanças públicas consultados pelo ECO duvidam dessa opção.
Perante a aprovação no OE 2021 da proposta do Bloco de Esquerda que tirava do Fundo de Resolução as verbas necessárias para injetar no Novo Banco, o Governo apressou-se a dramatizar o assunto, criticando a “irresponsabilidade” dos partidos e garantindo que a norma é “inconstitucional”. Além disso, o Executivo assegurou que o contrato seria cumprido e tanto António Costa como João Leão dizem que não será “necessariamente” através de um Orçamento retificativo, uma opção pretendida pelo PSD, que se comprometeu a viabilizá-lo. Contudo, os especialistas em finanças públicas consultados pelo ECO duvidam da viabilidade dessa hipótese.
A garantia tem sido dada pelo Governo nas declarações que se seguiram à aprovação do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021). Em entrevista ao Observador na terça-feira, António Costa disse que há “n formas de assegurar o contrato” entre o Estado e o Novo Banco e “não necessariamente” através de um retificativo, podendo ser utilizada a dotação provisional que está nas mãos do Ministério das Finanças. A mesma ideia foi repetida esta quinta-feira pelo ministro das Finanças: “Temos vários caminhos”, referiu João Leão, mostrando-se “convicto” de que poderá resolver o assunto sem recorrer “necessariamente a um [Orçamento] retificativo” em 2021.
Os peritos em finanças públicas consultados pelo ECO não estão tão certos de que essa hipótese seja viável. “Tenho sérias reservas sobre a possibilidade de usar a dotação provisional para esse fim“, diz ao ECO Paulo Trigo Pereira, ex-deputado do PS e professor catedrático de economia do ISEG, acrescentando que “a transferência para o Novo Banco exige uma alteração nos mapas orçamentais e esta deve ser feita no quadro de um Orçamento retificativo”.
Trigo Pereira diz estar “convencido de que haverá retificativo em 2021, até por causa da TAP”, pelo que essa é uma “solução mais clara do que usar a dotação provisional”. Além disso, o ex-deputado socialista diz que é preciso aguardar pelos resultados da auditoria do Tribunal de Contas e pelo fecho de contas do Novo Banco relativo a 2020 para perceber se o montante necessário é superior ao estimado no OE 2021 (476,6 milhões de euros), cuja verba foi retirada pela proposta do Bloco.
Um especialista em finanças públicas mais próximo da direita, que preferiu não ser identificado, admitiu ao ECO que é possível haver dinheiro através da dotação provisional para a operação, mas considera que, em termos legais, a transferência não pode ser feita por causa da alteração aprovada pelo Parlamento. “O problema não é a entrada [de dinheiro no Fundo de Resolução], é a saída”, diz, acrescentando que é “quase impossível” escapar a um Orçamento retificativo em 2021 para resolver a questão do Novo Banco.
Outro perito em finanças públicas com uma vasta experiência em Orçamentos do Estado, que também preferiu não ser identificado, diz que só poderá haver certezas sobre este tema quando se conhecer o texto final do OE 2021 que será enviado para Belém para promulgação do Presidente da República. Este especialista também admite que o problema não será o dinheiro, uma vez que o Governo até goza de uma flexibilidade adicional na gestão das verbas dos programas orçamentais por causa da pandemia, mas sim saber se ficou ou não impedida na lei do OE a existência de uma injeção do Fundo de Resolução no Novo Banco.
Em causa está a polémica proposta 397C do Bloco aprovada pelo PCP, PEV, BE, PSD, Chega e Joacine Katar Moreira e a abstenção do PAN e CDS, a qual retira o valor definido pelo Governo para os ativos financeiros do Fundo de Resolução, que é a entidade que injeta o dinheiro no Novo Banco. O Governo argumenta que esta norma quebra o contrato firmado entre o Estado e o Lone Star (acionista do Novo Banco) na venda de 2017 pelo que viola o artigo 105.º da Constituição e a Lei de Enquadramento Orçamental.
E se recorrer ao TC? Retificativo deverá ser preciso também
Tanto o Presidente da República como o Governo parecem estar em sintonia sobre a promulgação do OE 2021 sem o recurso à fiscalização preventiva para que este entre em vigor a 1 de janeiro e, sem atrasos, comece a promover a recuperação da economia. No entanto, o Executivo poderá posteriormente suscitar a fiscalização sucessiva dessa norma ao Tribunal Constitucional. O primeiro-ministro referiu na mesma entrevista ao Observador que a questão pode ir para um tribunal de uma instância inferior e que, se a decisão for favorável ao Governo, este terá de a cumprir independentemente do que estiver no OE 2021.
Contudo, também neste ponto há dúvidas entre os peritos em contas públicas contactados pelo ECO. Paulo Trigo Pereira diz estar “convencido que a norma aprovada da não transferência para o Novo Banco é inconstitucional”. Contudo, o professor do ISEG diz que se o Tribunal Constitucional declarar a norma inconstitucional, aí o “Governo já não está impedido de fazer a transferência, mas deve fazê-la no âmbito de uma autorização legislativa no Parlamento através do Orçamento retificativo”.
Um dos especialistas em finanças públicas com que o ECO falou também é da opinião que a decisão do tribunal em si, apesar de permitir ao Governo fazer a injeção, “não muda o Orçamento” pelo que continuaria a ser necessário fazer um retificativo no próximo ano. O PSD já se comprometeu a viabilizá-lo para que o Estado cumpra o contrato, mas tendo em conta os resultados da auditoria do Tribunal de Contas caso se justifique.
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