Despesa do SNS com a pandemia ultrapassou os 900 milhões de euros
Na altura em que se completam dois anos desde que surgiram os primeiros casos de infeção no país, fazem-se contas para perceber o impacto na saúde.
A despesa paga pelas entidades do Ministério da Saúde com a pandemia de no ano passado ultrapassou os 900 milhões de euros, referem os dados, numa altura em que Portugal completa um ano desde que os dois primeiros casos de infeção apareceram. Dados oficiais indicam que a despesa no Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou 11,3% em janeiro deste ano relativamente ao mesmo período de 2020, mais 93 milhões de euros, totalizando 915,9 milhões.
A maior fatia da despesa foi para gastos com pessoal e material de consumo clínico. Segundo dados do Ministério da Saúde, para conseguir dar resposta à pandemia, o SNS contratualizou até final de janeiro deste ano 745 camas com o setor privado e social e 236 com as Forças Armadas, num total de 981.
No início da pandemia, em março do ano passado, o SNS tinha um total de 1.142 ventiladores para ventilação mecânica invasiva adaptáveis ao tratamento de doentes covid-19 e a capacidade quase duplicou, pois há neste momento 2.2161 ventiladores deste género.
O número de camas para internamento em enfermaria e nas unidades de cuidados intensivos disponíveis é gerido pelas instituições hospitalares, em coordenação com as respetivas administrações regionais de saúde e, por isso, o valor absoluto é variável, por vezes diariamente, em função das necessidades de cada momento.
De acordo com dados fornecidos à Lusa, no que se refere a camas em Unidades de Cuidados Intensivos, antes da pandemia havia 431 camas UCI nível III (janeiro 2020) e, a 10 de fevereiro, Portugal dispunha de uma capacidade possível de 1.411 camas em UCI. Segundo os dados da Direção-Geral da Saúde, em fevereiro atingiu-se o pico de doentes internados tanto em enfermaria (6.869, 01 de fevereiro) como em UCI (904, 05 de fevereiro).
Menos 1,3 milhões de consultas nos hospitais e menos 151 mil cirurgias em 2020
No ano em que a pandemia chegou a Portugal, houve menos 151 mil cirurgias e menos 1,3 milhões de consultas nos hospitais públicos e nos centros de saúde foram as não presenciais que equilibraram a balança. A covid-19 obrigou muitas unidades de saúde a pararem a atividade programada que não fosse urgente, requisitou para a assistência aos doentes infetados com o novo coronavírus pessoal de variados serviços da saúde e condicionou os cuidados de saúde primários, pois os médicos de família também foram chamados a ajudar nos inquéritos epidemiológicos.
Os dados do Portal da Transparência do Ministério da Saúde indicam que os hospitais do SNS fizeram 1.155.479 cirurgias (programadas, urgentes, ambulatório e convencionais) no ano passado, menos 151.476 do que em 2019. Em janeiro deste ano foram realizadas 44.144, uma quebra de 30,6% relativamente ao mês homólogo. Houve, assim, menos 10.996 cirurgias urgentes no ano passado, uma redução de 10,8% relativamente ao ano anterior.
Mas as que mais baixaram em termos percentuais foram as cirurgias de ambulatório, com um total de 320.852 realizadas (menos 77.663, -19,4%). Nas programadas fizeram-se 486.985, o que representa menos 115.775 (-19,2%) do que no ano anterior, e nas cirurgias convencionais (normais com internamento) a quebra foi de 18,6% (-38.112).
Quanto às consultas, no ano passado os hospitais fizeram 11,1 milhões, quando em 2019 tinham realizado 12,4 milhões. Foram menos 584 mil primeiras consultas e menos 726 consultas subsequentes (de seguimento). Comparando o mês de janeiro deste ano com o de 2020, houve uma quebra de 17%. Para tentar contornar a quebra de consultas nos hospitais, as unidades hospitalares passaram a recorrer mais à telemedicina e no ano passado foram feitas 44.534 consultas em telemedicina, mais 14.756 do que em 2019.
No ano em que a pandemia chegou a Portugal, as pessoas recorreram menos às urgências e, no total, foram registados menos 1,9 milhões de episódios. Contudo, foram em maior percentagem os que recorreram às urgências em pior estado e tiveram prioridade máxima (cor vermelha na triagem de Manchester). Segundo o portal, em 2019 os doentes que nas urgências receberam pulseira vermelha representavam 45,5% do total e no ano passado esse valor subiu para 54,9%.
Nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), as consultas presenciais caíram a pique por causa da pandemia, pois houve menos 7,8 milhões. Mas este valor foi compensado por um duplicar de consultas não presenciais, que passaram de 9,1 milhões em 2019 para 18,5 milhões no ano passado.
No que se refere ao mês de janeiro deste ano, foram realizadas mais de um milhão de consultas presenciais nos centros de saúde, valor substancialmente inferior ao registado no mês homólogo (1,9 milhões), e 2,3 milhões de consultas não presenciais, quase três vezes mais do que em janeiro de 2020 (872 mil). A covid-19 também afetou as consultas ao domicílio nos CSP, que em 2020 foram menos 282 mil do que no ano anterior.
Estado deve investir a sério no capital humano, diz Ordem dos Médicos
A Ordem dos Médicos (OM) defende que o Estado deve “investir a sério” no Serviço Nacional de Saúde (SNS) a dois níveis: no capital humano e na capacidade de resposta do SNS a desafios atuais e futuros. O bastonário Miguel Guimarães falava à Lusa a propósito do primeiro ano da epidemia em Portugal (a 2 de março foram diagnosticados os primeiros casos de infeção), e sobre as lições que se podem retirar da pandemia, que já levou a dois confinamentos gerais em Portugal para travar a disseminação do vírus.
Uma das lições é que os políticos de todo o mundo “percebam definitivamente a importância que a saúde tem em termos daquilo que é a capacidade de resposta de um país, seja na área da economia, da justiça, da educação, enfim, em todas as áreas de intervenção social”. Aludindo a Portugal, o bastonário diz que há “a obrigação de investir muito mais no SNS, do que aquilo que tem sido investido, e investir a sério a dois níveis fundamentais”.
Temos que investir muito no capital humano e temos que reforçar claramente a capacidade de resposta do SNS, que já tinha dificuldade em dar resposta a 10 milhões de portugueses.
“Temos que investir muito no capital humano e temos que reforçar claramente a capacidade de resposta do SNS, que já tinha dificuldade em dar resposta a 10 milhões de portugueses” antes da pandemia, em que já eram ultrapassados “em muitos casos” os Tempos Máximos de Resposta Garantidos para primeira consulta hospitalar e para cirurgia.
Para isso, defendeu, o país deve ter “uma boa resposta” às necessidades atuais dos cidadãos e ter “uma reserva de resposta para situações mais agudas e mais impactantes como é o caso da covid-19”.
“Esta é uma tensão mundial muito grande, mas nós temos habitualmente a gripe sazonal em que os serviços de urgência ficam completamente entupidos e sem capacidade de resposta e temos de adiar um conjunto de doentes”, observou, advertindo que, de “hoje para amanhã”, pode aparecer outro tipo de doenças infetocontagiosas que podem causar também grandes problemas.
Por outro lado, apontou, a pandemia mostrou “o espírito de solidariedade e humanismo que existe entre as pessoas, nomeadamente em Portugal”. Deu também o exemplo do apoio dado por outros países a Portugal com o envio de profissionais de saúde para ajudar nos cuidados intensivos, um acontecimento que considerou importante.
“Não porque venham ajudar muito, porque não são um número significativo para dar uma ajuda a sério, mas este espírito de cooperação e de solidariedade entre os países europeus fazem-nos acreditar mais naquilo que são as boas vontades, nos princípios basilares da União Europeia que não podem ser só assentes na economia dos Estados, mas também na defesa da saúde das pessoas, na defesa de princípios essenciais como os vários direitos que estão consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, sustentou.
É fundamental as pessoas terem esta noção que em situações de crise é importante haver uma integração e uma colaboração global do sistema de saúde liderado pelo SNS.
Para Miguel Guimarães, a pandemia também veio mostrar que Portugal tem de ter “um serviço de saúde forte e que pode em circunstâncias especiais ter que colaborar com o setor privado e social”. “É fundamental as pessoas terem esta noção que em situações de crise é importante haver uma integração e uma colaboração global do sistema de saúde liderado pelo SNS”, defendeu. No caso de haver uma nova pandemia, por exemplo, a capacidade de resposta já é mais integrada, evitando que “hospitais entrem em falência técnica”.
Por último, disse, a pandemia também trouxe “desafios para o futuro” em termos de uma “verdadeira transformação digital na área da saúde, que pode ter vantagens enormes em várias áreas distintas”. “Não é substituída a relação médico/doente, mas é complementar a essa relação humana, é conseguir, por exemplo, que doentes crónicos possam ser observados com mais frequência, através da verdadeira telemedicina, com imagem, porque é mais reconfortante, do que estar a fazer um simples telefonema”, ou através de aplicações específicas que podem revelar-se “uma mais-valia”, evitando que os doentes “passem a vida a ir aos hospitais”.
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