“Lei é lei”. Governo vai pedir fiscalização dos diplomas dos apoios sociais
O primeiro-ministro anunciou aos portugueses que vai enviar os diplomas do Parlamento sobre os apoios sociais para o Tribunal Constitucional.
Após a aprovação no Parlamento e a promulgação do Presidente da República, o Governo decidiu enviar os diplomas que ditam a subida dos apoios sociais para o Tribunal Constitucional. O anúncio foi feito esta quarta-feira pelo primeiro-ministro numa comunicação aos portugueses: “Lei é lei”, disse. Os juízes do Palácio Ratton irão fazer a fiscalização sucessiva, a qual não tem prazos para se anunciar uma decisão.
“A incerteza jurídica gera insegurança e mina a confiança dos cidadãos nas instituições. Entendo ser o meu dever solicitar ao Tribunal Constitucional a apreciação das normas aprovadas pelo Parlamento e que as considere inconstitucionais“, afirmou António Costa esta quarta-feira numa comunicação aos portugueses a partir de São Bento, avisando que “é perigoso que se forme um precedente que abra a porta de a prática parlamentar ser de constante desfiguração do Orçamento”.
O primeiro-ministro justificou a decisão não só com o “precedente” que quer evitar, mas também com questões que “subsistem”. Em primeiro lugar, Costa explicou que o Governo tem de cumprir as alterações aprovadas pelos deputados e promulgadas pelo Presidente da República enquanto essa versão da lei estiver em vigor, mesmo que a considere inconstitucional. Só a decisão do Tribunal Constitucional é que tem efeito prático.
Além disso, o chefe de Governo considera que os “cidadãos beneficiários têm o direito de saber com o que podem contar” e que não existe uma “forma justa” de executar as alterações aprovadas dentro dos “limites orçamentais”. “Como iríamos aplicar este limite? Dando apoios a uns e não a outros, até se esgotar o plafond? Ou reduzindo o montante do apoio a todos, violando assim a lei?”, questionou o primeiro-ministro.
Contudo, não é claro que uma eventual decisão do Tribunal Constitucional resolva o problema do Governo, desde logo porque não existem prazos para a fiscalização sucessiva, sendo que tanto pode demorar meses como anos. Dado que estes apoios sociais extraordinários só vigoram durante o período de maior confinamento pelo que a declaração de inconstitucionalidade por parte do Palácio Ratton pode não chegar em tempo útil.
Questionado pelos jornalistas, Costa argumentou que a fiscalização sucessiva continua, no entanto, a ser “útil” uma vez que Portugal poderá entrar em confinamento noutro período, ainda este ano, e nesse caso estes apoios sociais teriam de regressar no modelo aprovado pelo Parlamento e não no modelo original do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021). Nesse caso, o impacto orçamental de 40,4 milhões de euros por mês seria ainda maior porque acumularia mais meses.
Outra questão é se, declarada a inconstitucionalidade, os beneficiários do aumento dos apoios sociais vão ter de devolver o “excesso” que receberam entre o momento atual e o momento da decisão do TC. Na conferência de imprensa desta quarta-feira, o primeiro-ministro disse que é “provável” que os juízes restrinjam os efeitos da sua decisão ao momento a partir da divulgação do acórdão, sem uma ação retroativa que obrigue à devolução de apoios.
O primeiro-ministro notou também que, no caso do apoio à família (para os pais que têm de tomar conta dos filhos com menos de 12 anos), estas mudanças do Parlamento nem se vão aplicar uma vez que o apoio deixará de existir dado que as escolas do segundo ciclo do ensino básico (5.º ano e 6.º ano) voltarão a abrir a partir da próxima segunda-feira.
Despesa com a pandemia já vai nos 4.729 milhões de euros
No início da sua comunicação aos portugueses, António Costa deu ênfase ao que já foi feito até ao momento para combater o impacto económico da pandemia: “A resposta à pandemia tem exigido um enorme esforço financeiro do Estado, isto é, de todos nós contribuintes, numa mobilização solidária da comunidade nacional em favor dos que mais têm sido afetados, bem sabendo que, perante a violência desta crise, tudo é sempre pouco para satisfazer as necessidades de cada um“.
Segundo o primeiro-ministro, as medidas extraordinárias relacionadas com a pandemia levaram a um aumento da despesa de 4.729 milhões de euros até fevereiro deste ano, o que equivale a cerca de 2,5% do PIB. Só nos primeiros três meses deste ano, “os apoios extraordinários pagos pela Segurança Social já representam 45% do valor despendido pela Segurança Social nesse tipo de apoios no conjunto do ano passado”.
“Este aumento da despesa social tem sido assumido, sem aumento de impostos, sem cortes no investimento público, nos salários ou nas pensões“, fez questão de sublinhar, argumentando que “qualquer medida de austeridade seria profundamente errada”. Costa reforçou que “foram melhorados apoios sociais já existentes, como o subsídio de desemprego ou o regime de apoio à família, e criados novos apoios extraordinários para os trabalhadores em situação de desproteção social”.
Quanto à interpretação da lei fundamental, o primeiro-ministro não tem dúvidas. “A nossa Constituição é muito clara na repartição de poderes: o Parlamento é soberano na aprovação do Orçamento e o Governo é totalmente responsável pela sua execução” e, por isso, “uma vez aprovado o Orçamento, a Assembleia não pode, nem aumentar a despesa, nem diminuir a receita, previstas nesse Orçamento“, detalhou António Costa.
Dito isto, a conclusão do Governo é a de que “violam por isso a Constituição as três leis da Assembleia da República que impõem um aumento da despesa fixada no Orçamento“. “Lei é Lei e a Constituição é a Lei Suprema, que é nosso dever cumprir e fazer cumprir, sejam as medidas populares ou impopulares, estejamos ou não em ano eleitoral, seja ou não o Governo maioritário”, disse Costa, assinalando que não está em causa o “mérito” das propostas.
António Costa reconheceu que o Presidente da República “procurou limitar os danos constitucionais destas leis ao propor uma interpretação que esvazia o seu efeito prático, e até reforça os poderes do Governo“. Ainda assim, o Executivo sentiu a necessidade de enviar os três diplomas para o TC. Durante a conferência de imprensa, o primeiro-ministro evitou criticar a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa, optando por apontar as críticas aos deputados.
Leia a declaração de António Costa:
(Notícia atualizada às 19h34 com mais declarações)
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