Extradição de João Rendeiro pode demorar mais de um ano
Advogados contactados pelo ECO admitem que a chegada a Portugal para cumprir pena não será para breve. Ex-ministro das Finanças de Moçambique esteve mais de um ano à espera da sua extradição.
Entre a detenção que foi feita às 7h00 da manhã em Durban, na África do Sul, e até à chegada de João Rendeiro a Portugal, para cumprir uma das três penas a que foi condenado, pode demorar mais de um ano.
O ex-líder do BPP foi detido este sábado na África do Sul, depois de anunciar ao mundo no dia 28 de setembro que estava fora de Portugal e que não regressaria para cumprir pena de prisão. Na segunda-feira, João Rendeiro será presente a tribunal, perante o juiz de instrução criminal sul- africano. Daí sairá a decisão face à medida de coação e ainda será dito pelo próprio Rendeiro se pretende opor-se à extradição ou não.
Portugal não tem, em concreto, um acordo de extradição com a África do Sul, mas assinou uma convenção europeia de extradição que o país africano também assinou e que permite uma cooperação direta que, em termos práticos, facilita em muito a extradição de qualquer cidadão entre os países assinantes. Por exemplo, a tramitação burocrática — com documentos todos em formato eletrónico — é muito mais célere e existe o que se chama de “o princípio da confiança” entre os países assinantes. Porém, se Rendeiro se opuser a esta extradição, de hoje até ao dia em que o ex-banqueiro volte a pisar solo português, pode demorar mais de um ano, segundo os vários advogados contactados pelo ECO.
Mas quais são os passos que se seguem?
- É o tribunal da África do Sul a decidir se a extradição pode ou não ser concedida a João Rendeiro;
- Na sequência da audição do arguido — que deverá acontecer na segunda-feira — é concedido um prazo a João Rendeiro para se opor ou não à extradição;
- Na audição de segunda-feira, tal como em Portugal, o juiz de instrução decidirá a medida de coação aplicada. Que pode ser desde ficar em liberdade com termo de identidade e residência ou prisão preventiva. Esta será a mais provável a aplicar devido ao facto de Rendeiro ser um foragido à Justiça.
- Rendeiro pode não opor-se à extradição, mas no caso de manifestar oposição, há um “mini-julgamento” para ver se pode ou não haver extradição. E é aqui que o processo se pode tornar mais demorado.
- Rendeiro pode alegar que os crimes pelos quais está a ser pedida a extradição não são reconhecidos na África do Sul ou que a Justiça portuguesa não é suficientemente credível. Este segundo argumento será muito pouco provável.
- Depois será proferida uma decisão do tribunal na primeira instância quanto a esta extradição que pode ainda ter uma fase de recurso, se o arguido assim o quiser, e depois haverá uma decisão final quanto à extradição.
- Essa decisão final depois tem de ser executada. Ou seja: ambos os países terão de tomar as medidas necessárias para que Rendeiro regresse a Portugal e cumpra a pena a que está condenado e que já transitou em julgado (de cinco anos de prisão efetiva).
- A convenção europeia de extradição prevê um prazo de 20 dias para estas fases iniciais, mas pode ser alargado tendo em conta a complexidade que o caso possa ter, o que deve ser o caso.
E o que dizem os advogados?
“Não seria possível a extradição se não houvesse já uma aprovação prévia dessa extradição“, explicou o advogado Tiago Melo Alves. “E que agora será apresentado ao juiz de instrução sul-africano só por este motivo: saber qual a sua posição face à extradição e qual a medida de coação. Pode ainda aguardar em liberdade. Em último caso, em prisão preventiva” explicou o advogado.
“Estamos a falar de um processo que, em menos de trinta dias, não teremos qualquer novidade”, explicou o advogado Dantas Rodrigues.
O advogado Paulo Saragoça da Matta explica ainda que “estamos no início do processo de extradição, pode demorar seis meses ou até um ano”. E considera quase como certo que Rendeiro ficará com medidas restritivas da liberdade durante este processo. “A convenção europeia de extradição prevê logo um prazo de 20 dias para estas fases iniciais, mas pode ser alargado tendo em conta a complexidade que o caso possa ter”.
“Se o arguido aceitar a extradição, estamos perante um processo rápido, mas nunca será uma semana ou duas. Mas se decidir opor-se então temos um processo para demorar meses ou mesmo um ano”, disse Tiago Melo Alves.
José Moreira da Silva, advogado e sócio da SRS, explica à Advocatus que “até Rendeiro vir para Portugal podem passar alguns largos meses e até anos. Portugal tem de pedir a África do Sul um pedido de extradição e é um juiz da África do Sul tem de decidir, o que não deve demorar muito, mas o Ministro da Justiça pode também tomar uma decisão e ambas as decisões são sujeitas a recurso, o que pode demorar. Temos o exemplo recente do ex-ministro das Finanças de Moçambique que esteve detido há mais de um ano a aguardar extradição para os EUA ou para Moçambique. Mas tudo começa por Portugal pedir oficialmente a extradição e depois aguardar a decisão da Justiça sul-africana”. “São precisas razões muito fortes para que a África do Sul não aceite o pedido”, concluiu Tiago Melo Alves.
Quais as condenações (e a absolvição) que Rendeiro tem no currículo?
- Esta é a decisão mais recente. Em setembro, o tribunal condenou João Rendeiro a três anos e seis meses de prisão efetiva por burla qualificada. E ainda os dois ex-administradores do BPP pelo mesmo crime. Paulo Guichard foi condenado a três anos de prisão efetiva e Salvador Fezas Vital foi condenado a dois anos e seis meses de prisão. Os três arguidos terão de pagar 235 mil euros de indemnização ao diplomata. O juiz admitiu que o tribunal ficou “convencido de que arguidos conheciam bem situação delicada em que se encontrava o banco à data da emissão da obrigação”, disse o magistrado. Na origem deste processo está a queixa do embaixador Júlio Mascarenhas que, em 2008, investiu 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de a instituição liderada por João Rendeiro pedir um aval do Estado de 750 milhões de euros para repor a liquidez. Júlio Mascarenhas, representado pelo advogado Francisco Teixeira da Mota, exigia que João Rendeiro e os outros dois ex-administradores acusados o indemnizem em mais de 377 mil euros por considerar ter sido enganado pela sua gestora de conta que alegadamente o convenceu de que estava a investir num produto com juros e capital garantido e não num produto de risco.
- Condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva por falsidade informática e falsificação de documento, esta decisão transitou em julgado a 17 de setembro. E foi por esta condenação que João Rendeiro decidiu fugir de Portugal. Em julho, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) aceitou parcialmente o recurso do Ministério Público, que não ficou satisfeito com a pena de cinco anos de prisão determinada em outubro de 2018, tendo aumentado a condenação em oito meses pelos crimes de falsidade informática e falsificação de documentos, em coautoria. O processo estava relacionado com a adulteração da contabilidade do BPP, envolvendo uma verba a rondar os 40 milhões de euros, e o tribunal de primeira instância considerou que os arguidos agiram com dolo direto e que João Rendeiro, Paulo Guichard e Fezas Vital tinham perfeito conhecimento da ocultação de dados ao Banco de Portugal.
- Rendeiro foi condenado a 10 anos de pena de prisão efetiva em maio deste ano por crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais — este segundo processo foi extraído do primeiro megaprocesso de falsificação de documentos e falsidade informática, no qual João Rendeiro foi condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva. O tribunal condenou ainda Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão. E é no âmbito deste processo que a magistrada pede a presença de Rendeiro na sexta-feira, em tribunal.
- No dia 9 de setembro deste ano, João Rendeiro foi absolvido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Este tribunal confirmou a decisão da primeira instância não só em relação ao ex-líder do BPP como dos ex-administradores Paulo Guichard e Salvado Fezas Vital. Os arguidos estavam acusados do crime de burla qualificada por alegadamente terem burlado os investidores que aplicaram fundos naquele veículo do BPP no chamado processo das Privadas-Financeiras. A decisão do tribunal de primeira instância remonta a 2015. Os juízes consideraram que ficou provado em julgamento que o objetivo dos arguidos era apenas gerar mais-valias e recuperar o veículo de capital, sem prever a crise mundial “perfeitamente avassaladora” que se verificou na altura do colapso do BPP. O acórdão afastou qualquer “dolo típico” e qualquer “processo astucioso” ou “plano enganoso” por parte dos arguidos com o propósito de “enriquecimento individual”, pondo o acento tónico na crise global que afetou os mercados por altura do aumento de capital da Privado Financeiras, veículo de investimento que apostava em ações do BCP. Caso tal acontecesse, os clientes que participaram na operação de aumento de capital da Privado Financeiras iriam ganhar o triplo dos montantes investidos devido à alavancagem feita para a aquisição de ações do BCP.
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