Novobanco vende imóveis de resort de luxo em Cabo Verde que devia 90 milhões ao BES
Tecnicil recebeu financiamento de mais de 90 milhões do BES para construir o Vila Verde Resort. Crise afundou negócio imobiliário e ativos vieram parar ao Novobanco, que avança agora para a venda.
O Novobanco acabou de colocar à venda um conjunto de imóveis e terrenos que fazem parte de um resort de luxo em Cabo Verde, com o valor de cerca de 90 milhões de euros, adiantaram fontes do mercado ao ECO. Estes imóveis integram o empreendimento Vila Verde Resort, localizado na ilha do Sal, e desenvolvido pela da Tecnicil, a promotora imobiliária que começou com o projeto ainda em 2006, e que devia cerca de 92,9 milhões de euros ao BES. Esta imobiliária foi arrastada pelas crises financeiras de 2007 e 2011 e, perante o pesado fardo da sua dívida, foi obrigada a entregar os imóveis ao banco para liquidar os créditos à banca.
Em causa está um crédito malparado e ainda os ativos relativos a colaterais que incluem uma dúzia de condomínios (com prédios de 4/5 andares, piscina e bar de piscina), moradias geminadas e moradias com terreno (muitas com piscina) e ainda terrenos para construção, incluindo um lote para o desenvolvimento de um hotel, apurou o ECO. O empreendimento está localizado na cidade de Santa Maria.
O Novobanco já tentou vender estes imóveis em 2019, tendo incluído na carteira de grandes devedores Nata II, mas acabou por excluir o portefólio imobiliário devido à baixa oferta do comprado por aqueles ativos. O Nata II acabou por ser vendido ao fundo americano Davidson Kempner, enquanto o banco optou por vender os ativos da Tecnicil de forma separada.
A Tecnicil surgia inclusivamente na lista dos grandes devedores do Novobanco em 2016, com uma dívida de 92 milhões e com banco a registar imparidades de 20% desse crédito, de acordo com o Correio da Manhã.
O resort Vila Verde começou a ganhar forma em 2006 e contou com a “bênção” do Governo cabo-verdiano, nomeadamente com benefícios fiscais na aquisição de equipamento e material de construção e móveis para as casas. O projeto contou com a participação de várias empresas portuguesas, como o ateliê NLA, a Tecproeng, a Biodesign e a GPA. Já o financiamento foi suportado pelo BES, através da sua sucursal em Cabo Verde. O protocolo com a Tecnicil previa o financiamento da construção do empreendimento, mas também dos clientes.
Crises financeiras afundam imobiliária
A aposta passava por promover o Vila Verde Resort nos mercados inglês e irlandês, no segmento de “segundas residências”. Mas a crise do subprime nos EUA em 2007, arrastando toda a economia mundial consigo, à qual se seguiu outra crise das dívidas soberanas na Europa, que apanhou precisamente a Irlanda (resgate à banca, em 2010), afundou o negócio imobiliário da Tecnicil, que estava fortemente alavancada em crédito bancário numa altura em que se encontrava a desenvolver outros projetos no país.
O relatório e contas de 2013 já fazia um diagnóstico crítico da imobiliária naquela altura:
“A Tecnicil Imobiliária vem lidando, desde 2008, com dificuldades de tesouraria. (…) Os principais empreendimentos imobiliários da empresa dos últimos anos, que são o Vila Verde Resort” e o “Copacabana” e donde resultam as suas principais fontes de receitas, não tem registado vendas relevantes desde o início da crise global (meados de 2008), muito em particular no corrente ano de 2013. As vendas efetuadas em regime de contratos promessa ficaram irremediavelmente comprometidas, já que os clientes subscritores dos contratos promessas viram-se de repente impossibilitados de prosseguir com o negócio, quer por dificuldades de acesso ao crédito bancário no continente europeu, quer por massivas perdas de emprego. (…) O esforço no sentido de honrar com o pagamento do serviço da dívida junto do sistema financeiro tem estado a provocar a diminuição drástica do património da empresa, pois os encaixes têm sido utilizados essencialmente para pagamento de juros, mantendo o capital intacto. Caso essa situação não for resolvida de imediato ou a muito curto prazo, a empresa ficará desprovida dos seus ativos e ainda com avultoso financiamento por pagar”.
Atualmente, o resort está a ser gerido por outro grupo hoteleiro português, a Agua Hotels, que assumiu o controlo da operação em 2015, depois de a Tecnicil ter avançado com um plano de saneamento da imobiliária para resolver o problema da elevada dívida bancária.
Essa estratégia passou por liquidar todo o financiamento da banca através da dação em pagamento e criar uma “nova Tecnicil Imobiliária”. E foi assim que o imobiliário do resort chegou ao Novobanco, criado nas brasas da resolução do BES em agosto de 2014 aplicada pelo Banco de Portugal.
Lesados da Tecnicil queixam-se em Bruxelas
Uma boa parte do resort está vendido, outra parte nem foi ainda concluída, como o lote para o hotel que estava previsto ser ali construído. Ou seja, quem comprar este conjunto de ativos imobiliários saberá que terá de ter capacidade para avançar com obras para poder tirar rendimento do negócio a médio prazo.
Este poderá não ser o único desafio que há pela frente. Há um conjunto de clientes que se diz lesada da Tecnicil por causa de incumprimentos contratuais. São sobretudo ingleses e irlandeses, que em 2015 se queixaram junto da Comissão Europeia:
“Centenas de cidadãos do Reino Unido investiram em um complexo chamado Vila Verde na ilha cabo-verdiana do Sal. O desenvolvedor, Tecnicil, foi financiado pelo banco português Banco Espírito Santo (BES). Havia fortes salvaguardas nos contratos para proteger o investimento do banco se o projeto não fosse concluído. A Tecnicil agora faliu. O BES pretende assumir o local de desenvolvimento e não irá reembolsar os restantes investidores”, diz a queixa, deixando a pergunta: a Comissão Europeia sabe como os fundos públicos do resgate ao BES vão ser usados e pretende que “sejam reembolsadas as poupanças de uma vida de contribuintes da UE que investiram no projeto”?
Em resposta, a Comissão afastou dessa disputa. “O conflito referido não diz respeito aos auxílios estatais recebidos, mas sim à antiguidade dos diversos credores no processo de insolvência da Tecnicil. A Comissão não pode entrar em tal litígio privado, uma vez que apenas os tribunais nacionais são competentes”.
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