Pensões já podem ter aumento extraordinário, mesmo com Governo “congelado”
O aumento extraordinário das pensões será incluído, tem garantido Costa, no Orçamento do Estado para 2022, que já tem a aprovação garantida. Mas a medida poderia avançar já, dizem advogados.
A repetição dos votos dos emigrantes promete deixar o Governo “congelado” até à primavera e atirou a entrada em vigor do Orçamento do Estado (OE) para o segundo semestre do ano. Mas António Costa já pode, se assim quiser, avançar com o aumento extraordinário das pensões, defende a esquerda, posição que é confirmada pelos advogados ouvidos pelo ECO.
Inicialmente, a proposta de OE para 2022 entregue em outubro do ano passado previa a atribuição de um aumento extraordinário de dez euros às pensões até 1,5 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (cerca de 665 euros), tendo o Governo firmado o compromisso, no âmbito da negociação com a esquerda, de conceder, afinal, esse adicional às pensões até 1.907 euros.
Contudo, o chumbo parlamentar do OE pela esquerda fez cair por terra esse acréscimo, uma vez que, perante a dissolução da Assembleia da República e a antecipação das eleições legislativas, o primeiro-ministro entendeu que “politicamente” não devia avançar com medidas extraordinárias.
Em entrevista à RTP em novembro, António Costa explicou: “Nas matérias relativamente às quais o Governo não está impedido juridicamente, o critério é seguinte: vamos fazer tudo aquilo que é normal ser feito e que é corrente fazer no início do ano. O que é que não faremos porque não devemos fazer? Tudo aquilo que tem natureza extraordinária. Não devemos politicamente fazer.”
Ou seja, o chefe do Executivo até reconheceu que a lei previa a possibilidade de as prestações sociais serem aumentadas, mesmo com o país em duodécimos, mas deixou claro que, “com a Assembleia da República dissolvida”, o seu Governo estava com a “legitimidade política limitada“, pelo que não daria aos pensionistas o extra anunciado anteriormente.
A promessa deixada nessa altura foi a de que o PS incluíra essa subida adicional das pensões no seu programa eleitoral. Caso saísse vencedor das eleições de 30 de janeiro, repetiria a medida no Orçamento do Estado.
Entretanto, António Costa conseguiu mesmo a vitória (e a maioria absoluta que pedira aos portugueses) na ida às urnas, mas a repetição das eleições no círculo da Europa decidida, entretanto, pelo Tribunal Constitucional adiou para abril a tomada de posse do novo Governo, o que significa que o Orçamento do Estado para 2022 já só deve entrar em vigor no segundo semestre do ano. Deste modo, medidas tão relevantes para o bolso dos portugueses como o aumento extraordinário das pensões deverão, afinal, chegar ao terreno mais tarde do que se esperava.
Ainda assim, Catarina Martins veio sublinhar que, querendo, o Executivo atualmente em funções pode avançar já com o aumento extraordinário das pensões, não tendo de esperar pelo OE. “O Governo tem margem para o aumento extraordinário das pensões, porque já houve o ano passado. Se há matérias, como a lei fiscal, que precisam do Parlamento, há matérias de apoio social que podem avançar“, defendeu a bloquista, em entrevista ao Público (acesso condicionado).
Tais declarações ficam em linha com o que o próprio primeiro-ministro tinha reconhecido em novembro. Ora, os advogados consultados pelo ECO também confirmam que o Governo pode já avançar, por decreto-lei, com o aumento extraordinário das pensões.
“Durante o período transitório em que se mantiver a prorrogação de vigência da lei do Orçamento do Estado de 2021, a execução mensal dos programas em curso não pode exceder o duodécimo da despesa total da missão de base orgânica, com exceção das despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de Segurança Social e das despesas com aplicações financeiras”, começa por explicar Jane Kirkby, consultora da Antas da Cunha Ecija & Associados.
E acrescenta: “Sendo as pensões prestações sociais devidas a beneficiários do sistema de segurança social, não existe qualquer impedimento legal para que o Governo, mesmo estando o país em duodécimos, avance já com os aumentos extraordinários das pensões, nos termos estabelecidos na lei do Orçamento do Estado de 2021″.
Na mesma linha, José Luís Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, entende que o Governo pode aprovar por portaria o aumento extraordinário das pensões, “desde que tenha margem orçamental nos duodécimos para o fazer, podendo alterar as verbas de uma rubrica para outra para o fazer“. Convém realçar que em 2021 os apoios criados no âmbito da pandemia exigiram verbas bem mais avultadas do que as que estão atualmente a ser necessárias, pelo que esses fundos poderiam ser agora, por exemplo, direcionados para a atualização extraordinária das pensões, ainda com o país em duodécimos.
O advogado frisa, além disso, que o Governo atual ainda está em funções plenas, “pois não se demitiu e a nova Assembleia da República ainda não esta instalada, por ainda não existir apuramento geral das eleições”.
A possibilidade de o Governo avançar já com uma subida extra das pensões não é, contudo, uma questão inteiramente pacífica entre os juristas ouvidos pelo ECO.
Por um lado, Tiago Marques, advogado coordenador da área das relações laborais, contratação coletiva e Segurança Social da RSA, salienta que o aumento extraordinário em causa “não é uma obrigação no Orçamento de 2022, uma vez que poderão existir realidades distintas de 2021 para 2022 que obriguem a realocar essa verba ou mesmo ficar em hold face a alguma situação que não estava previsto em 2021, mas que se possa verificar em 2022″.
Por outro, Madalena Caldeira, sócia contratada da Abreu Advogados, defende que o que Catarina Martins sinalizou “materialmente faz sentido“, mas explica que o aumento extraordinário das pensões que estava previsto no Orçamento do Estado para 2021 estava só determinado para esse ano, pelo que não é certo que haja enquadramento legal para uma repetição dessa medida em 2022, enquanto o país viver em duodécimos.
De notar que o Orçamento do Estado para 2022 já tem aprovação garantida (o PS já tem assegurados, pelo menos, 117 assentos no Parlamento) e que António Costa prometeu que as medidas aí previstas terão efeitos retroativos a janeiro, pelo que esta antecipação do aumento extraordinário das pensões não seria mais do pagar já aos pensionistas os valores que já estão prometidos, evitando que estes tenham de esperar mais tempo por essa transferência, numa altura em que a inflação tem registado um agravamento.
De resto, em janeiro, as pensões já subiram de forma automática até 1%, com base na economia e na evolução do Índice de Preços no Consumidor. As pensões até 886 euros foram atualizadas em 1%, as pensões entre 886 euros e 2.569 euros cresceram 0,49% e as pensões acima de 2.569 euros subiram 0,24%.
O ECO questionou o Governo sobre a eventual antecipação do início do pagamento do aumento extraordinário das pensões, mas não obteve resposta até ao fecho deste artigo.
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