“Envergonhada” com buscas da Operação Maestro, indústria têxtil teme perdas na exportação
Suspeitas de fraude com fundos comunitários, visando Manuel Serrão, apanham de surpresa os empresários da indústria têxtil. Antecipam danos na internacionalização e censuram “má imagem” dada ao setor.
Apanhados de surpresa com a mega operação lançada pela Polícia Judiciária na terça-feira de manhã, que envolveu 78 buscas em todo o país no âmbito de uma investigação sobre o alegado desvio de 40 milhões de fundos comunitários nos apoios à internacionalização, os industriais do têxtil e vestuário ouvidos pelo ECO antecipam um impacto na imagem e nas exportações do setor, assumindo estar “envergonhados” com as suspeitas de crimes de fraude na obtenção de subsídio, fraude fiscal qualificada, branqueamento e abuso de poder.
A Operação Maestro visa 14 projetos cofinanciados pelo FEDER e executados entre 2015 e 2023. Manuel Serrão é considerado pelo Ministério Público “o principal mentor” do esquema, dizendo ser “o único decisor da gestão diária e financeira” da Associação Selectiva Moda (ASM), que há duas décadas dinamiza e organiza as ações coletivas de promoção no exterior através de projetos conjuntos de internacionalização da fileira.
Na lista de suspeitos, igualmente alvo de buscas nesta operação a cargo da unidade de combate à corrupção da PJ, estão também o jornalista Júlio Magalhães, sócio de Serrão em duas empresas, e António Souza-Cardoso, antigo dirigente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) e presidente da Associação para a Promoção da Gastronomia, Vinhos, Produtos Regionais e Biodiversidade (AGAVI). O caso envolve ainda o presidente do Compete, Nuno Mangas, que liderou o IAPMEI entre 2018 e 2020.
“Foi com tristeza que ouvi essa notícia, independentemente dos resultados da investigação que está a ser feita. Transmite uma má imagem quer do têxtil, quer do próprio país. Isso envergonha-me, infelizmente. Para o setor é sempre algo que mancha porque andamos nisto com seriedade e depois leva tudo por igual, como é óbvio”, resume Paulo Coelho Lima, administrador da Lameirinho, histórica empresa de têxteis-lar fundada em 1948.
Por ser uma grande empresa, que fatura cerca de 60 milhões de euros e tem 700 trabalhadores, a fabricante de lençóis, almofadas e edredões nem sequer está habilitada a participar nessas missões conjuntas no exterior. O empresário de Guimarães destaca que “não [tem] qualquer relação nem pessoal nem profissional” com o principal visado – “desconheço inclusive o modus operandi deste tipo de ações” –, mas sabe que as iniciativas organizadas pela ASM são “relevantes para as empresas mais pequenas participarem em feiras”.
Transmite uma má imagem que da têxtil, quer do próprio país. Isso envergonha-me, infelizmente. Para o setor é sempre algo que mancha porque andamos nisto com seriedade e depois leva tudo por igual.
É o caso da Crivedi, que fatura oito milhões de euros e emprega 45 pessoas na Trofa. Antes da pandemia chegou a ir ao estrangeiro através da ASM e o presidente, António Archer, preparava-se para telefonar a Manuel Serrão para entrar na próxima edição da Première Vision, em Paris, agendada para o início de julho. “Eles têm um bom programa para levar as empresas às feiras com valores mais simpáticos e com partilha de custos, apoiados pelo Compete e PT2020. É mais simples e barato do que individualmente. Hoje em dia, um stand sozinho custa milhares de euros, portanto talvez não se justifique para a nossa dimensão”.
Quanto ao impacto que este caso vai ter para o setor, que perdeu 5,6% das exportações em 2023, o empresário que trabalha com grandes marcas de moda, como Bimba y Lola, Adolfo Dominguez, Purificación García e Carolina Herrera, sustenta que, a confirmarem-se as suspeitas, “isto é indecente e uma vergonha porque os fundos são importantes”.
“Em tempos já tivemos esses apoios e estávamos a pensar tornar a tê-los. Acho que é uma pena”, acrescenta o líder da empresa trofense, que faz internamente todo o processo de pesquisa, prototipagem, design, modelação e controlo de qualidade, assim como a compra de matérias-primas ou acessórios, e ainda os contactos com os clientes e a negociação das encomendas. Só a parte da confeção é que subcontrata a 30 fábricas da região.
A confirmarem-se as suspeitas, isto é indecente e uma vergonha porque os fundos são importantes. Em tempos já tivemos esses apoios e estávamos a pensar tornar a tê-los. Acho que é uma pena.
“A ASM desenvolve um trabalho muito competente na divulgação das empresas têxteis, nomeadamente com o Modtíssimo [maior salão têxtil da Península Ibérica]. Quem sofre são as empresas. Acho que o trabalho dessa associação vai ficar comprometido, nomeadamente a organização dos grupos de empresas e o acompanhamento da ida às feiras. Em tudo isso se vai refletir [negativamente este caso]. Não há ninguém que substitua o trabalho que a ASM fazia”, dramatiza José Robalo, presidente da ANIL – Associação Nacional da Indústria de Lanifícios.
Embora também integre este organismo criado em 1992 para valorizar a fileira têxtil portuguesa no contexto internacional, a par da outra associação empresarial do setor (ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal), José Robalo sublinha que a Associação Nacional da Indústria de Lanifícios “não [faz] parte da direção nem participa nas decisões do dia-a-dia” da ASM, com quem diz ter “uma relação mais institucional”.
Quem sofre são as empresas. Acho que o trabalho da Selectiva Moda vai ficar comprometido, nomeadamente a organização dos grupos de empresas e o acompanhamento da ida às feiras. Não há ninguém que a substitua.
Sem querer comentar diretamente as suspeitas que recaem sobre Manuel Serrão, o “feirante” têxtil que andou ao colo de Pinto da Costa, José Robalo lamenta que “com uma simples denúncia e perante indícios, as pessoas estejam na praça pública”, lembrando as buscas à casa de Rui Rio realizadas em julho do ano passado. “Não dou crédito a estas coisas. Estão a ser banalizadas. As pessoas ficam a priori condenadas”, resume o dirigente.
Contactado pelo ECO, Mário Jorge Machado, presidente da ATP, recusou-se a fazer qualquer comentário sobre esta matéria ou a confirmar a realização de buscas também na sede desta associação patronal, em Vila Nova de Famalicão.
Já o vice-presidente da ATP, Jorge Pereira, assumiu ter ficado “surpreendido” com as buscas e antecipa que “será mau para o setor se alguma coisa correr menos nesta área”, frisando que o líder da ASM, que descreve como “uma pessoa extremamente correta”, “organiza muito bem as feiras e é um facilitador para as empresas mais pequenas que não têm departamentos de exportação e estrutura” para irem pelo seu próprio pé. Muitas delas, como é o caso da Lipaco, depois de “experiências individuais que nunca resultaram”, acabaram por se estrear lá fora neste tipo de missões.
Se houver um problema, não sei como vai ser para as empresas. Não se cria uma organização destas de um dia para o outro, com os contactos que eles têm. Pode ficar uma lacuna imensa e, se assim for, será muito mau para as empresas.
“Fazem tudo chave-na-mão de forma perfeita, acompanham as pessoas e resolvem os problemas. Têm muito traquejo e é algo que funciona muito bem. Se houver um problema, não sei como vai ser para as empresas. Não se cria uma organização destas de um dia para o outro, com os contactos que eles têm. Pode ficar uma lacuna imensa e, se assim for, será muito mau para as empresas, que terão de arranjar soluções que não serão fáceis”, contextualiza o CEO da empresa de Esposende, especializada em linhas de costura para as confeções.
João Costa, que liderou a ATP entre 2008 e 2016 e que ocupa formalmente a presidência da direção da ASM, argumenta que “com tantas feiras anuais e com tantas empresas a participar, ao longo de tantos anos e com situações que não são facilmente definíveis em termos de limites – o que é cada operação, o que representa, o que custa, depois quem fornece os serviços –, [percebe] que os contornos em torno destas realizações não sejam assim tão fáceis de perceber para quem tem de fazer a análise de qualquer situação no que respeita à utilização de incentivos”.
Percebo que isto seja suscetível de gerar dúvidas para quem faça algum tipo de investigação ou queira validar a utilização dos fundos públicos, nacionais ou comunitários.
“Percebo que isto seja suscetível de gerar dúvidas para quem faça algum tipo de investigação ou queira validar a utilização dos fundos públicos, nacionais ou comunitários”, reconhece João Costa. Mostra-se igualmente “surpreendido” com a operação da PJ, mas garante que a atribuição dos apoios às empresas por parte da ASM “sempre foi transparente”.
“Montanha pariu um rato” como na Madeira
José Alexandre Oliveira, líder da gigante têxtil Riopele, questionado sobre o impacto que a Operação Maestro poderá ter na imagem do setor, responde que a sua preocupação é com a empresa sediada em Vila Nova de Famalicão e “não com o que se passa fora”. “Eu estou é preocupado com o meu negócio, dentro da minha empresa”, reitera o empresário minhoto.
Ainda assim, tal como o líder da ANIL, José Alexandre Oliveira não deixa de traçar um paralelismo com outra investigação recente, na Madeira, que mobilizou centenas de inspetores e que, frisa, “no fim ‘a montanha pariu um rato’”. “Era só o que faltava vir cá com isto falar em reputação no setor”, atira, adiantando que os industriais já têm muito com o que se preocupar e que se deve “deixar a justiça para a justiça e o trabalho para as empresas”.
Também Rui Pereira, diretor-geral da vimaranense Coelima by Mabera, especializada em produtos têxtil-lar, relativiza a ligação do setor à investigação que visa figuras como Manuel Serrão, Júlio Magalhães – entretanto suspendeu funções na TVI – ou Nuno Mangas, que dirige o Compete. “Não estou nada preocupado. Estava aqui a resolver problemas da linha de produção da empresa”, responde Rui Pereira, reconhecendo, no entanto, não estar a par do que está em causa na operação liderada pela PJ. “É uma questão muito pessoal”, remata o gestor.
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