Resiliente, mas cheio de desafios. O mercado de trabalho que o novo Governo “herda”
Luís Montenegro chega ao poder com um mercado de trabalho estável, ainda que com alguns desafios à vista. Lay-off está a aumentar, mas economistas entendem que não há motivo para alarme, para já.
Luís Montenegro vai “herdar” de António Costa um mercado de trabalho estável. O desemprego ficou abaixo das expectativas em 2023 e não se esperam grandes alterações em 2024, realçam os economistas ouvidos pelo ECO. Ainda assim, há desafios à espreita, como a necessidade de dar formação aos trabalhadores mais velhos, o desemprego jovem, que insiste em manter-se elevado, e as migrações.
Comecemos pelo desemprego. Para 2023, Fernando Medina tinha apontado uma taxa de 6,7%, mas o mercado de trabalho teve um melhor desempenho do que o esperado, isto é, a taxa de desemprego situou-se em 6,5% no conjunto do ano passado.
E o arranque deste ano tem sido sinónimo de estabilidade: segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), há dois meses que a taxa de desemprego está estacionada em 6,5%, valor que já não é tão próximo como chegou a ser (em 2022) dos mínimos históricos, mas é, ainda assim, um bom sinal.
Além disso, depois de sete meses a subir, o número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) recuou em fevereiro, passando para 331 mil indivíduos.
Desemprego está estável
Fonte: INE
Perante estes números, Pedro Braz Teixeira, economista e diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, sublinha que, neste momento, não há razões para “grandes preocupações“, defendendo que Luís Montenegro herda mesmo um mercado “em pleno emprego“.
“A taxa de desemprego está ao nível do pleno emprego e a economia deve crescer próximo da tendência de médio prazo, sobretudo a partir do segundo semestre, pelo que não há razões para esperar uma deterioração do mercado de trabalho“, salienta o especialista.
O desemprego poderia estar muito mais baixo. Além disso, o elevado desemprego jovem é um motivo de grande preocupação.
Ainda assim, Pedro Martins, professor universitário e ex-secretário de Estado do Trabalho, atira que o desemprego poderia estar “muito mais baixo“, considerando, nomeadamente, as alterações demográficas (a natalidade e a emigração) dos últimos anos. Por exemplo, o desemprego jovem continua elevado, realça o especialista, o que é um “motivo de grande preocupação“, diz.
De acordo com o INE, em 2023, entre os mais jovens (16 aos 24 anos), a taxa de desemprego fixou-se em 20,3% em 2023, acima do verificado no ano anterior (em 1,2 pontos percentuais). E em janeiro deste ano, enquanto a taxa de desemprego global ficou nos tais 6,5%, entre os jovens foi de 24,2%.
Lay-off dispara. Tocam os alarmes?
Outro sinal do mercado de trabalho que merece atenção é a evolução recente do lay-off, regime que permite às empresas em crise suspenderem os contratos de trabalho dos seus empregados ou reduzirem os horários destes, cortando-lhes (temporariamente) os salários.
Os dados mais recentes do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho mostram que em fevereiro o número de trabalhadores abrangidos por este regime aumentou pelo segundo mês consecutivo e, face ao período homólogo, a subida foi de quase 200%.
Para Pedro Braz Teixeira, tal é um reflexo dos “meses complicados” vividos ao nível das exportações — uma parte significativa das empresas em lay-off são do setor industrial exportador, o que parece confirmar essa leitura. As vendas ao exterior estão agora a recuperar, admite o especialista, mas “lentamente” e “isso poderá ter levado algumas empresas a recorrer ao lay-off“.
Ainda assim, o diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade. antevê que esta “deverá ser uma questão conjuntural, que se poderá dissipar nos próximos meses“.
Também João Cerejeira, professor da Universidade do Minho, entende que, “do ponto de vista global”, não há motivo para preocupação. “Mas deve haver o cuidado de verificar se há alternativas de emprego nas regiões dos trabalhadores afetados”, alerta.
Salários engordam?
Um dos temas centrais do Governo de António Costa, no que diz respeito ao mercado do trabalho, foi o dos salários. Tanto que foi celebrado um acordo em Concertação Social com vista a reforçar os rendimentos.
Assim, depois de um ano marcado por perdas de poder de compra, em 2023 os portugueses conseguirão recuperar algum terreno: em termos reais, o salário médio aumentou 2,3% em 2023, sendo que, em termos absolutos, engordou mesmo quase 7%, tendo ultrapassado a fasquia dos 1.500 euros.
Para este ano, o cenário pode não ser tão otimista. “Prevejo que os aumentos reais médios diminuam em 2024“, indica o professor Pedro Martins, que admite, porém, que deverá haver “grande dispersão entre empresas, até do mesmo setor“.
Na mesma linha, Pedro Braz Teixeira explica que em 2023 os salários foram impulsionados pela “necessidade de recuperar das perdas de poder de compra do ano anterior”. Ora, em 2024, não só a previsão para a inflação é muito mais baixa, como “já há menos necessidade de recuperar perdas passadas“.
Com o crescimento da produtividade (anual) entre 1% e 1,5% para os próximos anos, o crescimento nominal dos salários nos anos próximos anos deverá situar-se em torno dos 3%.
Também o professor João Cerejeira entende que o impacto da recuperação da perda de rendimentos reais “deverá ser menos expressivo este ano, bem como nos próximos anos“, mas projeta um crescimento nominal dos salários em torno de 3%. Isto à boleia do esperado crescimento da produtividade (entre 1% e 1,5%).
Convém destacar que o salário mínimo nacional já subiu este ano, dos 760 euros em que estava em 2023 para 820 euros, o maior aumento alguma vez ocorrido, segundo António Costa.
E o acordo celebrado em Concertação Social prevê um referencial de 5% para os aumentos salariais do privado. O referencial é, porém, apenas isso, uma referência, pelo que não é certo que se cumpra. No programa eleitoral, a Aliança Democrática propunha um salário de 1.750 euros até a fim da década.
Desafios para o próximo Governo
Com o Governo de Luís Montenegro a poucos dias da tomada de posse, que desafios estão à sua espera, quanto ao mercado de trabalho? João Cerejeira identifica a preparação da população ativa para a transição energética, ambiental e digital. “Portugal tem condições para beneficiar desta transição, mas para isso será necessário (re)qualificar e um número elevado de trabalhadores“, avança o economista.
Outro dos desafios, enumera, é a precariedade, problema que “ainda está longe de estar resolvido”, bem como a elevada incidência de pobreza entre quem trabalha. A taxa de risco de pobreza entre quem está empregado fixou-se em 10% em 2022, de acordo com o INE.
Já Pedro Braz Teixeira elege a baixa formação dos trabalhadores mais velhos como um dos maiores desafios do mercado de trabalho dos próximos anos.
A propósito, o INE, numa nota publicada recentemente, indicou que mais de metade dos portugueses não faz formação, tendo o país dos piores registos da União Europeia a esse respeito.
Por outro lado, em conversa com o ECO, o ainda secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, salientou esta semana que, apesar de ter crescido a consciência da necessidade da formação, é ainda preciso aumentar a sua valorização pelos empregadores. Isto já que os trabalhadores continuam a sentir que fazer formação não tem grande reflexo nos salários ou até mesmo nas oportunidades de progressão na carreira.
Já o ex-secretário de Estado Pedro Martins destaca as migrações como um dos desafios com os quais o novo Governo terá de lidar. “A redução da emigração e a integração da imigração”, detalha o também professor, numa altura em que tanto se fala em como fixar em Portugal os jovens qualificados que estão a sair das universidades. Apesar da estabilidade do desemprego, não faltarão desafios a quem assumir as rédeas do mercado de trabalho no Governo que agora se prepara para iniciar.
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