Só há quatro portugueses em altos cargos na União Europeia
Com António Costa mais perto de Bruxelas, contam-se pelo dedos o número de portugueses nos cargos de topo das instituições europeias. Falta de representação afeta reputação e grau de influência.
Numa altura em que António Costa é apontado para a presidência do Conselho Europeu, conta-se com uma mão o número de portugueses que estão, atualmente, em altos cargos na União Europeia (UE). São apenas quatro: Elisa Ferreira, comissária da Coesão e Reformas; Vasco Cordeiro, presidente do Comité das Regiões; Rodrigo da Costa, diretor executivo da Agência da União Europeia para o Programa Espacial (EUSPA) e João Negrão, diretor do Instituto da Propriedade Intelectual da UE. Fora estes, não há qualquer cidadão nacional como diretor-geral no bloco europeu. É a primeira vez que isso acontece desde que Portugal aderiu à União Europeia. O último diretor-geral foi Mário Campolargo, que ficou com a liderança da Direção-Geral de Informática, até 2022, ano em que abandonou a posição para ser secretário de Estado da da Digitalização do anterior Governo. O seu mandato foi interrompido.
“Neste momento, Portugal está numa situação má porque não temos nenhum diretor-geral, sub diretor ou diretor adjunto na Comissão”, sublinha Tiago Antunes, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus ao ECO, referindo que “esse problema está identificado” e que o próprio executivo comunitário “está ciente de que é preciso corrigir essa omissão”. “Sempre tivemos mais do que um [diretor-geral]”, acrescenta.
Mas excluindo os cargos de topo, há nomes portugueses que se destacam nas organizações das instituições europeias hoje. Nomeadamente, João Aguiar Machado, como chefe da missão permanente da UE junto da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ou até mesmo, Fernando Andresen Guimarães, como conselheiro diplomático da Presidente da Comissão Europeia, e Luísa Cabral, uma das diretoras da Direção-Geral do Emprego, dos Assuntos Sociais e da Inclusão. Estas duas posições foram preenchidas na sequência do plano lançado pelo anterior Governo que visava aumentar a presença de portugueses em cargos de topo na União Europeia.
Se esta sub-representação afeta a reputação e o nível de influência de Portugal a nível europeu? “Sim, e muito”, responde Henrique Burnay, consultor em Assuntos Europeus e professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, em declarações ao ECO.
Segundo o consultor, “houve uma falta de atenção” durante muitos anos no ingresso de portugueses em cargos de topo nas instituições europeias, não por falta de talento mas por falta de incentivo, sobretudo a seguir ao alargamento de 2004, altura em que dez países da Europa Central e do Leste aderiram ao bloco europeu e preencheram muitas vagas no âmbito das políticas de equilíbrio regional. “A partir daí, tivemos um hiato. Não tivéssemos tido e hoje já teríamos muitas pessoas com maturidade para estar nos cargos de topo”, lamenta.
E o impacto desta falta de representatividade de Portugal não coloca o país apenas numa situação mais vulnerável no que toca à sua influência e reputação. “Ainda que os funcionários nos cargos de topo não estejam a representar o seu Estado-membro, e neste caso Portugal, têm uma visão do mundo que faz a diferença na avaliação de propostas e nas negociações”, acrescenta Burnay. “Falta gente que tenha a nossa visão do mundo. É importante que haja uma visão portuguesa”, diz.
A importância dessa perspetiva portuguesa nas discussões que são tidas em Bruxelas é subscrita por Margarida Marques, ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus e eurodeputada pelo PS, que refere, a título de exemplo, as negociações que irão decorrer a propósito do orçamento plurianual para o período 2028-2034 na próxima legislatura. Nessa altura, o alargamento a outros Estados-membros deverá estar em curso, ou já concluído e, por isso, poderá haver “uma tentação para encaminhar verbas para outros destinos”, como por exemplo, para a Ucrânia ou para a Defesa, sugere. Será nesta situação que uma visão portuguesa, como a de António Costa na presidência do Conselho Europeu, fará a diferença.
“Evidentemente, que se António Costa for presidente do Conselho Europeu terá um papel de defender nas políticas de coesão, não só pelos Estados-membros que mais dela precisam, mas sobretudo de Portugal, que é um beneficiário”, acrescenta.
Para já, a indicação de António Costa para o Conselho Europeu ainda não foi formalizada e, em Bruxelas, o processo irá permanecer em curso até à reunião entre os chefes europeus a 27 e 28 de junho. O pontapé de saída foi dado esta segunda-feira, quando os 27 Estados membros se reuniram para um Conselho Europeu informal que serviu, não só, para fazer um rescaldo das eleições como também para apontar os quatro nomes que irão liderar as principais instituições europeias, no próximo ano. Além de Costa, estão em cima da mesa os nomes de Ursula von der Leyen para uma recondução no cargo de presidente da Comissão Europeia, Roberta Metsola para mais um mandato na presidência do Parlamento Europeu e Kaja Kallas para alta representante da UE para a política externa.
No entanto, o primeiro encontro não terá corrido como expectável e terá terminado sem que os 27 chegassem a um acordo entre as partes sobre o quarteto que irá liderar a União Europeia nos próximos cinco anos.
De acordo com o Politico, o Partido Popular Europeu, vencedor das eleições para o Parlamento Europeu (PPE), pediu mais concessões e mais poder entre os cargos de topo. Como esperado, o PPE quis renomear von der Leyen e Metsola, ambos pertencentes à sua família política. Além disso, propuseram aos socialistas que o mandato do presidente do Conselho Europeu fosse dividido em dois períodos de 2,5 anos – e o PPE ficaria com um deles. A proposta não terá agradado os socialistas que esperavam garantir a posição somente para António Costa. Mas as negociações vão continuar.
Se António Costa rumar ao Conselho Europeu, terá um papel de mediar a negociação entre os países do bloco e de encontrar consensos. “A função principal de Costa será de negociar posições, nunca será de tomar decisões políticas”, sublinha Henrique Burnay.
Mesmo assim, consideram os especialistas ouvidos pelo ECO, uma eventual ida do ex-primeiro-ministro para Bruxelas abriria portas para que mais portugueses seguissem a mesma rota de liderança nas noutras instituições europeias, à semelhança do que aconteceu entre 2004 e 2014.
“O período de maior destaque para os portugueses nas instituições europeias foi o de Barroso. Valorizou a presença dos portugueses nas várias instâncias a nível europeu. Imagino que, se Costa chegar ao Conselho Europeu, isso possa voltar a acontecer”, aponta Tiago Antunes.
“Estou convencida de que haverá mais portugueses no gabinete de Costa”, admite Margarida Marques. Desde logo, com a posição do chefe de gabinete vaga, que, à partida, será preenchida por um diplomata em funções.
Plano para ter mais portugueses em Bruxelas com poucos resultados
Mas há quem rejeite noção de uma sub-representação portuguesa. “Historicamente, não vejo razão para dizermos que estamos sub-representados”, aponta Paulo Sande, ex-consultor do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e especialista em assuntos europeus. E há provas disso.
Além do mandato de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, entre 2004 e 2014, Portugal teve cinco comissários europeus — cargos que são obrigatoriamente distribuídos pelos 27 Estados-membros — dez vice-presidentes no Parlamento Europeu e três ‘número dois’ no Banco Europeu de Investimento, o último Ricardo Mourinho Félix. E, a nível internacional, um dos cargos de topo de maior destaque é preenchido por António Guterres, na secretaria-geral das Nações Unidas.
“Somos um país pequeno mas não acho que estejamos sub-representados. A principal questão não é a quantidade mas sim que funções ocupam estes portugueses. O nosso principal défice são as posições de primeira linha, mas a verdade é que há poucas pessoas disponíveis”, considera Paulo Sande, acrescentando que os concursos que são lançados “não são suficientemente participados por portugueses”.
No sentido de colmatar essa falha, a secretaria de Estado de Tiago Antunes lançou, em 2022, um plano que visava incentivar o número de portugueses em cargos europeus. A solução permitiu aumentar o número de bolsas para candidatos portugueses no Colégio da Europa o que, por seu turno, irá produzir resultados a médio prazo. Ou assim se espera.
“Na gíria, costumamos dizer que o colégio é um passaporte para entrar nas instituições europeias. Daqui a dois anos, haverá mais portugueses a passar nos concursos” e, daí, passarão a integram as instituições europeias, tal como se pretende com estas formações, garante a antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.
Segundo dados da Comissão Europeia, a 1 de janeiro de 2024, o número de portugueses – entre funcionários, pessoal temporário e trabalhadores locais — no conjunto dos serviços da Comissão era de 806, num total de 30.451 – ou seja, 2,6%. Os países com maior representação são, naturalmente, a Bélgica (14%) e a França (10%) por serem casa das principais instituições europeias. Excluindo esses dois, Espanha (8,7%) e Dinamarca (6,7%) são os países que contam com mais funcionários a trabalhar em Bruxelas e Estrasburgo.
Face a esses valores, que não ultrapassam a marca dos 2% há vários anos, o objetivo português passa por preencher a quota mínima de 3,1% de trabalhadores portugueses nas instituições europeias. De acordo com Bruxelas, a quota portuguesa traduz-se num “défice significativo” de representação.
Tiago Antunes não sabe se o programa terá continuação sob a liderança da Inês Domingos, nova secretária de Estado dos Assuntos Europeus do Governo de Luís Montenegro, mas mantém-se convicto de que os resultados começarão a surgir nos próximos anos.
“Tem havido várias entradas de recrutamento. Temos muitos profissionais em contratos temporários e houve um número muito grande que passaram a efetivos”, diz o ex-secretário de Estado, sublinhando que “o único grau em que Portugal está bem representado” atualmente é no cargo de diretor, que serão, atualmente, cerca de dez. “Está acima do número de referência. Há uma pool de diretores que estão bem colocados e que podem vir a subir”, garante, não adiantando nomes.
O otimismo não é, no entanto, partilhado por Henrique Burnay. O consultor de assuntos europeus afirma que não tem sentido “os efeitos do plano”, mas também ressalva que o seu tempo de execução “foi curto”, uma vez que a legislatura do anterior Governo foi interrompida na sequência da demissão de António Costa devido às suspeitas levantas na Operação Influencer. “Este plano tem de ser posto em prática. É importante que os portugueses que quiserem concorrer aos cargos na UE sintam que o Estado se interessa por eles”, defende.
Notícia atualizada às 10h23 com a substituição de Ricardo Conde, presidente interino da Agência Espacial Europeia (ESA), que afinal é presidente da Agência Espacial Portuguesa, por Rodrigo da Costa, diretor executivo da Agência da União Europeia para o Programa Espacial (EUSPA).
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