Fundou a Bolt, hoje uma das maiores concorrentes da Uber, quando tinha 19 anos. Mas, em entrevista ao ECO, Markus Villig não esconde que o próximo passo é conquistar também as trotinetas elétricas.
No verão de 2013, Markus Villig tinha 19 anos e fundou aquilo que é hoje a Bolt, uma das principais concorrentes da Uber nos mercados europeu e africano. Hoje, aos 25, não esconde existirem semelhanças entre as duas empresas, mas sugere que o sucesso da Bolt resulta de uma “eficiência nos custos” que a Uber não tem. No fim do dia, garante que as comissões cobradas aos motoristas e os preços das viagens para os passageiros são menores.
Em entrevista ao ECO por ocasião da vinda ao Web Summit, o jovem empreendedor estoniano promete trazer as trotinetas elétricas da Bolt para Portugal e não esconde que o serviço até pode vir a ser gratuito, desde que a empresa seja capaz de gerar lucros com o negócio das boleias. Sobre a recente regulamentação criada em Portugal, considera-a “inovadora” e “aberta”.
Não creio que tenhamos de ganhar dinheiro [com as trotinetas elétricas]. Existem vários serviços que podemos oferecer gratuitamente, sem termos de gerar lucros, e outros, como as boleias, a serem lucrativos para nós enquanto negócio.
A Bolt é “o concorrente mais formidável da Uber na Europa e em África”. Estou a citar o The New York Times. Como é que isto aconteceu?
O transporte é uma das maiores indústrias, em linhas gerais, em termos do impacto que tem nas vidas das pessoas. Vimos que, particularmente no transporte partilhado, não havia ninguém a oferecer um serviço verdadeiramente bom na Europa e em África antes de aparecermos. Os nossos amigos norte-americanos, em muitas cidades, eram, de facto, um monopólio, sem grande concorrência. Percebemos que, com a nossa estratégia de virmos da Europa, localizando e sendo mais eficientes em termos de custos, conseguíamos construir um serviço melhor. Um serviço em que os clientes pagam menos e os motoristas ganham mais. Já o fizemos em mais de 45 países. Essa estratégia está a gerar retorno e esperamos ser líderes no transporte partilhado em toda a Europa nos próximos anos.
Há alguma diferença significativa entre o vosso modelo de negócio e o dos vossos “amigos norte-americanos”?
O modelo de negócio, no geral, é o mesmo para muitos destes players: ligar clientes que precisam de uma boleia a motoristas na cidade que queiram ganhar um rendimento extra. A diferença está em algumas coisas: a principal é sermos mais eficientes em termos de custos. Não podemos ignorar que uma plataforma, sendo uma empresa gigante e com custos enormes, tem de passar esses custos aos motoristas. Por isso, tem de cobrar uma comissão maior aos motoristas. No caso deles, é de 25%. No nosso caso, aqui, é de 15%. Significa que a comissão que cobramos aos motoristas é quase metade, só porque a nossa empresa é muito mais magra. A importância disso é enorme, porque se os motoristas pagam uma comissão menor, ganham mais, e isso também significa que podemos cobrar um preço mais baixo aos clientes. Ganham os passageiros e ganham os motoristas. É esse o caminho que o setor tem de seguir.
Qual é o plano da Bolt para continuar a conquistar uma “fatia” maior do mercado?
Esta é a primeira parte. Uma vez mais, se tivermos preços mais baixos, os motoristas ganham mais.
Mas também estão a investir, por exemplo, em carros autónomos? Travis Kalanick (ex-CEO da Uber) dizia que o “problema” económico da Uber era “o motorista atrás do volante”.
Isso é uma visão muito otimista da parte deles. É claro: a longo prazo, o impacto dos carros autónomos vai ser gigante em termos de como as cidades são construídas e de como nos deslocamos. Mas isso não vai acontecer nos próximos cinco anos, pelo menos. Até lá, temos de trabalhar com motoristas e temos de garantir que eles estão satisfeitos. É nisso que nós somos bons.
Então acredita que a Bolt é “mais humana” do que a Uber, por exemplo?
Mais humana, porque os motoristas têm melhor serviço e os clientes também. Mas também mais eficiente.
Como é que se geram lucros assim? As viagens na Bolt são fortemente financiadas.
Não… não é que estejamos a subsidiar as viagens aqui. Quero dizer, em média, somos lucrativos em todas as viagens que fazemos em Portugal.
Quando é que planeia que a empresa em Portugal seja lucrativa?
Por agora, estamos a crescer muito depressa e queremos continuar focados nisso por mais alguns anos, até sermos líderes em Portugal. Isso ainda vai demorar alguns anos.
É claro: a longo prazo, o impacto dos carros autónomos vai ser gigante em termos de como as cidades são construídas e de como nos deslocamos. Mas isso não vai acontecer nos próximos cinco anos, pelo menos.
O que é que pode revelar sobre a operação em Portugal? Está satisfeito com o desempenho?
Está a correr muito bem, exatamente por estas razões. Temos tempos de espera muito bons, o que significa que é possível chamar um carro em poucos minutos. O serviço é ótimo, porque os motoristas ganham mais dinheiro connosco, por isso estão contentes em trabalhar connosco. Os passageiros pagam menos. O que é que se pode pedir mais em termos de transportes? É rápido, é barato, tem boa qualidade. Não é física quântica perceber porque é que as pessoas nos escolhem a nós. É básico.
Falemos de trotinetas elétricas. A Bolt está a planear trazê-las para Portugal?
Lançámo-las em dez cidades este verão, com resultados muito promissores. Mas a nossa visão assenta em duas coisas: é muito, muito difícil ser-se diferente nas trotinetas elétricas e ter um serviço muito, muito melhor do que todos os outros. Isso já é evidente em Portugal: há muitos players e a maioria deles são muito parecidos. Só faz sentido ter trotinetas elétricas se fizerem parte de uma plataforma maior. Ou seja, ter uma aplicação com trotinetas, ou bicicletas, ou boleias, tudo no mesmo sítio. É isso que queremos fazer em todos estes mercados, incluindo em Portugal.
Tem uma previsão para a data de lançamento?
Ainda não temos uma data para anunciar ou para lançar, mas estamos mesmo a pensar em lançar no futuro.
“No futuro” é, por exemplo, no próximo ano?
Talvez. Daremos mais novidades dentro de alguns meses. Não posso dar mais detalhes, mas creio que vão surgir mais novidades dentro de alguns meses.
Como é que se ganha dinheiro com trotinetas elétricas?
Esse é o ponto: não creio que tenhamos de ganhar dinheiro. Para nós, é um serviço muito importante para a cidade, porque não dá para ter mais carros na cidade. É melhor ter mais bicicletas ou mais trotinetas. É muito mais económico e congestiona menos o trânsito. Isso não significa que tenhamos que gerar lucro com todas as viagens. O que vemos é que existem vários serviços que podemos oferecer gratuitamente, sem termos de gerar lucros, e outros, como as boleias, a serem lucrativos para nós enquanto negócio.
Diz que não é possível ser muito diferente no negócio das trotineta elétricas. Mas a Uber acabou de anunciar que vai ter trotinetas elétricas em Portugal e diferenciou-se pelo preço, que é mais baixo do que a média.
Claro, é isso que quero dizer. Em termos da experiência e da trotineta, é difícil haver diferenciação. Onde é possível haver diferenciação é no preço. Por isso, por termos os dois serviços no mesmo mapa, podemos praticar preços mais baixos, porque não precisamos de criar toda uma organização diferente só para termos as trotinetas elétricas.
O que me está a dizer é que quer ter uma aplicação, por exemplo, com as trotinetas, as boleias e, por exemplo, bicicletas.
Sim, já temos isso em algumas cidades. Sem bicicletas, mas com boleias e trotinetas na mesma aplicação.
Portugal já tem regulamentação para as plataformas eletrónicas de transporte. O que acha dela?
É algo que, no geral, é bom. Desde que haja regulamentação clara, para que o transporte partilhado não esteja numa “zona cinzenta”, onde as pessoas não saibam quais são as regras, mas que conheçam as regras. Portugal tem sido bastante inovador, no sentido de que tem uma regulamentação bastante aberta.
No bom sentido ou no mau sentido?
No sentido de que permite que muitos motoristas que querem fazer este trabalho obtenham uma licença e sigam em frente. Isso é bom: gera mais oportunidades de emprego e, se há mais concorrência, significa que os clientes têm um serviço melhor.
A regulamentação portuguesa levou a que a Bolt tenha de pagar uma contribuição maior para o Estado (de 5% das receitas com cada viagem). Isso teve um impacto grande nas vossas contas?
Qualquer que seja a regulamentação, no final do dia, nós vamos respeitá-la. Nós estamos em várias partes da Europa. Por isso, pagamos impostos locais em todo a Europa.
Qual é o maior desafio para a Bolt atualmente?
É garantir que conseguimos desenvolver bem estes diversos produtos. Isto porque, no transporte partilhado, já somos líderes em África e em alguns países europeus, e isso tem corrido bem. Estamos a tentar fazer o mesmo nas trotinetas. Desenvolver estes produtos é um grande desafio para nós.
Portugal tem sido bastante inovador [ao nível da regulamentação das plataformas eletrónicas], no sentido de que tem uma regulamentação bastante aberta.
A Daimler é um importante investidor na Bolt, mas também investe nas concorrentes Kapten (ex-Chauffeur Privé) e na Free Now (ex-myTaxi). Não há aqui um conflito de interesses?
Penso que é o inverso. Primeiro, eles compraram a myTaxi, depois compraram a Kapten e, depois, investiram em nós. Creio que isso mostra que, talvez, depois de terem comprado essas empresas, viram que era uma aposta melhor investir em nós separadamente enquanto um player líder na Europa.
Mas estão a competir com uma empresa que também está no portefólio de um dos vossos maiores acionistas. Isso não é um problema?
Não vemos que seja. No final do dia, se somos capazes de competir com a Uber, acreditamos ser capazes de competir com os outros também. Desde que ofereçamos um serviço melhor para os clientes, isso é o que interessa.
Há um IPO (entrada em bolsa) no horizonte?
Não no curto prazo.
É um objetivo para o médio ou longo prazo?
Por sermos tão eficientes em termos de custos, não estamos com pressa para angariar capital no imediato. Isso dá-nos alguma flexibilidade. Por isso, podemos escolher comandar a empresa como estamos a fazer, sem estarmos dependentes de investidores neste momento.
É um empreendedor e começou muito cedo, ao fundar ao Bolt com 19 anos de idade. Devo perguntar: como vê a ascensão e queda da WeWork?
Vai ao encontro do que estava a dizer com o ser-se eficiente nos custos. A WeWork, em si, não tem um mau modelo de negócio, no sentido de que subalugar pequenos espaços para escritórios a muitas empresas é algo que cria muito valor. E isso é um modelo de negócio. O problema é que essa empresa em particular teve os seus problemas em termos de operações e de despesas, mas isso não significa que o modelo de negócio esteja errado. É exatamente o mesmo no transporte partilhado: há muito valor a ser criado pelas plataformas eletrónicas, desde que essas empresas sejam bem geridas. É isso que tentamos atingir e sermos diferentes.
Vai ser mais difícil angariar capital doravante?
Na verdade, é o inverso. O que vemos é que os investidores estão a começar a querer empresas que sejam eficientes nas despesas. A Bolt é a empresa que mais rápido cresce e a mais eficiente nos custos em todo o mundo no setor do transporte partilhado. Isso é muito atraente.
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“Somos lucrativos em todas as viagens em Portugal”, diz o fundador da Bolt
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