Chairman da Altice suspendeu funções depois das buscas da "Operação Picoas". Conheça o gestor que deu a liderança à dona da Meo, foi promovido ao topo de grupo e sai agora (por tempo indeterminado).
Nascido a 26 de abril de 1974, um dia após a Revolução, Alexandre Fonseca, 49 anos, ganhou notoriedade por ter “revolucionado” a liderança da Altice Portugal, até chegar, no ano passado, à cúpula internacional do grupo. Esta segunda-feira, depois de ter sido alvo de buscas do Ministério Público, no âmbito da “Operação Picoas”, a mesma que levou à detenção do cofundador da Altice, Armando Pereira, o gestor e engenheiro decidiu suspender funções para, garante, “proteger os interesses” da empresa. Mas os investidores já estão a penalizar a companhia: as obrigações emitidas pela Altice USA com maturidade em 2028 caíram 7,1 cêntimos em relação ao valor nominal (1 euro), para 56,8 cêntimos, a maior queda diária desde março de 2020, segundo a Bloomberg.
Quem é Alexandre Fonseca? E como chegou aqui? Até 2017, ano em que foi promovido a presidente executivo (CEO) da PT Portugal (nessa altura, já detida pelo grupo Altice, que é controlado pelo multimilionário Patrick Drahi e tem como sócio Armando Pereira), poucos conheciam o seu nome fora do setor das telecomunicações. Alexandre Fonseca estava a destacar-se como administrador com o pelouro tecnológico (CTO) e, antes disso, já tinha currículo em gestão no mesmo setor: foi CTO da Cabovisão, CEO da Oni e CEO da Oni Moçambique.
Em 2015, a Altice foi forçada a vender a Cabovisão e a Oni, alienando estes ativos aos franceses da Apax, numa condição imposta pelas autoridades para viabilizarem a compra da PT Portugal à brasileira Oi. Na altura, o negócio foi avaliado em 7,4 mil milhões de euros. Com a operação, Alexandre Fonseca transitava oficialmente do universo Cabovisão, que ajudou a fundar, para o universo da Altice.
A combatividade e a assertividade ajudaram-no a conquistar influência e espaço mediático enquanto foi CEO da Altice Portugal, raramente fugindo às perguntas dos jornalistas e produzindo soundbytes que acabavam, na maioria das vezes, nos títulos das notícias. Sempre de camisa aberta e de crucifixo ao peito — acessório que, aliás, se tornou icónico da sua imagem –, Alexandre Fonseca aproveitava todas as intervenções públicas para promover entusiasticamente a Altice e atacar as principais forças opositoras à empresa. Principalmente, na pessoa do presidente da Anacom, João Cadete de Matos, uma espécie de arquirrival (e que está a menos de um mês do fim do mandato).
A relação entre ambos azedou como leite e atingiu níveis estratosféricos entre 2018 e 2021, sobretudo durante o processo do leilão do 5G. As suas posições mais duras seriam, precisamente, contra o presidente da Anacom, na reta final de 2019. Nesse ano, instou o Governo a demitir Cadete de Matos (o que, não sendo impossível, seria muito difícil), chamando-lhe “autista” e responsabilizando-o pelos dramas do setor: “O problema é o responsável da Anacom hoje. É um líder da área de regulação que passa o tempo entretido a encontrar artefactos para puxar este setor para baixo.”
“Alguém à frente do regulador está chateado com a vida. É completamente autista. Estamos perante um regulador que não tem visão estratégica”, disse no magno congresso das telecomunicações. Um ano depois, a situação tornou-se insuportável, levando a Altice Portugal, sob a liderança de Alexandre Fonseca, a tomar uma decisão inédita (e, em bom rigor, impraticável): “Sentimo-nos completamente legitimados em suspender, a partir de agora, qualquer relacionamento institucional com a Anacom, que não o que obriga a lei”, anunciou a dona da Meo num comunicado.
De Lisboa para Nova Iorque
Em março de 2022, com o 5G finalmente no terreno, a Altice Portugal anunciou o fim de um ciclo: em abril desse ano, Alexandre Fonseca passaria a chairman da empresa e a co-CEO do grupo a nível internacional, sendo substituído em Portugal por Ana Figueiredo (numa fotografia mais abaixo), então CEO da Altice na República Dominicana. Alexandre Fonseca ficava, assim, com via aberta para uma carreira internacional, sempre ladeado pelo seu assessor e braço-direito de longa data André Figueiredo (segundo o Observador, “amigo” de José Sócrates e referido 173 vezes na acusação da “Operação Marquês”).
Quais foram as contas desse ano, ainda no consulado do gestor? A dona da Meo alcançou um lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (EBITDA) de 906 milhões de euros, uma melhoria de 6,2% face ao ano anterior. Enquanto isso, as receitas subiram 13,7% e atingiram os 2.629 milhões de euros. E a liderar em quota de mercado o setor das telecomunicações.
Com mais uma promoção interna, Alexandre Fonseca passou a dar cartas lá fora, frequentemente recorrendo às redes sociais para partilhar momentos da vida social e fotografias da vista da sede da Altice nos EUA: “New York… a chegar ao escritório para mais uma semana de trabalho com a Altice USA. Vamos a isto que a sorte dá muito trabalho!”, escreveu em maio no Instagram, para legendar um conjunto de fotografias da cidade norte-americana. E a sua conta no Instagram é seguida de muito perto no setor. Manteve a condição de chairman da Altice Portugal, sem ser claro se mantinha um alinhamento total com a nova CEO, Ana Figueiredo, que veio da República Dominicana e, antes, tinha trabalho de forma muito próxima com Drahi.
Apesar da presença nas redes, Alexandre Fonseca mantém reserva sobre a sua vida mais privada. Em 2020, já depois da pandemia, revelou ter um filho, mas manteve em segredo as suas origens: “A terra dos meus avós e dos meus pais, numa localidade no interior rural do nosso país, proporcionaram-me momentos muito felizes, que trago comigo na memória. Hoje tenho a oportunidade de partilhar com o meu filho e com a minha família um cenário muito pitoresco e calmo, sempre em contacto com a natureza. Por ser tão especial para mim, não partilho a localização deste destino… A terra dos meus avós e pais vai continuar em segredo…”, disse, numa entrevista pessoal para uma rubrica do ECO.
Talvez por isso, e apesar das responsabilidades internacionais, Alexandre Fonseca nunca deixou de olhar para Portugal. Em junho, deslocou-se a Aveiro para comemorar o aniversário da Altice Labs, a que tantas vezes, recorrendo ao vocabulário bélico, apelidou de “quartel-general” de inovação da empresa. Nessa ocasião, traçou uma linha entre o papel que desempenhava no passado e o que desempenhou até agora, sublinhando, por diversas vezes, falar em nome da Altice internacional e não apenas da dona da Meo.
Mas o seu discurso não passou despercebido, tendo aproveitado para falar de política e criticar o que chamou de decisões “erráticas” que inibem o investimento; o Código do Trabalho em Portugal, que “não funciona”; e até a decisão do Governo de descontinuar as Parcerias Público-Privadas (PPP) na Saúde. Nas telecomunicações, foi ainda mais além do que a CEO da Altice Portugal, ao confirmar aos jornalistas aquilo que já todos suspeitavam — que a decisão portuguesa de expulsar a Huawei do 5G no país é mais agressiva que as que foram tomadas noutros países.
À margem do evento, o ECO perguntou diretamente ao gestor se tem ambições políticas. Respondeu que “não” e elaborou: “Gosto muito de política. Sempre acompanhei desde muito jovem a política. Respeito muito quem dedica a sua vida à causa pública, porque em Portugal, de facto, ser político também não é fácil, seja qual for o quadrante ideológico. E respeito muito os políticos. Mas sou gestor. Gosto muito daquilo que faço e é esse o caminho em que quero continuar.”
Fonseca alvo de buscas
Menos de dois meses depois, a história de sucesso deu lugar a suspeitas envolvendo os negócios de altas figuras da empresa, num caso que até apanhou o sempre reservado cofundador da Altice, Armando Pereira. Na quinta-feira passada, as autoridades saíram à rua e diligenciaram buscas em múltiplas localizações ligadas ao universo Altice, incluindo a quinta de férias de Armando Pereira, e, noticiou o ECO, a residência particular de Alexandre Fonseca (que, segundo uma fonte judicial, “seguramente” deverá ser constituído arguido).
As buscas conduziram à detenção de várias pessoas além de Armando Pereira, entre elas Hernâni Vaz Antunes, parceiro de negócios do cofundador da Altice, que se entregou no fim de semana às autoridades. Também já detidos nessa operação foram Jéssica Antunes, filha de Hernâni Vaz Antunes, e o economista Álvaro Gil Loureiro. Todos deverão ser identificados perante o juiz Carlos Alexandre no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, e prestar declarações em interrogatório. Armando Pereira, que passou o fim de semana no calabouço, ainda espera saber quais vão ser as medidas de coação que lhe serão aplicadas.
Além disso, na segunda-feira, o Correio da Manhã noticiou alguns dos supostos contornos da “Operação Picoas”, nomeadamente que Alexandre Fonseca terá pago “preço de saldos” por uma casa de luxo. De acordo com o jornal, em janeiro de 2019, uma empresa controlada por Hernâni Vaz Antunes, outro dos nomes envolvidos neste processo, adquiriu uma moradia de luxo na linha de Cascais por um milhão de euros e, dois meses depois, vendeu-a a Alexandre Fonseca por 1,05 milhões. Citando o Ministério Público, a notícia refere, porém, que Alexandre Fonseca terá pago apenas uma parte deste preço, suspeitando-se que tenha sido uma vantagem alegadamente indevida como contrapartida da suposta colaboração do gestor.
Com a pressão a aumentar, Alexandre Fonseca anunciou na segunda-feira de manhã a decisão de suspender funções, as executivas e as não-executivas, para “proteger os interesses” da Altice. “De acordo com esta decisão, Alexandre Fonseca pretende de forma inequívoca proteger os interesses do grupo Altice, e todas as suas marcas, num processo que é público onde, aparentemente, são indiciados atos a investigar ocorridos no período em que este exerceu as funções executivas de presidente da Altice Portugal”, anunciou a companhia em comunicado, frisando que esta “postura” representa um “ato responsável no caminho para o cabal esclarecimento da verdade”. Mas também inevitável tendo em conta as suas funções como chairman da empresa cotada nos EUA – e exposta ao escrutínio do poderoso regulador de mercado americano, a SEC — num mercado com investidores ativistas.
Ao final do dia desta segunda-feira, Alexandre Fonseca fez as suas primeiras declarações em discurso direto, na rede social LinkedIn: “Quero reiterar que, por completamente alheio ao que tem vindo a ser publicamente veiculado no âmbito do processo em curso, irei exigir a clarificação de todos os factos e, assim, proteger a minha integridade, bom nome e o meu currículo publicamente reconhecido e valorizado“. “Esta é uma decisão que o grupo Altice aceita e valoriza, pois auxilia a salvaguarda da prossecução da sua atividade empresarial e promove a defesa dos princípios da transparência e da inequívoca colaboração no apuramento dos factos”, acrescentava o comunicado da Altice, horas antes.
Este fim de semana, já depois das buscas, Alexandre Fonseca tinha reaparecido nas redes sociais, desta vez para destacar algumas fotografias tiradas no fim de semana por ocasião do Festival Meo Marés Vivas, em Vila Nova de Gaia. Entre elas está uma fotografia com o artista Carlão. Alexandre Fonseca saiu de cena, pelo menos temporariamente. Mas estará a prepara-se para outra “revolução”, judicial, mais difícil de ultrapassar do que aquela que enfrentou quando assumiu a liderança da Altice Portugal. Agora, perante os indícios já conhecidos, vai ter de construir um cerco sanitário que o proteja do que vier a ser provado em relação a Armando Pereira, um dos homens que lhe abriu as portas do grupo.
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Alexandre Fonseca, o filho da Revolução que mudou a Altice
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