PSP tem instruções para multar motoristas da Uber e Cabify
A polícia elaborou um parecer interno que conclui que a Uber e a Cabify estão ilegais pela lei em vigor, sabe o ECO. Internamente há instruções para autuar quem transporte passageiros sem alvará.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) tem um parecer técnico que conclui “que os serviços Uber, Cabify ou outros análogos” estão ilegais “até que seja publicado e entre em vigor o diploma que regulamentará estes serviços”. O texto, que terá sido difundido internamente a 16 de janeiro a partir do Comado Metropolitano do Porto, foi elaborado pela Divisão de Trânsito “após análise e discussão com várias entidades”, tais como o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e a Direção Nacional da PSP (DN), sabe o ECO.
Em causa, a sexta alteração ao decreto-lei que regulamenta o mercado e a atividade dos transportes em táxi. A alteração veio reforçar “as medias dissuasoras da atividade ilegal” no setor e foi publicada a 21 de novembro do ano passado. Partiu de uma proposta do Partido Comunista Português (PCP), onde, além do aumento do valor das coimas, se lê que a lei passa a aplicar-se também “à prática de angariação, com recurso a sistemas de comunicações eletrónicas, de serviços para viaturas sem alvará”. É o caso dos automóveis da Uber e Cabify.
No parecer da PSP, a que o ECO teve acesso, consta não só a justificação legal para a aplicação de coimas aos motoristas e parceiros das plataformas, como também os procedimentos para os agentes da PSP fiscalizarem e autuarem quem exerce este tipo de atividade. Anexados a ele foram também difundidos quatro documentos: um ofício datado de dezembro de 2015 com as orientações para depositar estas verbas (das coimas) à ordem do IMT, a entidade pública que recebe os valores cobrados mediante esta lei; uma cópia da lei aprovada em novembro; uma cópia do Regime Geral das Contraordenações; e um modelo de notificação ou auto de apreensão a preencher pelos agentes da PSP.
Como o ECO noticiou em primeira mão esta semana, os motoristas da Uber e da Cabify, por intermédio da recém-criada Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transporte (ANPPAT), pediram “uma reunião de caráter urgente” ao diretor nacional da PSP, devido àquilo que consideram ser uma “situação deveras lamentável” de “uma autêntica perseguição às viaturas afetas” a estas plataformas. Ao que o ECO apurou junto do presidente da associação, João Pica, o pedido já foi registado pela PSP, mas ainda não teve resposta oficial.
PSP rejeita acusações de perseguição
O ECO contactou a PSP, que “recusa qualquer alegado ‘aumento’ de autuações”. Fonte do Gabinete de Imprensa e Relações Públicas da PSP explicou que, “até novembro de 2016 não existia o atual enquadramento legal, pelo que obviamente não existiam autuações”. O enquadramento a que a PSP se refere é, novamente, a alteração legislativa cuja interpretação do parecer técnico aponta para a ilegalidade da Uber e da Cabify. Até esta quarta-feira, dia do contacto do ECO, tinham sido “elaborados 131 autos de contraordenação” ao abrigo desta alteração legislativa, avançou a PSP.
Em relação a esse parecer, a PSP indica que “o documento em questão não determina em momento algum que a operação se centre em operadores específicos”, mas que “pretende apenas esclarecer o efetivo [da polícia] sobre os procedimentos e enquadramento a adotar sobre esta matéria específica e sobre estes operadores específicos [Uber e Cabify]”. É, explica a mesma fonte, um “procedimento comum sempre que ocorrem alterações legislativas, em qualquer das inúmeras matérias e atividades sujeitas à fiscalização da PSP”.
A polícia conclui, indicando que “algumas das operações no âmbito do transporte de passageiros foram realizadas em conjunto com o IMT, entidade responsável pela decisão contraordenacional nesta matéria”.
Face a este regime legal, os motoristas e parceiros da Uber e da Cabify enfrentam coimas que podem ir dos 2.000 a 4.500 euros para pessoas singulares, ou 5.000 a 15.000 euros para pessoas coletivas. O ECO teve acesso a pelo menos um auto de contraordenação aplicado a um motorista da Uber onde o agente da PSP descreve como este “efetuava o transporte de um passageiro” recorrendo a “sistemas de comunicações eletrónicas sem que possuísse alvará para o exercício da atividade”.
Regulamentação deve avançar em breve
Recorde-se que a regulamentação da atividade da Uber e da Cabify é um assunto que está para avançar em breve. A proposta de lei foi aprovada em Conselho de Ministros a 22 de dezembro e chegou ao Parlamento na semana passada. Entre outras coisas, prevê uma formação de pelo menos 50 horas e a obrigatoriedade de um certificado de motorista para os condutores ao serviço destas plataformas.
A proposta de lei obriga ainda a que os motoristas tenham carta de condução há mais de três anos e a que os automóveis tenham um limite máximo de sete anos de idade a contar desde a primeira matrícula. Além disso, os taxistas detentores de Certificado de Aptidão Profissional (CAP) poderão trabalhar ao serviço destas plataformas, sem que, para isso, tenham de se submeter a formação adicional. No entanto, a proposta não prevê limites para o número de automóveis a circularem nas cidades. Esta é uma das linhas vermelhas traçadas pelos responsáveis do setor dos táxis, que já garantiram ao ECO que não vão ceder neste aspeto.
A discussão parlamentar deverá arrancar em breve e, como o ECO avançou esta semana, a associação de parceiros da Uber e da Cabify já tem reuniões marcadas com os grupos parlamentares do Bloco de Esquerda e do PCP. Quanto à PSP, quando for aprovada nova legislação, as instruções atualmente em vigor deixarão de ser aplicáveis: “Assim que seja publicado e entre em vigor o diploma que regulamentará os transportes efetuados a partir de sistemas/plataformas eletrónicas e estes cumpram os quesitos de acesso à atividade”, a atual lei que justifica a aplicação de coimas “deixará de ser aplicável a este tipo de serviços, sendo que na altura serão difundidas novas instruções”, lê-se na documentação.
Lei não afeta só a Uber e a Cabify
A alteração à lei, na origem desta polémica, pode ter efeitos muito para além da atividade das novas plataformas de transporte. No parecer técnico que está na posse da PSP, enumeram-se outros “serviços de transporte” que “poderão violar” a lei nos termos atualmente estipulados. Entre eles, “os serviços prestados pelas empresas a operar os denominados shuttle, desde o Aeroporto Francisco Sá Carneiro”, ainda que a ANA (Aeroportos de Portugal) tenha “criado locais próprios de espera e de paragem para estes veículos”.
Mas não são os únicos. A lei pode ainda afetar “o aluguer de limusines e viaturas antigas/históricas para casamentos ou outras festividades”, “as viaturas a operar nos hotéis da cidade do Porto e até mesmo os automóveis contratados para cimeiras e eventos à escala europeia”. Em causa, o transporte de passageiros “sem o alvará” legalmente necessário para esse efeito.
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