Porta-giratória: entra público, sai privado
A contratação de Carlos Albuquerque, ex-diretor de Supervisão do Banco de Portugal, para a Caixa Geral de Depósitos é só a última polémica sobre a troca do terreno público pelo privado. Mas há mais.
Entra ministro, sai empresário. Entra supervisor, sai banqueiro. Ou entra banqueiro e sai supervisor. A vida de quem exerce cargos de topo no setor público é agitada. E por isso não faltam casos de contratações polémicas entre público e privado. A mais recente é a saída de Carlos Albuquerque da direção do departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal, para a administração da Caixa Geral de Depósitos. Mas está longe de ser a única. O ECO recorda-lhe mais dez casos que deram que falar.
Carlos Albuquerque: da supervisão para a Caixa
Carlos Albuquerque deixou as funções de diretor do Departamento de Supervisão do Banco de Portugal a 31 de janeiro. Porquê? Porque foi convidado por Paulo Macedo — ex-ministro da Saúde, ex-diretor-geral dos Impostos, ex-vice-presidente do BCP e atual presidente da Caixa Geral de Depósitos — para a administração da CGD.
O regulador aceitou a saída de Albuquerque, mas exigiu o cumprimento de um período de nojo, com duração de pelo menos seis meses, antes de o gestor iniciar funções no banco público. A ideia é que a informação confidencial a que teve acesso nas suas funções de vigilância da saúde financeira dos bancos (e, portanto, de toda a concorrência da Caixa) perca atualidade.
Durante este período de “cooling off”, conforme lhe chamou Paulo Macedo, Carlos Albuquerque vai trabalhar “num projeto externo de solidariedade social, ligado ao tema do sobre-endividamento”, adiantou o Banco de Portugal. O nome do gestor tem ainda de ser aprovado pelo BCE.
Esta não é a primeira vez que Albuquerque troca de campo: antes de entrar no Banco de Portugal, o gestor estava no BCP, onde foi responsável pelo sistema de controlo interno. Foi aqui que conheceu Paulo Macedo.
Luís Costa Ferreira: da consultoria para a supervisão
É um efeito colateral da saída de Carlos Albuquerque. E que é, ele próprio, polémico. Luís Costa Ferreira já tinha sido diretor do Departamento de Supervisão Prudencial do Banco de Portugal. Abandonou o cargo em 2014, para ir para a PwC. Já nesta altura a sua contratação pela consultora gerou polémica, porque a PwC foi escolhida pelo regulador para auditar o Novo Banco, na sequência da medida de resolução do BES.
Costa Ferreira foi acompanhado por Pedro Machado, então diretor-adjunto do mesmo departamento no banco central. Enquanto esteve na consultora, liderou a equipa que trabalhou, por exemplo, com a Caixa Geral de Depósitos, o Montepio, o BPI ou o Haitong Bank, foi revelando a imprensa.
Agora, regressa ao cargo de diretor do Departamento de Supervisão do Banco de Portugal e volta a supervisionar instituições que esteve a auditar.
José de Matos: da supervisão para a banca
Entra na lista não por ter gerado grande polémica, mas por ser outro exemplo da passagem do Banco de Portugal para a banca. José de Matos era vice-governador do banco central quando foi escolhido por Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar — primeiro-ministro e ministro das Finanças do Governo PSD/CDS-PP — para presidir à Caixa Geral de Depósitos.
Conforme mostra o seu perfil do Linkedin, José de Matos saiu do BdP em julho de 2011 e entrou direto na Caixa Geral de Depósitos. Contudo, importa sublinhar que José de Matos não tinha o pelouro da supervisão enquanto esteve no BdP. Na Caixa, a sua missão era liderar o banco público durante a aplicação do programa de resgate da troika. Esteve no cargo até agosto de 2016. E em setembro do ano passado regressou ao Banco de Portugal, como consultor.
Maria Luís Albuquerque: do Governo para os negócios
Maria Luís Albuquerque assumiu a pasta das Finanças em 2013, na sequência da demissão de Vítor Gaspar. Enquanto fez parte do Executivo de Passos Coelho, a ex-ministra teve a tutela, por exemplo, do dossier do Banif. Cerca de dois anos depois, no final de 2015, saiu do Governo — e passados três meses já estava na calha para assumir funções na Arrow Global, uma empresa que gere crédito malparado.
A contratação de Maria Luís Albuquerque também gerou polémica polémica porque a ex-ministra tinha sido eleita como deputada da Assembleia da República — funções que queria manter. O caso foi avaliado pela comissão parlamentar de Ética, mas não foram identificadas incompatibilidades. O parecer da comissão foi aprovado pelo PSD e CDS (os dois partidos que se tinham coligado na legislatura anterior para suportar o Governo de que Maria Luís fez parte). O PS absteve-se e o PCP e o BE votaram contra.
Um dos pontos em análise foram os benefícios fiscais concedidos a três empresas do grupo da Arrow Global: a Whitestar, Redrock e Gesphone. Contudo, ficou demonstrado que os benefícios foram todos automáticos e regulares. Outro foi o facto de o Banif ter feito negócios com a gestora de crédito malparado durante o período em que Albuquerque tutelava a pasta das Finanças. A ex-ministra garante que só conheceu a Arrow em dezembro de 2015, já depois de ter saído do Governo.
Ferreira Leite: das Finanças para o Santander de Negócios
Assumiu as funções de administradora não executiva do Banco Santander de Negócios, em 2006, dois anos depois de ter saído do cargo de ministra das Finanças. Foi coordenar a área de research macroeconómico do banco.
As novas funções geraram polémica porque o Governo tinha concedido ao Santander, pouco tempo antes de Ferreira Leite sair de funções, um regime de neutralidade fiscal à reestruturação do grupo Totta. Esteve no banco durante um ano e depois saiu para liderar o PSD.
Carlos César: de governante a consultor
Quando a polémica da contratação de Maria Luís Albuquerque para a Arrow estalou, o caso foi comparado à situação de Carlos César e das suas relações com a Globestar, como contou o Observador. O ex-presidente do governo regional dos Açores saiu do cargo em outubro de 2012. Cerca de 14 meses depois, em janeiro de 2014, foi contratado como consultor da Globestar Systems Unipessoal. Esta empresa tinha fechado seis contratos com o governo regional dos Açores, por ajuste direto, dois dos quais durante a liderança de Carlos César. Mais tarde, já com Carlos César como consultor, a Globestar voltou a conseguir contratos com o governo regional dos Açores.
Perante a comparação deste caso ao de Maria Luís Albuquerque, o gabinete de imprensa do PS frisou que as funções de Carlos César não incluíam negócios com os Açores e notou que a Globestar Systems Unipessoal é detida pela Globestar System Inc, detida por um açoriano, David Tavares.
Jorge Coelho: de ministro a empresário
O antigo ministro de Estado e do Equipamento Social de António Guterres foi muito criticado por ter assumido a presidência executiva da Mota-Engil, uma construtora que tinha celebrado vários contratos com o Governo de que Jorge Coelho fez parte. Jorge Coelho demitiu-se do Governo em 2001, na sequência da tragédia de Entre-os-Rios. Coordenou a campanha eleitoral do PS às legislativas de 2005 e assumiu a presidência da Mota-Engil em 2008.
Vítor Gaspar: de vigiado a controlador
Foi o ministro das Finanças que marcou os primeiros anos do resgate da troika em Portugal — negociou com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional a aplicação do memorando à economia nacional. No verão de 2013, demitiu-se de funções. Menos de um ano depois foi para o FMI, para diretor do departamento de Assuntos Orçamentais. O caso gerou polémica.
Joaquim Pina Moura: do governo para uma energética
Joaquim Pina Moura foi ministro da Economia e das Finanças no Governo de António Guterres. Enquanto ministro, reestruturou o setor energético, tendo promovido a entrada da empresa espanhola Iberdrola no capital da Galp. Depois de o Executivo de Guterres ter caído, Pina Moura assumiu a presidência da Iberdrola em Portugal.
Ferreira do Amaral: de ministro a gestor
Enquanto ministro das Obras Públicas, nos governos de Cavaco Silva, Ferreira do Amaral negociou com a Lusoponte a concessão da Ponte Vasco da Gama. Depois, foi liderar a Lusoponte. Já tinham passado doze anos desde que Ferreira do Amaral tinha assumido funções públicas, mas mesmo assim o ex-governante não se escapou da polémica.
“Quanto tempo se devia esperar: 20, 25 anos? Penso que se trataria de um caso em que era negado o direito ao trabalho”, disse, quando confrontado com o assunto, em 2013, numa audição da comissão parlamentar de inquérito às parcerias público-privadas.
Durão Barroso: da Comissão para o Goldman Sachs
Ao fim de dez anos, Durão Barroso saiu da presidência da Comissão Europeia para presidente não executivo do conselho de administração do Goldman Sachs International, o ramo que opera fora dos Estados Unidos. Além disso, também presta consultoria ao banco de investimento para o mercado norte-americano e acompanha os impactos do Brexit.
A contratação de Durão Barroso foi feita depois de o período de nojo ter sido cumprido (o mínimo são 18 meses) mas gerou muita polémica. O caso foi avaliado pela Comissão Europeia e o presidente Jean-Claude Juncker decidiu deixar de receber Barroso como ex-presidente e passar a considerá-lo como lobista.
Conforme foi revelado pelo Público, há emails que demonstram a proximidade do presidente do Goldman Sachs a Durão Barroso, desde os tempos em que liderava a cena política de Bruxelas. Os documentos mostram que o banco internacional fazia sugestões de alterações às políticas da União Europeia.
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