O populismo anda por aí. É uma ameaça aos mercados?
Os maiores bancos de investimento aconselham os investidores a apostarem nas ações europeias, considerando que as boas perspetivas económicas mais do que compensam os riscos políticos na região.
O populismo muito provavelmente irá fazer parte da lista de expressões selecionadas para a eleição da “palavra do ano” na Europa, em 2017. Após a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, numa campanha pautada pelo slogan “Make America Great Again”, a onda do populismo cruzou o Atlântico para marcar a agenda eleitoral dos países europeus que já foram ou ainda vão a votos, este ano.
Depois do “não” ao populismo nas últimas eleições legislativas da Holanda, chega a vez de em França ser testado o apetite dos eleitores pela bandeira populista erguida pela candidata presidencial de extrema-direita, Marine Le Pen. Há quem receie as consequências económicas e sociais de uma eventual vitória de Marine Le Pen. E os mercados? Como veem e lidam com o ressurgimento desta onda populista? Não apreciam, mas não parecem estar muito preocupados. Os bancos de investimento estão mesmo a apostar numa escalada das ações europeias.
Populismo e estagflação
A implementação de políticas populistas tende a não ser boa nem para a saúde das economias nem dos mercados. O mais certo é que medidas como a restrição ao comércio ou à migração tendam a conduzir ao temido fenómeno da estagflação. Ou seja, a períodos em que a inflação sobe, mas acompanhada pelo aumento do desemprego e de um lento crescimento da economia, o que acaba por não ser uma combinação muito favorável aos mercados. “Uma maneira de olhar para isso é pensar o populismo como uma reversão da globalização. É encarar uma economia mundial com muitas mais restrições ao comércio e à mobilidade laboral”, dizem os economistas da Schroders.
Uma maneira de olhar para isso é pensar o populismo como uma reversão da globalização. É encarar uma economia mundial com muitas mais restrições ao comércio e à mobilidade laboral.
Num ambiente dominado pelo populismo, a tendência é para que em vez de tirarem partido da especialização e das economias de escala, as indústrias “encolham” de volta à dimensão doméstica. Em resultado, a produtividade abranda ainda mais, com as empresas a enfrentarem maiores dificuldades para captar mão-de-obra, mas também os inputs necessários para a sua atividade. A pressão para uma subida dos salários também é maior, penalizando as margens das empresas.
Qualquer destes fenómenos acaba por ter um impacto negativo nos resultados empresariais, afetando o desempenho bolsista das empresas e dos mercados acionistas em geral. Algo que os mercados não parecem recear no atual contexto europeu.
Bolsas ao largo do populismo
Recuando quase seis meses até às eleições presidenciais norte-americanas, apesar de ter surpreendido uma vasta audiência, a vitória de Donald Trump não impediu que os principais índices bolsistas norte-americanos tivessem assinalado novos recordes históricos. Entre o dia 8 de novembro e o novo recorde histórico de 2.395,96 pontos estabelecido a 1 de março deste ano, o índice bolsista norte-americano S&P 500 disparou 12%, um desempenho que terá sido apoiado na confiança relativamente ao seguimento de uma política expansionista nos Estados Unidos que incluía um forte aumento dos gastos governamentais.
Um cenário que começou a esmorecer ainda antes de terem falhado os planos de Donald Trump em substituir o Obamacare por um programa de saúde desenhado pela sua administração. Essa falência levantou dúvidas se o novo residente da Casa Branca seria capaz de cumprir com as suas promessas eleitorais, o que coincidiu com um período em que as ações norte-americanas recuaram.
Principais mercados de ações desde a eleição de Trump
Fonte: Bloomberg
Mas segundo a Schroders a forte subida das ações norte-americanos nos meses que se seguiram às presidenciais norte-americanas não terá resultado necessariamente do entusiasmo em torno das promessas do novo presidente dos Estados Unidos, mas sim do quadro favorável a um rally que já se começava a desenhar no verão do ano passado. “As políticas populistas aparentam ser boas para os mercados, atendendo à performance das ações depois dos votos do Brexit e de Donald Trump. Contudo, convém notar que as condições para um rally (os sinais expansionistas por parte da Fed e os sinais de recuperação global) já estavam a instalar-se no último verão, antes de qualquer destes dois acontecimentos”, disse recentemente a equipa de economistas da Schroders.
No mesmo período as ações europeias também parecem ter passado ao lado dos receios em torno do populismo. Desde as eleições norte-americanas, até ao máximo de mais de dois anos (381,9 pontos) registado a 12 de abril, o índice bolsista de referência europeu — o Stoxx 600 — somou e seguiu, acumulando uma valorização de 14% nesse período. Pelo meio, passaram as eleições legislativas holandesas ameaçaram mas não provaram danos nos mercados, até porque o voto foi no sentido da manutenção e do virar de costas ao populismo.
É para apostar nas ações europeias
Os riscos políticos não parecem assim preocupar os investidores europeus, com muitos bancos de investimento a anteciparem mesmo que este ano as ações europeias venham a reinar nas carteiras dos investidores. Entre as mais otimistas estão, por exemplo, a JPMorgan, o Goldman Sachs, a BlackRock ou o Bankinter.
"Até há pouco tempo, a política era o fator de maior vulnerabilidade para o mercado. Agora continua a ser uma preocupação, mas claramente menos grave do que antes.”
Isto porque a derrota de Wilders nas eleições da Holanda, no passado dia 15 de março, fez diminuir a probabilidade de uma vitória da Frente Nacional de Le Pen nas eleições francesas, que serão realizadas a 23 de abril e a 7 de maio (primeira e segunda volta), abrindo espaço para focar as atenções no bom desempenho económico da Europa. As mais recentes sondagens reforçam o alívio da pressão sobre os mercados, com o candidato Macron a distanciar-se um pouco de Le Pen rumo à liderança de França.
“Até há pouco tempo, a política era o fator de maior vulnerabilidade para o mercado. Agora continua a ser uma preocupação, mas claramente menos grave do que antes”, acredita o banco espanhol, acrescentando que esta realidade representa uma “melhoria muito importante tanto para o mercado como para o ciclo económico“, com potencial positivo acrescido tanto para os resultados empresariais, como para os indicadores macroeconómicos (ciclo económico) e a liquidez dos mercados diz o Bankinter no seu relatório de estratégia de investimento com as perspetivas para o segundo trimestre de 2017. Os recentes dados favoráveis relativamente à atividade económica no Velho Continente, segundo o Bankinter, vêm “confirmar que a economia europeia continua a ganha tração, aparentemente imune às incertezas de caráter político”.
Vemos um risco ascendente na Europa, onde não esperamos que as eleições irão conduzir aos resultados populistas temidos pelos mercados.
Positiva é também a visão dos especialistas da BlackRock. “Não esperamos que as eleições conduzam aos resultados populistas temidos pelos mercados”, diz a BlackRock. Para além do Japão, as ações europeias são a principal aposta do banco de investimento, justificando a sua preferência por esses mercados no forte potencial de crescimento económico. No mercado europeu, o banco de investimento vê “uma melhoria no outlook de resultados que suporta as empresas cíclicas e as exportadoras, particularmente as industriais e as multinacionais com exposições aos mercados emergentes“.
"O potencial de aproximação da Zona Euro face aos Estados Unidos mantém-se muito forte.”
Já o JPMorgan considera que o desconto das ações europeias face às pares norte-americanas deverá encolher para metade caso o candidato centrista — Emmanuel Macron — seja eleito presidente de França. “O potencial de aproximação da Zona Euro face aos Estados Unidos mantém-se muito forte“, afirmaram os analistas do JPMorgan, salientando a melhoria comparativa dos resultados empresariais, a subida dos PER (rácio preço/lucros) e o euro forte, como fatores atrativos para o investimento na Europa. O Goldman Sachs é outro dos bancos de investimento que aconselha os investidores a virarem costas aos Estados Unidos e a privilegiarem a aposta nos mercados acionistas do velho Continente.
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