Construtoras criticam falta de apoio por parte da banca
A falta de investimento público e de financiamento da banca são os dois maiores problemas do setor da construção. A estes junta-se ainda um terceiro: a falta de mão-de-obra.
O setor da construção está em processo de recuperação, ainda que longe dos números de outros tempos. Mas tem hoje um problema novo pela frente: falta de apoio do sistema financeiro. Depois de ter pago mais de metade da dívida — que chegou a atingir os 40 mil milhões de euros –, o setor queixa-se que a banca não financia — nem pouco, nem muito –, as empresas de construção. As queixas são de tal ordem que os responsáveis máximos pela indústria apontam mesmo este como um dos maiores problemas do setor, a par da falta de investimento público.
Ricardo Gomes, presidente da AECOPS, adianta, em declarações ao ECO, que “o setor foi o que mais reduziu o endividamento à banca, devendo o montante da dívida rondar os 15 mil milhões de euros, mas a banca cortou o financiamento ao setor da construção há uns anos”.
O presidente da AECOPS frisa mesmo: “A banca não financia a contratação pública e vai mesmo deixar cair algumas empresas, o que é mau para o setor porque estamos a falar de empresas com alguma dimensão. Portanto vamos perder capacidades. São empresas com dificuldades de tesouraria e a banca não quer financiar a tesouraria”.
"A banca não financia a contratação pública e vai mesmo deixar cair algumas empresas, o que é mau para o setor porque estamos a falar de empresas com alguma dimensão. Portanto vamos perder capacidades. São empresas que têm dificuldades de tesouraria e a banca não quer financiar a tesouraria.”
No fundo, acrescenta Ricardo Gomes: “O sistema financeiro não quer financiar empresas de infraestruturas, sobretudo as que tiveram problemas com o processo de internacionalização devido às convulsões em alguns mercados externos e que hoje têm dificuldades porque não recebem”. E isto, vaticina, “não terá uma inflexão antes do próximo ano”.
Igual opinião tem Reis Campos, presidente da AICCOPN. “O setor não está a ser ajudado em termos da banca. Apenas recebe uma ajuda indireta através do financiamento que é atribuído ao setor do imobiliário”.
O presidente da AICCOPN diz que “em causa estão questões de natureza de risco”. “A banca considerou, a certa altura, que o setor era de risco e eu acho que era. Mas agora já não é”.
"O setor não está a ser ajudado em termos da banca, apenas recebe uma ajuda indireta através do financiamento que é atribuído ao setor do imobiliário”
Também a questão da amortização da dívida é mais uma vez referida. “Nós devíamos à banca, há cerca de 15 anos, perto de 40 mil milhões de euros. Hoje devemos cerca de 19 mil milhões, portanto pagamos metade do que devíamos”.
Reis Campos reconhece a ajuda ao imobiliário e refere que, nos últimos dois anos, houve um crescimento de crédito à habitação. “Depois de, no ano passado, os novos empréstimos terem crescido 44,3%, este ano o crescimento já vai nos 48%”.
E o que podia fazer a banca para apoiar o setor? Reis Campos não tem dúvidas: “Devia fazer o que fazia antes. O risco é praticamente nulo, qualquer indivíduo que vá pedir dinheiro entrega garantias. E isso está a levar o crédito à habitação para níveis baixíssimos. Façam-no da mesma forma para os construtores. É fundamental que isto se venha a repor”.
Banca estrangeira começa a posicionar-se
Para compensar a “ausência” da banca, Reis Campos diz que podem ser utilizados outros instrumentos financeiros. Reis Campos recorda mesmo as palavras do primeiro-ministro, António Costa, que na semana de reabilitação avançou que o Governo tem vários instrumentos ao serviço do setor. Mas Campos adianta: “Ainda não vi nada, a não ser o Programa Casa Eficiente que já foi aprovado. Na verdade, os 200 milhões do programa ainda não estão disponíveis”.
Mas se a banca portuguesa não está disponível para ajudar o setor da construção, a banca estrangeira começa a dar sinais de querer avançar. Para o presidente da AICCOPN, “já começa a existir alguma banca estrangeira que começa a posicionar-se”. E deixa um aviso aos bancos nacionais: “É altura de os bancos portugueses perceberem que o setor da construção pode ter altos e baixos mas tem de cumprir o seu papel. E é isso que também esperamos da banca”.
Reis Campos garante que “o problema da construção é um problema global”. “O que acontece em Portugal está a passar-se em Inglaterra e em Espanha”.
Segundo dados disponibilizados pela AICCOPN, em 2016 o crédito à construção e imobiliário registou uma quebra de 13,7% para 22,4 mil milhões de euros, o que corresponde a 28,2% do total de crédito às empresas. No primeiro trimestre deste ano, a redução de stock de crédito concedido, em termos homólogos, foi de 14,3%.
Desde 2009, o crédito à construção e imobiliário diminuiu 23,4 mil milhões de euros.
No crédito à habitação, o montante total concedido, em 2016, foi de 96 mil milhões de euros, o que traduz uma redução de 3,7% face ao registado em 2015. No primeiro trimestre deste ano, a redução em termos homólogos era de 3%, mas o valor dos novos créditos concedidos registava um forte aumento. Nos três primeiros meses do ano, os novos empréstimos atingiam o montante de 1,8 mil milhões de euros, mais 48% que o verificado no ano passado.
Falta de investimento público
Dezembro de 2009. José Sócrates, na altura primeiro-ministro, anunciava o vencedor do concurso do TGV Poceirão-Caia. O consórcio Elos – ligações de alta velocidade, liderado pela Brisa e Soares da Costa, foi o vencedor com uma proposta final que apontava para um valor de construção de 1.359 milhões de euros.
Em maio de 2010, José Sócrates dizia que a aposta nas grandes obras públicas era para manter. Por esta altura, além do TGV eram notícia também o novo aeroporto de Lisboa, em Alcochete, e a terceira travessia do Tejo.
O tempo passou e estas grandes obras nunca saíram do papel. Hoje, cerca de sete anos depois, e após a vinda da toika para Portugal, o setor queixa-se da falta de investimento público. Uma situação que pode ser atenuada com um ciclo conjuntural: eleições autárquicas e fundos europeus. E a perspetiva é para que, eventualmente, no final deste ano ou início de 2018, possam existir algumas novidades, mas mais comedidas. As obras megalómanas já não são sequer uma esperança para o setor.
Em 2016, o investimento público ficou abaixo dos 3,5 mil milhões de euros, tendo diminuído cerca de 16,5% face a 2015. Segundo dados do INE, em 2016, o peso do investimento público em percentagem do PIB situou-se nos 1,6%, sendo o valor mais baixo desde 1995.
“Temos uma ausência de investimento na área das infraestruturas”, diz Ricardo Gomes. E deixa um recado ao Governo: “Espero que os objetivos do quadro comunitário possam ser acelerados, porque o ano passado foi retardado deliberadamente para não interferir com o controlo do défice. Por isso é que o investimento público foi o mais baixo de sempre”.
Já Reis Campos prefere destacar que “o investimento público é a componente do investimento que continua a não dar resposta para consolidar uma efetiva retoma sustentada“. O presidente da AICCOPN diz que “estamos a níveis que já não eram vistos há 30 anos”.
Porém, Reis Campos adianta que “começam a surgir alguns sinais positivos”. “Durante os primeiros quatro meses do ano verificámos que, tanto o lançamento de concursos de obras públicas como a contratação efetiva registam crescimentos de 82% e 46%, respetivamente”.
Ainda assim, o presidente da AICCOPN adianta: “O diferencial entre contratos promovidos e celebrados continua a aumentar, situando-se desde janeiro nos 660 milhões de euros. Este valor ascende a 5,7 mil milhões de euros, se considerarmos a evolução ocorrida desde 2011”.
Reis Campos alerta que “o investimento público é essencial enquanto catalisador do investimento privado e o país não pode ficar à margem da restante Europa. O aproveitamento de instrumentos como o plano Juncker ou o mecanismo Interligar Europa é essencial”.
De resto, Reis Campos destaca outro dado importante: apesar de tudo, o setor é responsável por 50,1% do total dos investimentos públicos nacionais. “Continuamos a ter a mesma representatividade que tínhamos dantes em termos de investimento público porque tudo o resto também caiu”.
Reis Campos não tem dúvidas: “O problema maior é a falta de investimento público. Não podem ser só os particulares a investir: um país não pode viver apenas de investimento privado. Até o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, defende o investimento público”.
Apesar deste desabafo, Reis Campos garante não estar a falar de autoestradas. “Estou a falar de aeroportos, de plataformas, de ferrovias e de habitação social. O país pode ter carências, pode ter os seus apertos, mas tem de haver alguma coisa”.
Imobiliário puxa pelo setor
Quem parece renascido das cinzas é o imobiliário. Os agentes do setor não têm dúvidas: “O imobiliário está a puxar pelo setor da construção”. Alicerçado em obras de reabilitação urbana e no boom do turismo, o setor do imobiliário voltou a dar sinais positivos. Só em 2016 terão ocorrido 17,9 mil milhões de euros de transações imobiliárias, uma variação de 19,7% face ao período homólogo.
Em termos de fogos novos licenciados, em 2016 cresceram 36,7%, totalizando os 11.233 habitações novas. No primeiro trimestre do ano, este crescimento acelerou para 47,2%. Números que, contudo, nada têm a ver com anos anteriores.
Reis Campos imputa este crescimento do imobiliário ao “boom turístico” e também ao facto de a banca remunerar mal os depósitos a prazo. “As pessoas perderam a confiança na banca e preferem investir em imobiliário, que depois até arrendam e de onde retiram algum rendimento. A par disto, há o turismo que continua a crescer”.
Dentro do subsegmento do imobiliário, um especial destaque vai para a reabilitação. Em 2016, segundo dados a AICCOPN, foram licenciadas 5.876 obras de reabilitação, um crescimento de 8,1% face às 5.435 licenças emitidas em 2015. Destas, 2.920 obras serão referentes a edifícios habitacionais e 2.956 referentes a edifícios não residenciais. Estes números registaram novo aumento no primeiro trimestre de 2017, tendo o licenciamento de reabilitação crescido 14,6% com a componente de reabilitação de habitação a crescer 19,9%.
Ainda assim, Reis Campos é perentório: “Temos de apostar na reabilitação urbana porque neste momento ainda não temos dinâmica nenhuma.”
E cita outros números. “Fala-se no valor de 38 mil milhões de euros para reabilitação em Portugal. Destes, diria que 23 mil milhões são mesmo necessários. Se fizéssemos cerca de mil milhões por ano teríamos reabilitação para os próximos 20 a 30 anos”.
Atualmente, refere Reis Campos ,”fazemos perto de 600 milhões por ano”. O presidente da associação do setor refuta ainda a ideia de que Portugal esteja a viver uma situação de bolha no imobiliário. “O fenómeno é circunscrito aos centros históricos de Lisboa e Porto, isto não se passa na província”.
Portugal capta investidores estrangeiros
Que o imobiliário está em alta não parece haver grandes dúvidas. Ricardo Gomes diz que a situação é de tal ordem que “se assiste a uma trajetória sustentável da construção civil a dois anos de distância“.
Para Ricardo Gomes, esta procura tem sobretudo a ver “com fatores externos, como os vistos gold mas, sobretudo, com os residentes fiscais não habituais”.
"Temos assistido à chegada de investidores – promotores imobiliários – que realizam grandes operações em Paris e Londres e que estão a entrar em Portugal.”
O presidente da AECOPS adianta que “no passado estes promotores já vinham, é verdade. Mas faziam-no por arrasto de algum fundo ou banco. Agora não: vêm diretamente, abrem filiais em Portugal e geram projetos. São investidores de longo prazo o que, no imobiliário, significa sempre pelo menos cinco a sete anos“.
Ricardo Gomes diz que fala de promotores suíços e franceses que, nos últimos tempos, se têm instalado em Portugal e preconiza: “Estamos a falar de investimentos e focalizados, mas decerto que a atividade irá continuar a crescer em Lisboa (desde Tróia a Cascais), Madeira e Algarve.
De resto, Ricardo Gomes afirma que o setor da construção vive hoje duas realidades. “Por um lado, a construção civil alicerçada em empresas mais pequenas que se dedicam à construção de prédios, muito apoiada no ‘boom’ do turismo, e que vive uma dinâmica forte. E uma parte, a das infraestruturas com uma dinâmica ainda fraca”.
Emprego e falta de mão-de-obra
No emprego, os progressos são também notórios. Os dados do primeiro trimestre deste ano mostram um crescimento de 5,6% dos trabalhadores do setor, quando comparado com igual período do ano anterior, para os 303,7 mil.
Segundo a Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas, “o primeiro trimestre de 2017 revelou-se o melhor trimestre inicial dos últimos cinco anos”.
“O aumento do número de trabalhadores da construção neste período, mais 16 mil, representou 11% do acréscimo do emprego total da economia, o qual evoluiu de forma positiva até março: 3,2%”, pode ler-se no comunicado da FEPICOP. A par da criação de emprego, têm sido igualmente registados decréscimos no desemprego (uma quebra de 18,2% em termos homólogos) e na taxa de desemprego, que terá caído para o valor mais baixo desde 2011, para os 10,1%.
Ricardo Gomes refere: “É um facto que o emprego está a subir muito suportado pela construção civil”. E acrescenta: “De resto, hoje já começa a haver falta de mão-de-obra nalgumas áreas de especialização, sobretudo nas que requerem mais acabamentos”.
A situação começa a tomar proporções alarmantes, a ponto de o presidente da AECOPS elencar a falta de mão-de-obra como um dos principais problemas do setor.
Uma opinião partilhada pelo presidente da AICCOPN, que sublinha: “Já começa a notar-se, sobretudo nalgumas áreas, até porque muitas pessoas com a crise do setor optaram por ir para fora”.
“Este setor perdeu 260 mil trabalhadores e 37 mil empresas desde 2010. Portanto o que constatamos é que fomos o setor que mais contribuiu para o desemprego no passado e que, agora, é um dos setores que mais está a crescer em termos de emprego. Hoje temos cerca de 625 mil trabalhadores, mais do que a Função Pública”, sublinha Reis Campos.
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