Prova dos 9: Banca está a facilitar na concessão de crédito?

Banco de Portugal alertou para o aumento dos empréstimos às famílias para compra de casa e pondera obrigar os bancos a usar critérios de avaliação mais apertados. Carlos Costa tem razão neste alerta?

O Banco de Portugal está preocupado com a evolução do crédito às famílias, e em específico para a compra de casa, ponderando agir no sentido de obrigar os bancos a usarem critérios de avaliação mais exigentes na concessão. O alerta é deixado pela entidade liderada por Carlos Costa, no Relatório de Estabilidade Financeira publicado na quarta-feira, onde diz que está preocupada com os riscos que tal pode acarretar sobre o nível de endividamento das famílias e sobre o sistema financeiro português.

“Importa assegurar que as atuais dinâmicas do crédito à habitação e da economia, em particular do mercado imobiliário, não comprometam a redução do ainda elevado rácio de endividamento dos particulares e não promovam a acumulação de risco excessivo no balanço dos bancos e a excessiva afetação de recursos da economia ao setor imobiliário. Neste sentido, o Banco de Portugal pondera a adoção de medidas adicionais tendo em vista reforçar a avaliação da capacidade creditícia dos mutuários pelas instituições“, diz o Banco de Portugal no relatório.

Neste documento, a entidade liderada por Carlos Costa enumera alguns fatores com os quais está mais preocupada. Um desses elementos relaciona-se com a compressão dos spreads na nova concessão de empréstimos para a compra de casa que se observa sobretudo desde 2015, em resultado do aumento da concorrência entre bancos, considerando que estes apesar de ainda estarem muito acima dos praticados antes da crise, “já se encontram em níveis relativamente baixos no contexto da área euro“.

Para além dos spreads praticados nos novos empréstimos à habitação, o Banco de Portugal refere outros critérios de concessão de crédito que considera também apresentarem alguns sinais de menor restritividade. Referindo-se em concreto ao aumento da maturidade dos empréstimos, mas também à subida dos rácios de LTV (proporção do empréstimo do banco face ao valor de compra da casa). O regulador antecipa ainda que o nível muito baixo das taxas de juro deverá continuar a contribuir para a menor restritividade dos critérios de concessão de crédito, criando incentivos para uma desalavancagem mais lenta da economia.

A evolução dos preços no mercado imobiliário residencial poderá também ter consequências sobre os riscos para a estabilidade financeira, caso acentue essa menor restritividade no caso particular do crédito à habitação, antecipa ainda o Banco de Portugal, apesar de considerar que não há uma bolha no setor.

A afirmação

“Importa assegurar que as atuais dinâmicas do crédito à habitação e da economia, em particular do mercado imobiliário, não comprometam a redução do ainda elevado rácio de endividamento dos particulares e não promovam a acumulação de risco excessivo no balanço dos bancos e a excessiva afetação de recursos da economia ao setor imobiliário. Neste sentido, o Banco de Portugal pondera a adoção de medidas adicionais tendo em vista reforçar a avaliação da capacidade creditícia dos mutuários pelas instituições.”

A afirmação é feita pelo Banco de Portugal no último Relatório de Estabilidade Financeira divulgado na quarta-feira, num sinal de que o regulador da banca está preocupado com a aceleração da concessão de crédito às famílias. Mas estarão mesmo os bancos a facilitar demais na hora de dar crédito? Vamos aos factos.

Os factos

O aviso do Banco de Portugal de que poderá impor medidas que permitam reforçar a avaliação da capacidade dos clientes dos bancos em cumprirem com os seus compromissos com o crédito à habitação acontece num período em que a concessão de empréstimos com esse fim está em máximos. Os dados do Banco de Portugal indicam que nos nove primeiros meses deste ano, os bancos disponibilizaram um total de 5.953 milhões de euros em crédito à habitação. Ou seja, mais 43% face ao concedido no mesmo período do ano passado. Trata-se também do nível de concessão mais elevado desde o início da crise, sendo necessário recuar até ao mesmo período de 2010 para assistir a valores mais elevados.

Concessão de crédito da casa desde 2010

Este aumento da concessão de crédito tem sido suportado por diversos fatores. Nomeadamente, a recuperação da economia e do emprego que levam mais pessoas a decidirem avançar com a decisão de recorrer ao crédito para comprar casa. Uma procura que os próprios bancos antecipam que deverá continuar a crescer, de acordo com o último inquérito trimestral aos bancos sobre o mercado de crédito realizado pelo Banco de Portugal.

  • Risco no lado das famílias?

O Banco de Portugal receia que a evolução da concessão de crédito possa ter um impacto negativo sobre os níveis de endividamento das famílias e, em consequência, constituir um risco para os bancos e para o setor imobiliário. Certo é que a crise económica no país teve um efeito devastador nas famílias e elevou os respetivos níveis de sobre-endividamento e incumprimento para valores recorde, que entretanto têm vindo a aliviar.

De acordo com o Banco de Portugal, o endividamento das famílias atingiu em junho deste ano 74% do PIB (103% do rendimento disponível), tendo-se assim reduzido em cerca de 20 pontos percentuais desde o máximo observado em 2009.

Evolução do endividamento das famílias face ao PIB

Fonte: Relatório de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal

Também o incumprimento no crédito por parte das famílias tem vindo a baixar de forma gradual. Esta diminuição tem ocorrido pela via da recuperação económica e da saúde financeira das famílias, que as leva a serem mais cumpridoras dos seus compromissos financeiros, mas também pelo facto de o ritmo de crescimento da nova concessão não ser suficiente para fazer crescer o stock do crédito detido pelos bancos. Antes pelo contrário, a tendência é de queda desse stock.

Em setembro deste ano, as famílias detinham 115.106 milhões de euros em créditos, com este valor a rondar assim mínimos do início do ano de 2007. Desse total, 4,77 mil milhões de euros, ou o equivalente a 4,14%, estavam em situação de incumprimento. Este rácio de incumprimento chegou a atingir o máximo de 4,48% em maio de 2015.

A mesma realidade atinge o crédito à habitação. O stock de crédito mantém a tendência de quebra, acontecendo o mesmo com montante do malparado e o respetivo rácio face ao total de crédito. No final de setembro deste ano, o stock de crédito à habitação ascendia a 93.568 milhões de euros, ficando assim próximo de mínimos do início de 2007. Desse total, cerca de 2,1 mil milhões de euros, ou 2,23% estavam em incumprimento. Trata-se do rácio de malparado mais baixo dos últimos quatro anos.

  • Indexantes negativos e spreads sob pressão

A maior procura de crédito para a compra de casa acontece num contexto de indexantes associados (as Euribor) historicamente baixos, mesmo negativos, em resultado da política monetária do Banco Central Europeu. Este contexto incentiva os bancos a libertarem liquidez na economia. Para tal, têm feito revisões em baixa dos spreads que cobram no crédito à habitação. Os spreads mínimos exigidos pelos bancos para conceder crédito variam atualmente entre os 1,15% e os 1,75%, bastante abaixo daqueles que chegaram a vigorar após o início da crise: em torno de 4%. A combinação destes dois fatores torna o acesso ao crédito atrativo no atual contexto.

  • Avaliações em máximos, maturidades dos empréstimos também

A maior vontade de emprestar dinheiro, conjugada com a recuperação dos preços do imobiliário, está a refletir-se num aumento da avaliação dos imóveis por parte dos bancos para efeitos de concessão de crédito. De acordo com o INE, em outubro, o valor da avaliação bancária atingiu um novo máximo de maio de 2011. Fixou-se nesse mês nos 1.141 euros por metro quadrado.

Evolução da avaliação bancária

Quanto maior for essa avaliação, maior é a probabilidade de os clientes bancários terem acesso a um rácio de financiamento face ao preço do imóvel mais alto: o chamado rácio LTV (Loan To Value). De acordo com o Banco de Portugal, o rácio LTV médio tem vindo a subir desde 2014.

Outra das realidades que marca a tendência observada nos últimos anos é o aumento da maturidade dos créditos à habitação concedidos. De acordo com o Banco de Portugal, Portugal tem este indicador no patamar mais elevado da Europa, revelando que no final de 2016 a maturidade média dos empréstimos para a compra de casa era de 33 anos.

  • Preços do imobiliário em alta

O mercado imobiliário está em forte recuperação e os preços dos imóveis também. Após acumularem uma redução de 16% em termos reais entre 2010 e 2013, ou seja, no pico da crise, os preços do imobiliário residencial em Portugal registaram taxas de crescimento anuais elevadas. Entre o final de 2013 e o primeiro semestre de 2017, os preços cresceram cerca de 20% em termos reais. Só na primeira metade deste ano, a subida real dos preços da habitação em Portugal foi de 7%.

Evolução do Índice de Preços na Habitação

Fonte: INE

Os vistos gold, o crescimento económico, a canalização de poupanças para a compra de habitações e a procura turística associada ao crescimento do alojamento local, bem como a aposta dos investidores internacionais são alguns dos fatores que suportam esta evolução dos preços dos imobiliário em Portugal.

Prova dos 9

Perante os factos, as preocupações reveladas pelo Banco de Portugal fazem sentido, apesar de não parecer que os riscos sejam imediatos. A entidade liderada por Carlos Costa não deixa de ter razão quando se refere ao alívio da restritividade dos critérios de avaliação da concessão de crédito. A diminuição dos spreads exigidos, o aumento dos rácios de LTV e da maturidade dos empréstimos são uma realidade. Contudo, a sua dimensão não tem paralelo ao que aconteceu antes da crise. O mesmo acontece com os níveis de concessão de novo crédito à habitação que, apesar de estar em máximos de 2010, ainda não são suficientes para repor o stock de crédito. Além disso, este puxão de orelhas do Banco de Portugal aos bancos deve ser enquadrado num cenário em que as reduzidas taxas de juro promovem um aumento dos empréstimos.

Ainda assim, face ao alívio das regras dos bancos para conceder crédito, e num ambiente em que se começa a perspetivar uma subida gradual dos juros, o alerta de Carlos Costa visa sobretudo antecipar um eventual agravamento das condições económicas e financeiras das famílias, que as deixariam com menor margem para cumprir com os seus contratos de crédito, com impacto negativo no sistema financeiro.

 

 

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