Exames finais da Ordem dos Solicitadores com taxa de reprovação de 91%
A Ordem culpa os candidatos por falta de estudo, estes queixam-se da dificuldade do exame. Prova de recurso vai valer 56 mil euros de ganhos à instituição.
O exame final de estágio para solicitadores decorreu a 3 de março mas os resultados não foram nada positivos. Dos 434 alunos que realizaram a prova, apenas 26 foram admitidos, sendo que nove ainda precisam de fazer um exame oral. Do lado da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE), “há alguma coisa que não está bem”, mas apontam o dedo aos alunos por não estudarem o suficiente.
Terminada a licenciatura, os alunos de solicitadoria têm de realizar uma prova de admissão ao estágio final, para que possam obter o título, exercer a profissão e pertencer à OSAE. A prova é dividida em quatro matérias — Estatuto, regulamentos e deontologia, Direito civil e processual civil, Direito comercial, notarial e registal e Direito e prática fiscal –, sendo que cada uma delas compreende um grupo de resposta extensa e outro de escolha múltipla (à exceção da última matéria) em que, por cada resposta errada, é descontado um valor.
Na grelha das classificações, publicada a 16 de março, podem contar-se facilmente o número de alunos aprovados no exame. Estavam inscritos 438 candidatos, sendo que quatro faltaram e 15 não têm nota devido a possíveis problemas de pagamento, conforme explicou à Advocatus Paulo Teixeira, vice-presidente do Conselho Geral da OSAE. Feitas as contas, desses candidatos apenas 26 ficaram aprovados, sendo que nove ainda precisam de prestar uma prova oral por terem terminado com uma média inferior a 12. Ou seja, 393 alunos reprovaram, o que corresponde a uma taxa de reprovação de 90,55%, de acordo com as contas feitas pela Advocatus.
Tudo somado, a inscrição na segunda fase do exame vai valer à Ordem dos Solicitadores 56.112,75 euros, tendo em conta os alunos que faltaram e 15 que estão sem informação. Recorde-se que, na inscrição da primeira fase, o valor a pagar foi de 969 euros, lê-se no site da OSAE. Então, de acordo com informação oficial adiantada à Advocatus pela OSAE, por cada matéria que o aluno tiver que repetir, este terá que pagar 38,25 euros. Repetindo as quatro, totaliza 153 euros.
“Ou os alunos estavam demasiado confiantes, ou então o exame era extremamente exigente”
De acordo com alguns dos alunos que realizaram a prova, o grupo de Direito civil e Processual Civil foi considerado o mais difícil, tendo sido aquele com piores notas. Na prova, foi colocada ao candidato uma situação de um divórcio por mútuo consentimento, mas que incluía a custódia de um animal e que acabou por ser levado para os tribunais, um tema pelo qual os alunos não contavam.
“No geral não achei difícil, mas considerei que, no exame de Direito Civil, o tema que saiu não era um tema que os alunos estivessem à espera. Não era um tema que fosse muito abordado e mais facilmente estávamos à espera de um contrato ou de um processo civil”, contou à Advocatus um dos alunos que realizou o exame, que preferiu manter o anonimato. “Creio que a taxa de reprovação, de uma forma geral, também se deveu a essa parte do exame“, acrescentou.
"No geral não achei difícil, mas considerei que, no exame de Direito Civil, o tema que saiu não era um tema que os alunos estivessem à espera.”
Armando Branco, solicitador, partilha da mesma opinião: “Das duas uma: ou os alunos estavam demasiado confiantes, ou então o exame era extremamente exigente. E parece-me que era mais isto“. “Por aquilo que eu percebi, há uma prova que foi mesmo muito exigente para os estagiários de solicitadoria: a de Processo Civil foi um bocado puxada. Direi até outra coisa, parece-me que a prova não está efetuada de uma forma pedagógica e de uma forma que levasse o candidato a responder da forma mais correta”, acrescentou o ex-candidato a bastonário da OSAE.
No entanto, a OSAE garante que o grau de dificuldade foi semelhante aos anos anteriores. “Eu tive o cuidado de ir ver o exame e, pelo menos, no meu critério, acho que o exame não tem dificuldade associada, é um exame bastante aceitável“, disse à Advocatus José Carlos Resende, bastonário. Não obstante, acrescenta que “há alguma coisa que não está bem” e que têm estado a reunir com responsáveis de várias licenciaturas espalhadas pelo país para perceberem o que está a falhar. “Com toda a honestidade, estamos assim com uma dor de barriga perante esta situação. Não temos nenhuma alegria em ver uma média de 6%. Pelo contrário. Alguma coisa de mal se está a passar“, afirma.
“Sistema de autoavaliação não está a funcionar bem”, admite o bastonário
Márcia Passos é advogada e professora de Processo Civil, inclusive deu formação o ano passado de preparação para o exame de admissão ao estágio dos solicitadores. Contactada pela Advocatus, esclarece: “Não achei que a prova tivesse grande dificuldade, uma dificuldade que justificasse este panorama“, no entanto, admite que o facto de os alunos não estarem a contar com o tema em questão talvez “tivesse sido um dos fundamentos ou justificações para estas notas”.
Na opinião dos representantes da OSAE, o facto de não estarem preparados para o tema não serve como justificação para os resultados obtidos. E vão mais adiante: asseguram que está a faltar estudo e preparação por parte dos candidatos. “Claro que somos suspeitos na matéria, fomos nós que fizemos o exame, mas a verdade é que me parece que o grau de dificuldade se tem mantido dentro daquele que é um padrão de exigência perfeitamente razoável, tendo em conta aquilo que é transmitido ao estagiário desde o início, no que conserva a sua preparação”, afirma Paulo Teixeira.
"Claro que somos suspeitos na matéria, fomos nós que fizemos o exame, mas a verdade é que me parece que o grau de dificuldade se tem mantido dentro daquele que é um padrão de exigência perfeitamente razoável.”
Numa primeira fase do estágio, a Ordem dos Solicitadores envia frequentemente estudos de caso aos estagiários, com o objetivo de este ir “consolidando os seus conhecimentos”. “Essas fichas podem ser pequenos casos práticos que são entregues aos estagiários e aos seus patronos, mas em jeito de complemento daquilo que já é a formação na segunda fase de estágio”, explica Paulo Teixeira. “Os estagiários vêm licenciados, a preparação teórica deles vem feita com três anos de licenciatura, e a preparação é feita através desses estudos de caso e do estudo deles, autónomo, de preparação“, acrescenta.
Desta forma, conforme explicou o vice-presidente, um tema/caso que conste num desses casos práticos, pode perfeitamente sair no exame final. “Isto é, num exame final de estágio, não sai matéria rigorosamente nenhuma que não tenha sido abordada num ou vários estudos de caso“, garante. Portanto, do ponto de vista da Ordem dos Solicitadores, os candidatos não tinham motivos para não estarem preparados para um tema destes. “A questão do divórcio, e destes processos de jurisdição voluntária que correm nos tribunais, e que os solicitadores estão perfeitamente preparados, ou têm que estar, para o exercício dessa função, saiu no exame final de estágio, como saiu nos estudos de caso. Portanto não é nada de surpreendente”.
“Portanto, se um solicitador estagiário não está minimamente atento àquilo que deve ser a interposição do divórcio por mútuo consentimento, se não está preparado para isso, tem de se preparar um bocadinho melhor. Porque, numa qualquer licenciatura em direito ou solicitadoria, é assunto absolutamente recorrente, portanto não consigo perceber essa perplexidade do estagiário, mas respeito, claro”, disse Paulo Teixeira.
Relativamente a esses estudos de caso, o bastonário da Ordem dos Solicitadores também defende que os candidatos “não estão a fazer essa autoavaliação”. “E é essa falta de autoavaliação, de cumprimento desses casos de estudo que está a levar a percebermos que o sistema de autoavaliação não está a resultar bem, não está a dar os resultados que queríamos. Eventualmente por alguma dificuldade por parte dos candidatos de assumirem que aquilo é essencial”.
"E é essa falta de autoavaliação, de cumprimento desses casos de estudo que está a levar a percebermos que o sistema de autoavaliação não está a resultar bem, não está a dar os resultados que queríamos. Eventualmente por alguma dificuldade por parte dos candidatos de assumirem que aquilo é essencial.”
De acordo com a lei, a OSAE apenas pode avaliar os candidatos na prova final, não podendo estes estudos de caso serem classificados pela mesma. No entanto, José Carlos Resende admite que “essas fichas vão passar a ter de ser avaliados pela Ordem ou por alguém indicado dos patronos, de forma a que os candidatos tenham uma noção do seu progresso. Que essas avaliações não tenham efeitos na nota final, mas que tenham um efeito para eles perceberem o seu progresso”.
Pelo menos 390 inscritos na fase de recurso, 56 mil euros de inscrições
De acordo com as regras da OSAE, se o candidato tiver uma nota inferior a 8 em qualquer uma das provas, está imediatamente reprovado às quatro matérias, tendo de as repetir a todas. Isto aconteceu com 357 candidatos. No entanto, se numa das provas tiver uma classificação igual ou superior a 8, mas inferior a 9,5, está apenas reprovado a essa matéria, sem necessidade de repetir as restantes três. Por sua vez, se a média final das quatro provas for inferior a 12, necessita ainda de realizar uma prova oral — foram nove os candidatos nesta situação.
A Ordem dos Solicitadores tem estado em reuniões para perceber o que realmente está a falhar nesta preparação dos candidatos. Está a decorrer a fase de revisão de prova, onde se está a “verificar se, eventualmente, há algum critério ou alguma coisa desajustada”. No futuro, está planeado um Conselho Geral em que será discutido “o que tem de ser alterado na prática para os futuros estágios, para evitar e assegurar que os candidatos estejam mais à vontade nos temas práticos quando chegam a esta fase”, diz o bastonário.
"Não vamos mudar aquilo que foi a estratégia e aquilo que foi o modo de avaliação na primeira fase, porque com franqueza, não vimos que ele estivesse errado.”
“Estamos a sentir que não está a correr bem neste aspeto, com médias deste género não esta a correr bem. E quando uma coisa não está a correr bem tem que se admitir que não está a correr bem. Não vale a pena tapar o sol com uma peneira”, acrescenta. Por sua vez, o vice-presidente, participante na elaboração das provas, assegura: “Não vamos mudar aquilo que foi a estratégia e aquilo que foi o modo de avaliação na primeira fase, porque com franqueza, não vimos que ele estivesse errado. Portanto, se não estiver errado não vamos mudar”. A próxima fase do exame vai acontecer no dia 14 de abril, “com o mesmo grau de dificuldade e na mesma estrutura”.
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