Mudança à vista. Partidos atacam fidelizações das operadoras
Os deputados discutem hoje propostas para limitar a um ano os prazos de fidelização dos clientes. Assunto volta à agenda política. E há consenso: é preciso mais discussão antes de qualquer alteração.
O debate em torno dos períodos de fidelização nas telecomunicações está de volta. São várias as propostas, dos diversos grupos parlamentares, que pretendem reforçar os direitos dos cidadãos num setor em crescimento. Mas está longe de ser certo que saia alguma alteração concreta. O PS já disse que deverá pedir que as propostas desçam à especialidade sem votação e, ao ECO, o PSD deixou margem para fazer o mesmo, se os restantes partidos concordarem. Ainda assim, parece haver consenso político de que algo terá de mudar.
O que está em causa? Em 2016, foram feitas alterações à lei, pelas quais as operadoras de telecomunicações passaram a ter de oferecer pacotes sem fidelização obrigatória. Mais de um ano depois, a ideia geral entre os partidos é a de que as alterações não foram suficientes para colmatar os problemas que se propuseram a resolver.
Os pacotes de telecomunicações sem fidelização, ou com períodos de fidelização mais baixos (como seis ou 12 meses), implicam o pagamento de custos que chegam, na maioria das vezes, aos três dígitos. Como resultado, poucos clientes optam por eles: só 9% não têm este vínculo obrigatório, revelou esta semana o Jornal de Notícias [acesso pago].
São cinco as propostas de alteração em debate esta sexta-feira. O PS pretende criar uma ficha de informação simplificada para que os consumidores tenham informação mais simples e clara antes de subscreverem um serviço de telecomunicações. É, segundo disse o deputado Carlos Pereira ao ECO, a “matéria mais evidente” e aquela que o PS considera ser o ponto de partida, numa discussão mais ampla que terá de ser feita à volta deste assunto. A ideia é criar uma ficha como já existe, por exemplo, no setor da banca. Certo é que essa ideia também já está a ser trabalhada pela Anacom, em conjunto com as empresas do setor, no âmbito de um grupo de trabalho mais alargado do qual faz também parte a Deco, apurou o ECO.
As restantes quatro propostas são, na visão de Carlos Pereira, “oportunas” e “relevantes” — ainda que o objetivo, para já, seja o de pedir para que desça tudo à comissão especializada, como foi noticiado na quinta-feira. Versam, sobretudo, sobre novas limitações aos períodos de fidelização. Essencialmente, do lado do BE, a intenção é proibir os atuais contratos de fidelização por dois anos e limitá-los a um período de 12 meses. Já o PEV apresentou uma proposta para que estes contratos não possam ter uma fidelização superior a seis meses, prevendo um período de mais seis meses mediante algumas exceções. A natureza da proposta é semelhante à do PAN. Quanto ao PSD, tenciona corrigir “incongruências” que existem na atual lei.
Persistem reclamações dos consumidores relativamente aos efeitos das cláusulas de fidelização.
Custo de rescisão é “absurdo”, defende a Deco
Contudo, os prazos dos contratos não são a questão essencial na visão da Deco. O ECO contactou Luís Pisco, da associação de defesa do consumidor, que tem vindo a participar nesta discussão. Apesar de admitir que as alterações feitas em 2016 “não foram suficientes porque os problemas de fundo mantiveram-se”, o jurista diz que “os consumidores continuam a encontrar obstáculos gravíssimos para mudar de operador, quando pretendem sair de um operador para outro operador por considerarem que já não é a melhor oferta. Têm de pagar um valor absurdo a esse mesmo operador e, de facto, as ofertas sem fidelização são o que chamamos de ofertas fantasma, uma vez que são tão absurdamente caras que ninguém as escolhe.”
Desta forma, para a Deco, “independentemente da discussão da redução do prazo para 12 ou seis meses, o mais importante é discutir a forma como é calculada a compensação a pagar pelo cliente”, afirmou Luís Pisco. E sublinhou: “O argumento dos operadores é que há um investimento no cliente, o que justifica um prazo mais longo para recuperar o investimento que foi feito e os custos com esse mesmo cliente. Mas, se pedir esses dados aos operadores, eles não os dão. Ou seja, não sabemos se o investimento que o operador faz num cliente custa 200 euros ou custa dois euros. Até porque isto varia de cliente para cliente.”
Para ilustrar possíveis soluções para o “problema” dos custos de rescisão, o profissional da Deco apontou para o que acontece noutros países. “Em França, não existe prazo de fidelização. Existe uma taxa de rescisão. Salvo erro, são 49 euros. Qualquer cliente que queira sair de um operador dentro da fidelização para outro operador, paga aquela taxa de valor fixo e sai. Na Bélgica, o período máximo de fidelização é de 24 meses, mas há a possibilidade de saída sem penalização ao final de seis meses, desde que seja pago um valor residual.” Questionado sobre se novas limitações nos períodos de fidelização não farão o custo passar para o consumidor final, Luís Pisco disse acreditar que não.
Em França, não existe prazo de fidelização. Existe uma taxa de rescisão. Salvo erro, são 49 euros.
Durante a manhã desta quinta-feira, o deputado José Luís Ferreira, do PEV, participou no “Fórum TSF” onde, além de defender que um período de fidelização de 24 meses “é um exagero”, acusou as operadoras de refletirem, no custo de rescisão, as prestações que o cliente “teria de pagar até ao fim do período de fidelização”. No mesmo espaço, emitido pela rádio TSF, o deputado André Silva, do PAN, salientou que o que acontece em Portugal “é uma situação ímpar que constitui um abuso por parte das operadoras.”
Ao ECO, o deputado do PSD Joel Sá explicou também que o partido apresentou uma proposta para resolver “incongruências” que existem na lei em vigor, criadas por artigos que foram aprovados a pedido de outros partidos no passado. Os social-democratas pretendem, assim, proceder à “uniformização do termo jurídico” que abriru a porta a alguns “abusos” por parte das operadoras.
O ECO tentou obter a posição da Anacom, mas não tinha sido possível até à hora de publicação deste artigo.
"Os tarifários sem fidelização, ou períodos de fidelização mais curtos, não são verdadeiras alternativas. Esta é uma situação única na Europa. É uma situação ímpar que constitui um abuso pelas operadoras.”
Operadoras dizem que 24 meses de fidelização é um “prazo razoável”
O ECO enviou uma série de questões à Apritel, incluindo uma questão sobre quanto custa, em média, a instalação do serviço de telecomunicações a um cliente novo. A associação não respondeu diretamente às perguntas, mas remeteu um comunicado onde se mostra contra a ideia de voltar a mexer nos períodos de fidelização.
E o que diz a associação que representa operadoras como a Meo, a Nos e a Vodafone? Como o ECO noticiou esta quinta-feira, a instituição começou por justificar que Portugal tem serviços de telecomunicações com “um nível de qualidade, diversidade e inovação em linha com os países com maior poder de compra da União Europeia” e que “serviços deste tipo têm associados custos substanciais de instalação, equipamentos, serviços e conteúdos”, estes últimos “adquiridos a preços internacionais”. Os períodos de fidelização, explica a Apritel, “permitem diluir no tempo” esses custos.
A Apritel explicou ainda porque é que os pacotes com fidelizações mais baixas são substancialmente mais caros. Isto acontece porque “os custos de adesão aos mesmos associados não são repercutidos num período temporal mais extenso”, defendeu. Assim, considerou que o prazo de fidelização máximo de 24 meses “é razoável”.
A associação acusou ainda os partidos de tentarem “privar os portugueses do acesso contínuo aos melhores serviços só porque há uma visão política contra a permanência” e apontou mesmo para as propostas do PAN e do BE, que disse não terem “justificação”.
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