Itália: Ainda sem líder, nova coligação continua a bater o pé à União Europeia
O programa acordado pelos dois partidos italianos quer aumentar os rendimentos, manter o que é do Estado e pôr a União Europeia na linha. Falta só o nome do primeiro-ministro.
Cinco meses após ter ficado em segundo lugar nas eleições italianas com mais de 30% dos votos, o Movimento 5 Estrelas conseguiu chegar a um princípio acordo com a coligação de direita da Liga para formar Governo. Foram várias as sessões de negociação, os acordos e os compromissos, e, no final, estamos a poucas horas de saber quem será o próximo líder da república italiana.
O partido fundado por Beppe Grillo e atualmente liderado por Luigi Di Maio seguiu para as eleições com propostas comuns de um partido populista e contra as regras instituídas. Sem se posicionar nem à esquerda nem à direita, o movimento reuniu vários votos de protesto e avançou para as negociações com os potenciais aliados com a certeza de que não iria abdicar de muitas dessas propostas.
E assim parece. A união foi à direita, com a coligação a Liga de Matteo Salvini, que conquistou 37% dos votos nas eleições. O trabalho foi árduo — como o partido quis mostrar no vídeo abaixo — e o programa do novo Governo foi alcançado. Inclui a proteção das empresas que são do Estado, o aumento dos rendimentos sem pôr em causa a despesa pública e, como muitos esperavam, um bate-pé às regras europeias — mas não tão forte como se previa.
Uma Europa como antes
Um documento que veio a público esta terça-feira mostrava que, embora o tom eurocético tenha sido atenuado nas últimas negociações, estes dois partidos continuam a ver na União Europeia um inimigo.
A medida que mais alarmes fez soar, tanto em Bruxelas como nos mercados, foi a negociação de um perdão de dívida de 250 milhões de euros com o Banco Central Europeu – que detém cerca de 2,4 biliões de euros em obrigações. Tal seria atingido através do congelamento ou até do cancelamento dos títulos de dívida italiana detidas pela instituição liderada por Mario Draghi.
Para além disto, o documento continha a intenção de criar um mecanismo de saída da União Europeia, de renegociar muitos dos tratados europeus e ainda de passar a considerar a Rússia como um aliado económico e comercial, em vez de um inimigo, levantando assim as sanções impostas pelos países membros.
Todas estas novidades levaram as taxas de juro das obrigações italianas a dez anos a avançarem para máximos de dois meses, alargando-se assim apertando a diferença para os pares europeus, tanto a dívida alemã, como a portuguesa.
Uma versão mais recente do documento, divulgada na quinta-feira pela agência Reuters não apontava para nenhum perdão de dívida, mas sim para uma mudança do cálculo dos rácios. O Movimento 5 Estrelas e a Liga queriam que a dívida detida pelo BCE, comprada no âmbito do programa de quantitative easing, não entre nesse cálculo.
Economia a crescer sem austeridade
Já esta sexta-feira, veio a público o documento final. Com 58 páginas, os partidos riscaram as medidas mais radicais relativas ao défice e à dívida pública, propondo apenas que as regras europeias relativas às despesas com investimento público sejam mudadas para que estas não contem para o défice do país.
Ainda assim, a pressão não foi totalmente aliviada. Manteve-se a pretensão de rever acordos como o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o Pacto Fiscal Europeu e, no seguimento, voltar a uma Europa “pré-Maastricht”, em que os países tinham como principais valores “a paz, a fraternidade, a cooperação e a solidariedade.”
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Já no que diz respeito à governação do país, este novo Governo não quer que a economia cresça devido à imposição de austeridade ou de uma carga fiscal mais forte, mas sim da redução de custos, da gestão da dívida e do défice. Assim, e para além dos acordos que querem firmar com Bruxelas, a coligação quer reduzir os deputados na câmara baixa do Parlamento de 630 para 400 e na câmara alta de 315 para 200.
Ainda assim, a redução de custos não se aplica aos rendimentos dos italianos, quer os que estão ativos, quer os pensionistas. Este novo Governo prevê não só a o estabelecimento de um salário mínimo como a criação de um rendimento básico universal de 780 euros mensais — e que fará aumentar as despesas estatais em 17 mil milhões anuais. Para além disto, quer reverter o aumento da idade da reforma, para que esta se fixe nos 66 anos — uma adição de mais 5 mil milhões de euros às despesas.
E se a carga fiscal não vai aumentar, não quer dizer que não vá ser alterada. As empresas passam a ver os seus rendimentos taxados à taxa mínima de 15%, passando a existir apenas dois escalões, um que paga estes 15% e outro que paga 20%. Já as famílias vão passar a poder fazer deduções para o IRS no valor de 3 mil euros.
Manter o maior banco nas mãos do Estado
Na banca, o Monte dei Paschi continua a ser a maior preocupação. O banco que tem o Estado como o principal acionista e que é considerado um dos mais frágeis da Zona Euro é um dos pedidos mais específicos que este novo Governo apresenta no seu programa. Os partidos querem que o Estado seja capaz de manter a sua posição, para prevenir futuros despedimentos e encerramentos.
Mas as alterações ao setor bancário não se ficarão por aqui. Esta “nova Itália” quer a separação entre a banca de retalho e a banca de investimento, mais penalizações para os banqueiros e os reguladores no caso que queda de alguma instituição e a possibilidade de compensação aos acionistas quando estas estiverem totalmente reformadas. Por fim, pede “reformas radicais” à União Europeia no que diz respeito ao regime de ball-in, para que melhor proteger as poupanças dos clientes dos bancos intervencionados.
E com a Alitalia em maus lençóis, o documento não a deixa de fora. Segundo estes partidos, a companhia aérea italiana não pode ser apenas resgatada, mas sim apoiada e relançada porque “o país necessita de uma companhia aérea pública competitiva”.
Todos à espera do novo líder
Estas propostas seguem agora para as mãos dos membros dos dois partidos, para serem votadas, já este domingo. Di Maio e Salvini vão, no dia a seguir, reunir-se com o presidente italiano, Sergio Matarella, que terá de dar também a sua aprovação. Nessa altura, será também avançado um nome para a liderança do novo Governo.
A incerteza em torno de quem vai ser o primeiro-ministro e os contornos deste acordo estão a fazer tremer os mercados. Esta quinta-feira, os juros da dívida italiana renovam máximos, com a taxa a dez anos a chegar aos 2,2%. A escalada dos juros está a castigar os títulos da banca no mercado acionista, levando a praça de Milão a cair 1,35% para mínimos de um mês.
“A possibilidade de um Governo eurocético em Roma está a abalar a confiança dos investidores”, confirmou à Reuters David Madden, analista da CMC Markets. “Nesta altura, um défice fiscal mais elevado e mais e maiores emissões de dívida parecem o cenário a seguir.”
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