Lagarde vai ter vida difícil no BCE. Estes são os 3 maiores desafios

Atuar numa união monetária incompleta, a redução significativa da margem para aplicar instrumentos e a falta de compreensão do que é a nova "economia normal" são os principais desafios de Lagarde.

Após a escolha de Christine Lagarde para presidente do Banco Central Europeu (BCE), muitas questões têm surgido sobre qual será a sua habilidade para gerir a política monetária da Zona Euro, tendo em conta não ser economista de formação e a falta de experiência em política monetária. Enquanto esses temas são discutidos, o Bruegel decidiu dar “uma ajudinha” a Lagarde na nova missão. O “tanque de pensamento” europeu especializado em economia, compilou aqueles que considera serem os três principais desafios que a francesa vai enfrentar no BCE. Mas não se ficou por aí.

O organismo independente presidido pelo ex-presidente do BCE — Jean-Claude Trichet — avança ainda com recomendações para a futura responsável pela condução da política monetária do espaço do Euro. Fique a saber quais são esses desafios e o que Lagarde pode tirar da “caixa de ferramentas”.

Desafios para o BCE sob uma nova liderança assentam em três temas:

1. Atuar numa união monetária incompleta

O Bruegel começa por salientar que os responsáveis do BCE “vão continuar a operar numa união monetária incompleta”, avisando que perante uma eventual futura recessão o “espaço de manobra com as ferramentas atualmente disponíveis será consideravelmente mais limitado”. Com vista a reduzir este risco, diz que será necessário que Lagarde assuma “um papel ativo” nas reuniões do Eurogrupo, com vista a que as políticas orçamentais dos diferentes Estados-membros sejam alinhadas entre si, mas também com a política monetária. Mas deixa outro aviso: que simultaneamente o BCE assegure a sua “independência da pressão política” com vista a que cumpra aquele que é o seu mandato.

Outro entrave identificado pelo Bruegel recai sobre a “pontualidade” da tomada de decisão no seio do BCE, lembrando que a política monetária numa comunidade assente em muitos países implica que decisões como o quantitative easing possam ser atrasadas devido à dificuldade de serem implementadas politicamente. “O vosso desafio será assegurar respostas atempadas a choques“, diz, assim, aquele organismo.

A entidade liderada por Jean-Claude Trichet faz mira ainda à composição do conselho de governadores e ao processo de tomada de decisão do BCE. “Será um desafio para si conter desentendimentos de modo a que estes não minem as suas decisões”, avisa o Bruegel.

2. Redução significativa da margem para aplicar instrumentos

Enquanto considera que não há restrições ao aperto da política de juros, o Bruegel lembra que há um espaço limitado para aliviar ainda mais a política monetária, num contexto em que as taxas de juros nominais estão no nível mais baixo em mais de dois séculos, e provavelmente de sempre, e que a expectativa é de que os juros permaneçam em níveis muito baixos nas próximas três décadas. “É importante tentar entender os fatores económicos e financeiros por trás dessa situação, se é um fenómeno de curta duração ou se esse quadro de longo prazo é preciso”, salienta.

Neste contexto, o Bruegel considera que Lagarde, terá que confiar mais na gestão do balanço e menos nas mudanças na taxa de juro para lidar com uma eventual próxima recessão, algo que coloca dois desafios. O primeiro, diz, é que enquanto o quantitative easing ajudou a reduzir o risco de deflação, a compra de ativos é mais difícil de calibrar do que os cortes nas taxas, e os seus efeitos macroeconómicos também são menos claros. Em segundo lugar, refere que quando o BCE interrompeu as suas compras líquidas no final de 2018, tinha atingido o limite de 33% dos títulos soberanos para algumas jurisdições, que colocou em prática quando iniciou programa de compra de ativos soberanos. A existência desse limite, diz, reduz drasticamente o alcance das compras de ativos.

O organismo liderado por Trichet chama ainda a atenção para que taxas de juros persistentemente baixas podem levar as instituições financeiras a procurarem outras alternativas de rendimento, expondo-se a riscos excessivos. “Existe o risco, portanto, de que o BCE possa ver-se dividido entre querer elevar as taxas por razões de estabilidade financeira e, ao mesmo tempo, precisar mantê-las baixas para fins de estabilidade de preços”, refere o Bruegel.

3. Falta de compreensão sobre a aparência da nova “economia normal”

A falta de conhecimento sobre o que corresponde ao novo estado de equilíbrio é visto como mais um fator de incerteza. “Como pode decidir a sua resposta política se não sabe para onde está a ir?“, questiona o Bruegel, considerando que Lagarde irá muitas vezes ser confrontada com argumentos por parte da sua equipa que apontarão em sentidos diferentes.

A transformação digital, a emergência da China, as guerras comerciais e o risco do colapso do sistema multilateral apontam ainda para que “o passado não seja um bom indicador do futuro”, antecipa o organismo. “O seu desafio será navegar nessas águas, parcialmente no escuro, com vista a alcançar e manter a estabilidade dos preços e contribuir para a estabilidade financeira”, diz ainda a Lagarde.

Dos desafios… às recomendações

O Bruegel não deixa, contudo, Lagarde desamparada perante tantos desafios, indicando-lhe alguns caminhos com vista à prossecução da estabilidade. A principal recomendação é começar por rever o quadro da política monetária. “A sua nomeação como presidente e a renovação de dois terços do conselho de governadores entre 2018 e 2019 apresentam uma boa oportunidade para refletir sobre se a estrutura atual é adequada perante as incertezas do futuro”, sugere.

Neste sentido, sinaliza que a elevada incerteza, tanto em termos do ambiente em que o BCE terá de trabalhar, como das ferramentas disponíveis, “exige que a conceção da política monetária preste atenção à robustez e flexibilidade”.

Em termos da política monetária, recomenda que no caso de não haver progressos no sentido de atingir o objetivo de uma inflação de 2%, ou que a Zona Euro enfrente mesmo um cenário de recessão, o BCE “deve estar pronto a aplicar uma gama de instrumentos”.

Neste campo recomenda a manutenção de generosas operações de refinanciamento e de gestão de balanço na “caixa de ferramentas” de política monetária do BCE e que este esteja pronto para atualizar as restrições autoimpostas ao programa de compra de ativos (ou seja, o limite de 33% do emitente e/ou a distribuição da chave de capital) e/ou incluir outras classes de ativos nas suas compras, tais como empréstimos bancários e, possivelmente, ações.

Por último, que pondere começar a usar novas ferramentas potenciais, caso se mostre incapaz da recuperar e manter a estabilidade de preços. Injeções diretas de dinheiro na economia pelo banco central (ou seja, recorrer ao “helicóptero do dinheiro”) ou intervenções em outros mercados (por exemplo, no mercado de derivados de inflação) não devem ser descartadas, recomenda o Bruegel, sem deixar, no entanto, de apelar para que seja feita “uma avaliação cuidadosa”.

A entidade liderada por Trichet chama ainda a atenção para o “papel crucial” do BCE na arquitetura da Zona Euro e no garante das políticas em contextos em que prevaleçam outros tipos de incertezas, lembrando a força que o “whatever it takes” de Draghi teve nesse contexto.

O Bruegel lembra ainda o papel do BCE em promover a estabilidade financeira. “Embora não acreditemos que a política monetária deva ter como target direto a estabilidade financeira em detrimento da estabilidade de preços, o BCE tem um papel a desempenhar”, diz. Aí aconselha que aquela entidade contribua para o aprofundar das bases analíticas para as políticas macroprudenciais, como sendo a primeira linha de defesa contra a acumulação de riscos de estabilidade financeira. Apela ainda para que a cooperação com o Comité Europeu do Risco Sistémico seja reforçada nesse aspeto.

O BCE deverá ainda apresentar propostas para o estabelecimento de um melhor quadro institucional para a utilização de ferramentas macroprudenciais, de modo a que possa “agir de forma atempada e eficaz“.

O Bruegel recomenda também ao BCE que monitorize “cuidadosamente” o risco de estabilidade financeira na área do Euro, e que alerte as instituições relevantes responsáveis pela implementação de políticas macroprudenciais quando identificar sinais de acumulação de desequilíbrios financeiros.

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