Há fantasmas, caloteiros e repetentes. Os números dos grandes devedores da banca
As identidades não são conhecidas, mas é possível cruzar dados da lista de devedores. Há dois que são "fantasmas", dois que geraram perdas em vários bancos e os devedores "crónicos".
São 30 páginas, com dados de sete bancos do sistema financeiro nacional, com mais de uma centena de clientes da banca que vieram a revelar-se grandes devedores. É um conjunto imenso de informação, apresentada pelo Banco de Portugal, de onde sobressaem alguns, apresentados sob o véu de um número. Há devedores “fantasma”, que apenas existem em número, outros que aparecem vezes (quase) sem conta, mas também, cruzando os dados, dois que em conjunto deram calotes numa mão cheia de instituições ao longo dos últimos anos.
A listagem disponibilizada pelo supervisor da banca portuguesa apresenta os clientes numerados de “1” a “130”, mas são apenas 128. É que o “20” e o “43” não constam de qualquer dos quadros em que são apresentados tanto devedores de crédito como perdas geradas por participações em instrumentos de capital. Ao ECO, o BdP explicou que no processo de tratamento dos dados “uma exposição anteriormente reportada não cumpria os critérios de elegibilidade e outra tinha dois códigos distintos (quando deveria ter apenas um)”.
Se estes não aparecem, parecendo tratarem-se de devedores “fantasma”, há muitos outros que estão (quase) sempre presentes, seja por surgirem várias vezes na lista do mesmo banco, seja por o seu número ser mencionado em vários.
Não é possível desvendar a identidade dos clientes faltosos, mas é possível cruzar os dados já que o código é o mesmo nos diferentes bancos. O “35” e o “41” destacam-se pelo número de vezes que aparecem. Ambos obrigaram três instituições, cada um, a registarem imparidades que, em alguns casos, acabaram mesmo por gerar perdas para os bancos.
O “41” foi ao Banif, ao Banco Espírito Santo (BES) e à Caixa Geral de Depósitos (CGD) pedir créditos de centenas de milhões de euros, chegando mesmo aos 1.157 milhões no banco então liderado por Ricardo Salgado. Enquanto no Banif os dados referentes a junho de 2015 apontam para uma exposição original de 119 milhões de euros, que obrigou o banco a registar imparidades deste empréstimo, acabou por não haver perdas, no caso do BES gerou um prejuízo de dois milhões. Pior ficou a CGD que da exposição original de 469 milhões teve de assumir um “calote” de 115 milhões.
Se o “41” custou um total de 117 milhões, o “35” passou uma fatura de apenas um milhão de euros, ainda que também tenha gerado imparidades em três instituições diferentes. BCP, Novo Banco e — mais uma vez — a CGD, foram os visados por este cliente, um dos muitos que surgem numa lista que procura ser uma base para compreender o porquê de terem sido injetados tantos milhares de milhões de euros na banca nos últimos anos.
15 devedores com conta em dois bancos
Estes dois clientes lideram, mas os dados do Banco de Portugal indicam que outros 15 devedores procuraram financiamentos em duas instituições diferentes. E o banco público surge praticamente sempre como uma das duas instituições alvo, sendo que enquanto ambos tiveram de registar imparidades, na maioria dos casos as perdas sobraram sempre para o banco que atualmente é liderado por Paulo Macedo. Um milhão com um devedor, oito com outro, 30 e até 95 milhões de euros de perdas para a CGD.
Entre os números que se repetem em dois bancos, há, no entanto, um que se destaca pelo tamanho do buraco que deixou. É o “112” da lista, que na realidade é a Grécia, que provocou um rombo de 766 milhões de euros ao BCP e BPI, depois do maior perdão de dívida da história concedido ao país em março de 2012, aquando do segundo resgate financeiro internacional a Atenas. BPI perdoou ao país 408 milhões de euros e o BCP outros 358 milhões.
Estes podem, no entanto, não ser os únicos casos de clientes faltosos em vários bancos. Além de datas diferentes, a lista atribui critérios diferentes aos bancos. A definição de grande devedor é delineada consoante o montante da intervenção pública em cada banco: na CGD é considerado um grande devedor aquele cuja exposição é superior a 62,5 milhões; no BCP o limite mínimo é de 30 milhões de euros, baixando até aos 15 milhões no BPI e aos 5 no Banco Privado Português.
Devedores “crónicos” na CGD e no Novo Banco
As repetições não só entre diferentes bancos. No mesmo banco, há devedores “crónicos”, sendo que a CGD tem dois. O banco público recebeu dinheiro público seis vezes, entre 2007 e 2017 pelo que teve de reportar a mesma fotografia referente a todas as datas. O “12” e o “128” apareceram em todas elas. O primeiro gerou perdas entre 101 e 605 milhões de euros, enquanto o segundo deu um “buraco” entre um e 290 milhões de euros.
Há ainda outros devedores, como o “23” e o “100”, que aparecem mais do que uma vez nos quadros destinados ao banco estatal, mas o mesmo acontece no caso do Novo Banco. Tanto o “46”, como o “54” e o “119” surgem a duplicar na radiografia feita ao banco que resultou da resolução do BES, em 2014, ou seja, em duas das três datas a que se referem os dados.
Um só devedor, 40% das perdas da banca
O “130” também sobressai, não por aparecer muitas vezes (são duas), mas pelo montante das perdas que obrigou a reconhecer. Foram 2.941 milhões de euros de perda para o Novo Banco (83% das perdas totais da instituição em junho de 2018) e, segundo o Expresso, a culpa foi do BES Angola.
O “buraco” do banco angolano é imenso, à luz de todo o dinheiro que os bancos tinham dado como perdido quando receberam ajuda pública (e que podem entretanto ter recuperado). No total, o relatório faz referência a quase oito mil milhões de euros de perdas, apesar de a lista ter sido elaborada no momento de disponibilização do fundo público e as datas serem diferentes entre instituições financeiras.
O Novo Banco reconhecia, a 30 de junho de 2018, perdas acima de 3.500 milhões com operações de crédito e participações em instrumentos de capital. O BCP tinha perdas de 2.023 milhões de euros (contabilizadas a 30 de junho de 2012), enquanto a CGD contabilizava 1.910 milhões de euros a 30 de junho de 2017. Já no BPI, as perdas eram de 508 milhões de euros em 2011 e no BPN de 11 milhões. O BPP e o Banif não reconheciam perdas à data das intervenções.
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