Não são só motoristas. Há outra greve da qual não se ouve falar
Os trabalhadores dos Registos e Notariado começaram a greve ao mesmo tempo que os motoristas, mas estão a passar despercebidos no radar dos portugueses. Há muitas semelhanças entre as duas greves.
A atualidade nacional tem sido marcada pela greve dos motoristas, que suscitou receios de falta de combustível neste período que é tipicamente de férias. Mas ao mesmo tempo está em curso outra greve, numa área que também esteve na baila neste verão. São os trabalhadores dos Registos e Notariado, que estão em protesto desde o início da semana.
Se precisou de tratar de algo como o Cartão de Cidadão (CC), ou até mesmo marcar o seu casamento no civil, nos últimos dias, pode ter reparado que existem alguns constrangimentos. Mesmo assim, estes podem não ser encarados como algo fora do comum, já que as filas e marcações demoradas para o Cartão do Cidadão e passaporte foram notícia neste verão.
As semelhanças com a greve dos motoristas são várias, com exceção da atenção que tem recebido. Para os dois serviços foram decretados serviços mínimos, que ambos contestam. E as paralisações começaram as duas na segunda-feira, numa altura em que têm impacto, por razões diferentes.
No caso dos motoristas afeta, entre muitos outros, aqueles que vão de férias e precisam de combustível. Já os balcões do Instituto dos Registos e Notariado (IRN) são visitados nesta altura nomeadamente por emigrantes, que podem precisar de tratar de assuntos quando regressam ao país, razão pela qual o serviço de renovação do CC foi incluído no Kit Emigrante lançado pelo Governo.
As estruturas sindicais dos trabalhadores do IRN convocaram a greve no seguimento da aprovação, em Conselho de Ministros, do decreto-lei que procede à revisão do estatuto remuneratório dos trabalhadores das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, no final de julho.
Para o Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e Notariado (STRN), a proposta do Governo “não reconhece e valoriza as remunerações dos trabalhadores dos Registos e Notariado – dado que reduz salários e não valoriza os legítimos direitos e as verdadeiras expectativas de quem se encontra nestas carreiras”, explicam em comunicado.
É um “ataque sem precedentes ao sistema registral português”, reiteraram na altura em que marcaram a greve. Outro dos motivos de protesto é que sejam criadas melhores condições de higiene e segurança no trabalho. Os sindicatos reivindicam ainda que faltam cerca de 1.500 trabalhadores para desempenhar as funções que lhes são confiadas.
Para além do STRN, cuja paralisação se estende até dia 17 e recomeça de 19 a 23 de agosto, também outros sindicatos estão em greve. A Associação Sindical dos Conservadores dos Registos e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais estão em protesto até 17 de agosto. Já o Sindicato Nacional dos Registos vai parar a 16 e 26 de agosto e 2, 9, 23 e 30 de setembro.
Governo decreta serviços mínimos e fala em trabalho de ano e meio
Face a estas greves, que podem afetar o funcionamento das conservatórias e de outros balcões, nomeadamente, nas Lojas de Cidadão, o Governo decidiu decretar serviços mínimos. Estes englobam a entrega de Cartão de Cidadão (CC) urgente e muito urgente, o pedido, emissão e entrega de Cartão de Cidadão provisório, a realização de casamentos civis agendados antes do aviso de greve, urgentes, em situação de iminência de parto ou de morte, e a realização de testamentos em iminência de morte (in articulo mortis).
O Executivo sublinha também que estão disponíveis os serviços online do Portal de Serviços Públicos ou do Portal da Justiça, onde é possível fazer pedidos de segunda via do Cartão de Cidadão (necessário em caso de perda ou de roubo), de renovação do CC para maiores de 25 anos, de alteração da morada no CC, e a consulta de certidões e atos de registo civil, predial, comercial ou automóvel.
No que diz respeito às reivindicações, o Governo pronunciou-se também, relembrando que “o novo estatuto resultou de um intenso trabalho de cerca de ano e meio que incluiu as estruturas sindicais e reflete muitas das reivindicações apresentadas por estas, designadamente em matéria de remunerações”.
O Ministério da Justiça aponta que “o reposicionamento remuneratório dos trabalhadores representa um acréscimo de despesa que ascende a 136 mil euros anuais”, e acrescenta que “está também previsto o reforço dos recursos humanos, com a admissão de 100 novos conservadores, cuja remuneração, apenas no período de ingresso, significa um dispêndio de cerca de 2,3 milhões de euros”. Quanto às condições de trabalho, avança que está em prática um Plano de Requalificação de Infraestruturas dos Registos.
Greve com adesão de 90%
Em resposta ao comunicado do Ministério da Justiça, o STRN aponta que “o único concurso aberto foi para 35 assistentes técnicos, quando faltam 139″, e que “faltam ainda 199 conservadores e 1.353 oficiais de registo”, reiterando assim que o anúncio do reforço de 100 novos conservadores não corresponde ao que se verificou até ao momento.
Recorda ainda que, apesar de o Governo mencionar, no comunicado, o trabalho com as estruturas sindicais para a elaboração do novo estatuto remuneratório destes trabalhadores, “não aceitou nenhuma das propostas” dos sindicatos e “violou as regras da negociação coletiva”.
O STRN diz que, no balanço dos primeiros dias de greve, registou uma adesão a nível nacional de 85% a 90%, e prevê que este número se mantenha elevado até ao final. Os 10 a 15% dos trabalhadores não aderiram à greve fizeram-no para assegurar os serviços mínimos, que o sindicato diz terem sido “ilegalmente fixados por um acórdão, que se encontra em recurso no Tribunal da Relação de Lisboa e que obteve já pronuncia favorável do Ministério Público”.
Na altura em que anunciou a greve para agosto, o sindicato adiantou também que vai marcar mais greves e manifestações consecutivas até às eleições legislativas de outubro.
Atrasos nas conservatórias e serviços encerrados
Apesar de não ter tanta visibilidade como os motoristas, o STRN garante que já se sente o impacto da greve. Ao terceiro dia “já se sentem atrasos nas conservatórias”, porque “há evidente indisponibilidade nos serviços de balcão e os pedidos ‘online’ não estão a ser satisfeitos”, revelou o presidente do STRN, Arménio Maximino, num ponto de situação sobre a greve, no Porto, citado pela Agência Lusa. Há também “serviços totalmente encerrados”.
Fazendo lembrar as declarações do Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas, que defendeu que os motoristas não deveriam trabalhar mais do que oito horas, os trabalhadores dos registos também vão cumprir apenas o horário estipulado. “Pedimos aos trabalhadores para que não trabalhem fora de horas porque não são remunerados adequadamente”, disse Arménio Maximino.
“Pedimos que cumpram escrupulosamente o seu horário até que o Governo reconheça a importância da sua atividade para a sociedade portuguesa e para a economia”, completou o líder sindical.
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