Com a vitória de Boris, vem aí o Brexit. E agora?
Gestoras de ativos antecipam um regresso dos grandes investidores às ações britânicas e à libra esterlina. Para o período de acalmia esconde fortes incertezas sobre o futuro das relações pós-Brexit.
Boris Johnson teve uma vitória “surpreendente” nas eleições no Reino Unido. Conseguiu maioria absoluta no Parlamento, o que dá maior poder ao líder do Partido Conservador para negociar o Brexit, melhorando as perspetivas para a economia britânica. Ações e libra estão a responder ao otimismo, mas o risco não está completamente afastado.
“Estas eleições legislativas resultaram numa vitória surpreendentemente forte para o Partido Conservador“, referiu Azad Zangana, economista sénior para a Europa da Schroders, que espera que o Reino Unido consiga sair da União Europeia, como planeado, a 31 de janeiro de 2020.
A posição parece consensual entre gestoras de ativos e investidores. A libra esterlina disparou 2% face ao euro, para o valor mais elevado desde julho de 2016, pouco depois do resultado do referendo ao Brexit que resultou na decisão de saída. A bolsa britânica ganhou mais de 1% e impulsionou o sentimento dos mercados acionistas por toda a Europa.
“Com este resultado, uma grande incerteza foi afastada, apesar de se manter toda uma nuvem de incerteza“, disse Steven Bell, economista chefe da BMO Global Asset Management. O acordo atual, que Boris Johnson fechou com a União Europeia antes das eleições, prevê um período de transição e a potencial extensão por dois anos. O primeiro-ministro diz não querer prolongar a transição além de dezembro de 2020, mas a hipótese está ainda em cima da mesa.
Boris vai conseguir cumprir com o Brexit a 31 de janeiro, mas “a próxima data-chave é julho de 2020, a data limite para pedir uma extensão do período de transição [que vigora até 31 de janeiro de 2022]. Apesar de ser muito provável que seja alcançado um acordo de comércio livre, duras negociações vão continuar, especialmente em áreas chave como os serviços, agricultura e pesca”, sublinhou Bell.
Boost para a economia e para as ações
Mas se continua tudo em aberto, o que é que justifica o entusiasmo dos mercados em reação à noite eleitoral? “O Reino Unido está a entrar num período de relativa estabilidade política pela primeira vez em uma década”, acredita a BlackRock, apontando para a “autoridade e flexibilidade política” que a maioria absoluta deu ao primeiro-ministro.
A gestora considera que será difícil negociar um acordo comercial e resolver a questão da Escócia — que têm de ficar resolvidos durante o período de transição, mas até dezembro de 2020 — pelo que espera um adiamento deste prazo. Ainda assim, com a maioria do Parlamento, Boris Johnson não deverá ter problemas em fazer algumas concessões sem ser obrigado a tirar o Reino Unido do mercado único ou a união aduaneira.
Assim, “os ativos britânicos deverão ser impulsionados“, considera a BlackRock. As ações do Reino Unido têm registado, há três anos e meio, um desempenho abaixo das pares globais. A média histórica indica que o índice MSCI UK negoceia com um desconto de 17% em comparação com o índice mundial MSCI Global. Este diferencial atingiu os 35% — valor mais elevado em 30 anos — no início do mês, podendo agora diminuir.
Há 30 anos que desconto das ações britânicas não era tão elevado
“Esperamos ver fluxos de volta para as ações britânicas agora que parte da incerteza britânica foi removida. Setores do Reino Unido com foco doméstico, como construção, consumo discricionário, finanças, imobiliário ou saúde deverão ter um desempenho acima dos pares internacionais“, acrescentou a BlackRock.
A bolsa britânica deverá ainda beneficiar da política orçamental no novo Governo Conservador, sendo esperada uma recuperação económica do país ao longo de 2020 e após anos de fraqueza causada pelo Brexit.
A estimativa do Credit Suisse é que a economia britânica se expanda 2% em 2020, acima dos 1,3% perspetivados para este ano. “Isto deverá significar que o Banco de Inglaterra mantenha os juros inalterados no primeiro semestre de 2020, até que seja tomada uma decisão sobre a extensão do período de transição. Depois disso, esperamos uma subida cautelosa dos juros no segundo semestre quando a recuperação do crescimento se materializar“, explicou Michael Strobaek, global chief investment officer do banco.
Europa é beneficiada, mas o dólar não
O cenário é animador não só para o Reino Unido, mas para toda a Europa. O divórcio sem acordo ou o recomeçar de todo o processo teria consequências negativas também para o continente, com especial destaque para o setor automóvel. Assim, a volatilidade comercial entre os dois blocos é reduzida.
Se na frente financeira, o resultado é benéfico, no campo político não é assim tão linear. Da perspetiva da União Europeia significa também a perda de uma voz liberal no Parlamento Europeu. Os Estados do bloco comunitário terão de encontrar um novo alinhamento, o que poderá dar espaço a que países nórdicos como Irlanda, Holanda ou Alemanha ganhem poder.
Já para os Estados Unidos, também há impacto, em especial para o dólar. O rally da libra sinaliza que o longo período de outperformance do dólar face aos restantes mercados de divisas do mundo poderá estar prestes do fim. A aproximação do fim de ciclo económico e os cortes de juros da Reserva Federal norte-americana já tinham causado uma desaceleração do dólar. Agora, a recuperação da libra poderá dar mais um golpe na moeda americana.
“Os investidores deveriam prestar atenção ao presságio que o resultado traz para a força do dólar, a propensão global para priorizar a política orçamental e os sinais contrários para o outlook de inflação“, alerta Paras Anand, head of asset management para a Ásia Pacifico da Fidelity.
“À primeira vista, o resultado das eleições no Reino Unido parece ter pouca influência para os mercados globais, mas sendo considerado no contexto do que podem ser os pontos de inversão na política económica e liderança dos mercados, os investidores devem prestar atenção”, rematou.
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