Finibanco, a ASF e o Banco de Portugal. 7 polémicas da “Era” Tomás Correia

Terminou a "Era" Tomás Correia no Montepio. Foram 11 anos de muita controvérsia: desde a compra do Finibanco até à borla fiscal, passando pelas decisões dos reguladores BdP e ASF.

É o fim de uma “Era” no Montepio. Tomás Correia deixa a liderança da maior mutualista 11 anos depois. Foram três mandatos e mais um ano do quarto mandato que terminaram abruptamente com um obstáculo chamado ASF. Para trás fica uma coleção de polémicas, desde a compra do Finibanco 40% acima do valor de mercado até à borla fiscal de 800 milhões de euros que permite à Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) respirar. Somou controvérsias no banco, abrindo guerra a Félix Morgado e Carlos Tavares. Na saída não evitou as críticas: o almoço de Natal custou 600 mil euros, uma despesa enorme face à situação sensível que a maior mutualista enfrenta.

A compra do Finibanco

É apontado como um dos negócios mais desastrosos de Tomás Correia. Em julho de 2011, numa altura em que os bancos estavam em grande stress por causa da crise das dívidas soberanas, a AMMG avançou para a compra do Finibanco, um pequeno banco do Porto detido maioritariamente pela família Costa Leite. A operação saiu cara aos associados, que no ano seguinte tiveram de injetar 450 milhões de euros. O Finibanco custou 350 milhões de euros, cerca de 100 milhões acima do valor de mercado.

Além de cara, a operação também esteve envolta em polémica também por causa dos indícios de crime de mercado financeiro. Suspeitas de abuso de informação privilegiada (insider trading), depois de um repentino disparo no valor das ações do Finibanco nas sessões anteriores à OPA, levaram o polícia dos mercados a ir para o “terreno”.

Depois da compra do Finibanco, Tomás Correia admitiu avançar também para a aquisição do BPN — veio a ser comprado pelo EuroBic. Muitos dos opositores criticam isto mesmo: as “aventuras” (desventuras) da AMMG no mundo financeiro. As apostas no Finibanco e na Real Seguros (adquirida pela Lusitânia em 2009) são duas das razões apontadas para os atuais problemas de maior mutualista do país. Em entrevista ao ECO, Vítor Melícias, braço-direito de Tomás Correia, diz que o maior desafio da AMMG passa por regressar às suas origens: apostar mais no mutualismo e menos no negócio bancário.

Tomás Correia, em 2011, admitia comprar o BPN, depois de ter adquirido o Finibanco.José Sena Goulão/ Lusa 19 julho, 2011

A divisão entre banco e mutualista

Poucos meses depois de ter decidido resolver o BES, que sucumbiu face à ligação ao Grupo Espírito Santo, o Banco de Portugal exigiu uma separação clara entre AMMG e o seu banco, a Caixa Económica Montepio Geral (atual Banco Montepio). Estávamos em 2015. Para o supervisor, eram evidentes os pontos de contacto entre o caso BES e o Montepio, como, por exemplo, a venda de produtos financeiros aos balcões do banco para financiar o acionista.

Com esta divisão, Tomás Correia deixou de dirigir o banco, ficando apenas na administração da mutualista. Contrariado, passou a pasta a José Félix Morgado, com quem veio a desenvolver uma relação tempestuosa. A rotura entre ambos foi inevitável, com Félix Morgado a procurar afastar-se da influência do acionista. Félix Morgado saiu do banco em março de 2018, antes de o seu mandato terminar no final desse ano. Na mensagem de despedida, Félix Morgado não escondeu a tensão com Tomás Correia. “É difícil ser vertical, sério, honrado e garantir um governo societário rigoroso“, disse aos trabalhadores.

Saiu Félix Morgado e desde então o Banco Montepio não estabilizou a liderança. Sucederam-se nomes para CEO e chairman, mas por uma razão ou outra nenhum dos nomes chegou a “bom porto”. Carlos Tavares assumiu a dupla função de CEO e chairman durante algum tempo. Mas a relação com o ex-presidente do Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) também não foi fácil, com Tomás Correia a apontar-lhe muitas críticas. O último braço-de-ferro foi travado na escolha do novo CEO: Pedro Leitão.

Como a mutualista, também o banco ainda procura voltar ao caminho dos lucros sustentáveis, mas o passado continua a pesar nas contas.

O grande truque fiscal

Em março de 2018, a Tomás Correia pediu ao Governo um crédito fiscal de 800 milhões de euros. Foi a solução encontrada para resolver contabilisticamente a situação de falência técnica em que se encontra a mutualista. Em contrapartida, a AMMG perdeu a isenção fiscal que é dada às IPSS e passou a pagar impostos como uma empresa normal.

Na base desta solução criativa estão os chamados ativos por impostos diferidos, que representam o direito a um valor económico de uma potencial dedução fiscal futura e ficam registados no balanço do ano como ativos — embora a instituição só possa usufruir desta benesse fiscal na conta de resultados no futuro se, e quando, apresentar lucros tributáveis. Ou seja, estes ativos não estão lá verdadeiramente e podem nem chegar a concretizar-se, embora já estejam registados nas contas, insuflando o património da mutualista de forma meramente contabilística.

Este é um dos pontos mais críticos: o facto de a AMMG não ter ativos suficientes para fazer face às suas responsabilidades com os associados. Num caso extremo, este desequilíbrio financeiro mascarado pelos créditos fiscais pode levar a que os associados a sejam chamados a “cobrir” o buraco da mutualista — as regras preveem um corte de 30% nos benefícios ou o aumento das quotizações; num outro cenário, o Estado pode intervir, neste caso através da Caixa Geral de Depósitos, algo que tem sido falado nos bastidores.

Prejuízos, mais prejuízos e fuga de associados

A AMMG atravessa um momento importante da sua vida de quase dois séculos. A instituição continua com dificuldades em apresentar lucros. Durante a crise, entre 2013 e 2016, os prejuízos ascenderam a cerca de 800 milhões de euros, que foram “apagados” contabilisticamente com os créditos fiscais registados nas contas de 2017. A aparente situação de equilíbrio das contas não tem tirado o Montepio das notícias, a maioria delas pelos maus motivos e associadas a Tomás Correia — o próprio queixou-se de que o salário de 30 mil euros brutos mensais não pagavam o que sofria.

Tomás Correia tinha o sonho de chegar ao milhão de associados. Quando chegou ao poder, o Montepio tinha cerca de 430 mil associados. Deixa agora o cargo com cerca de 600 mil associados, mas a tendência é de fuga. Este ano deverão sair oito mil associados. Nos últimos cinco anos terão saído mais de 25 mil associados.

Isto tem impacto. Com a saída de mutualistas, a AMMG perde a sua fonte de receita principal. Nos últimos cinco anos, a margem associativa foi sempre negativa, acumulando um défice de 1.258 milhões de euros. Isto resulta de menos aplicações do que resgates, desequilibrando ainda mais as contas da maior mutualista do país. Em termos de resultado líquido do grupo, Tomás Correia sai como entrou: com lucros, mas baixos.

Montepio

Novo código põe ASF a supervisionar Montepio

Era um tema discutido há anos: quem devia supervisionar a parte financeira da AMMG, tendo em conta a falta de conhecimento dos técnicos do Ministério da Segurança Social, que detém a tutela “política” das mutualistas? A questão punha-se por causa dos produtos mutualistas, alguns dos quais se assemelham a depósitos bancários, mas que, ao contrário destes, as poupanças lá investidas não está protegidas por um fundo, havendo um vazio legal em relação à supervisão financeira.

O Governo de Passos Coelho chegou a avançar com a iniciativa de rever o código das associações mutualistas, mas o projeto não saiu da gaveta. Recentemente, numa reunião do conselho geral da AMMG, Tomás Correia revelou que Maria Luís Albuquerque, ex-ministra das Finanças, queria transformar a instituição numa companhia seguradora, uma intenção que foi travada pelos ministros Paulo Portas e Pedro Mota Soares.

Foi já na segunda metade da anterior legislatura que o Executivo de António Costa finalizou a revisão do código das associações mutualistas, criando um regime de supervisão para as grandes instituições: isto é, passariam para a alçada da Autoridade de Supervisão dos Seguros (ASF), o regulador dos seguros. Mas a nova lei não foi clara à primeira no que tocava à idoneidade dos dirigentes mutualistas, pelo que o Governo teve de fazer uma clarificação. Marcelo Rebelo de Sousa promulgou a norma interpretativa em tempo recorde. A sucessão de acontecimentos levou Tomás Correia a pensar se não seria uma lei feita à medida dele.

Tomás Correia liderou a Associação Mutualista Montepio nos últimos 11 anos.Hugo Amaral / ECO 7 dezembro 2018

A multa do Banco de Portugal

Foi o princípio do fim da era Tomás Correia. Em fevereiro de 2019, o Banco de Portugal multou-o em 1,25 milhões de euros devido a irregularidades e atos de má gestão praticados enquanto presidente do banco entre 2009 e 2014. Com Tomás Correia foram condenados outros sete ex-administradores do banco naquele período e ainda o Banco Montepio, com as coimas a ascenderem a cinco milhões de euros.

Foram apresentados recursos e o tribunal de Santarém anulou as coimas, mandando o processo para trás devido à desorganização do dossiê, que não possibilitou que a defesa pudesse contra-argumentar. Mas o processo mantém-se.

Precavendo-se de eventuais complicações legais, um ano antes, Tomás Correia imputou ao banco o pagamento das custas judiciais, numa proposta polémica que o próprio aprovou enquanto líder do acionista numa assembleia geral do Banco Montepio, um caso revelado pelo ECO em primeira mão. Há mais casos envolvendo Tomás Correia. O Ministério Público está a investigá-lo devido a créditos concedidos ao construtor José Guilherme, o homem que alegadamente deu um presente de 14 milhões a Ricardo Salgado. Há outros casos a correr no Banco de Portugal.

De qualquer forma, a decisão do supervisor bancário terá sido decisiva para a saída de Tomás Correia. Na iminência de chumbo da ASF, Tomás Correia tomou a iniciativa de abandonar a liderança. Sai este domingo.

“Dia 24 não saio de certeza absoluta”

Tomás Correia é conhecido por ter o dom da palavra. Por isso, foi com um pé atrás que os jornalistas ouviram as suas palavras após o ECO ter noticiado que o presidente da AMMG se preparava para anunciar a sua saída na reunião do conselho geral marcado para o dia 24 de outubro. Disse Tomás Correia poucos dias depois das notícias: “Não estou a ser afastado. E não me condicionam com essa conversa. Dia 24 não saio de certeza absoluta. Podem ficar tranquilos”.

Mas, na mesma ocasião, à saída de um evento social, deixou a porta mais do que aberta ao cenário de saída iminente: “É óbvio que eu por razões de idade, numa dada altura, hei-de sair do Montepio, até porque já não tenho condições físicas e até intelectuais, se quiserem pensar assim, para poder continuar a assumir esta responsabilidade”.

Sem desmentir os jornais e sem se desmentir a si próprio, Tomás Correia chegou ao conselho geral de 24 de outubro e largou a “bomba”: pediu escusa das funções, algo que os conselheiros aprovaram por unanimidade. Publicamente, diz que saiu por estar contra o código das associações mutualistas, que reduz a autonomia das instituições, lançando fortes críticas ao Governo. Mas, na verdade, já tinha a ASF à perna. Mesmo no último grande momento, Tomás Correia não evitou a polémica: o tradicional almoço de Natal com os quadros de grupo, e que marcará a sua despedida terá custado 600 mil euros.

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