Picos de reembolsos de dívida obrigam Portugal a manter cofres cheios, diz Cristina Casalinho
Presidente da IGCP explica, ao ECO, como será feita a gestão da dívida pública neste momento de crise, que está a levar a um reforço das necessidades de financiamento.
A dívida pública portuguesa nunca foi tão elevada. Num cenário de pandemia que obriga o país a gastar mais, o Tesouro está a reforçar o endividamento nos mercados e a estratégia será para manter. Até porque as obrigações que se avizinham impedem o país de relaxar a almofada financeira, como explica a presidente do Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, Cristina Casalinho, ao ECO.
“Dado o perfil de reembolsos em 2021, com a OT [obrigação do Tesouro] a maturar em abril, dificilmente se poderá reduzir a almofada financeira entre 2020 e 2021“, aponta Casalinho sobre as obrigações que Portugal tem para com os investidores. Já dia 15 de junho deste ano, atinge a maturidade uma linha de obrigações com quase 8 mil milhões de euros.
Ou seja, Portugal tem de ter dinheiro para pagar este empréstimo. No próximo ano, esta “parede” de reembolsos acontece mais cedo: são 8.727 milhões logo em abril, sendo que a antecipação obriga o Tesouro a reajustar as idas ao mercado para garantir liquidez.
“Lembramos que em 2019, o excedente de liquidez, pela melhoria das condições de mercado e de notação financeira do soberano, foi reduzida de 9,3 mil milhões de euros em 2018 para 6,8 mil milhões, sendo que a previsão original para final de 2020 era 8,9 mil milhões, devido à alteração do perfil intra-anual de reembolsos em 2021“, clarificou.
Assim, o IGCP deverá continuar a procurar no mercado financiamento para as medidas de combate ao vírus. Logo no primeiro mês em que o Covid-19 chegou a Portugal, em março, o Tesouro recorreu à almofada financeira, mas, em abril, o IGCP aumentou de forma expressiva o endividamento e reforçou a almofada financeira novamente.
Só nesse mês, a dívida pública subiu 7.280 milhões de euros — a maior subida mensal desde o início de 2015 — para 262.056 milhões de euros. O valor é o mais elevado de sempre. “O aumento da dívida pública em abril decorre da realização de um sindicato de 5 mil milhões de euros nesse mês, acontecimento que já ocorreu em anos anteriores, embora não em 2019, fazendo parte da estratégia de financiamento”, explica Casalinho, ao ECO.
“Este ano, a concretização do segundo sindicato em abril é explicada pelo reembolso da OT 2020 em junho e ainda pela preparação do impacto orçamental da pandemia. No início de abril, aquando da publicação do programa trimestral, foi comunicado que se iria proceder a uma aceleração da execução do plano anual, sendo que a realização de um sindicato e leilão no mesmo mês, como ocorrido em abril, corresponde à materialização dessa intenção“, explica a presidente do IGCP.
"Este ano, a concretização do segundo sindicato em abril é explicada pelo reembolso da OT 2020 em junho e ainda pela preparação do impacto orçamental da pandemia. No início de abril, aquando da publicação do programa trimestral, foi comunicado que se iria proceder a uma aceleração da execução do plano anual, sendo que a realização de um sindicato e leilão no mesmo mês, como ocorrido em abril, corresponde à materialização dessa intenção”
A aceleração da execução do plano anual de financiamento acontece — para Portugal como para os restantes países da Zona Euro — com a tranquilidade de saber que é quase certo que haverá comprador para a enorme quantidade de dívida que está a inundar o mercado: o Banco Central Europeu (BCE).
A instituição liderada por Christine Lagarde lançou, em meados março, um programa de emergência pandémica (PEPP, na sigla em inglês) com 750 mil milhões de euros para comprar dívida pública e privada dos países da Zona Euro, no mercado secundário (e não diretamente no mercado primário quando o IGCP emite a dívida), até ao final do ano.
Foi dentro deste programa que o BCE adquiriu 4,15 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro portuguesas. Além deste montante, comprou ainda outros 2 mil milhões de euros desde o início do ano, no âmbito do programa normal que já estava em curso. Apesar desta bazuca europeia, Cristina Casalinho rejeita que haja qualquer ajustamento do país especificamente ao BCE.
“Os programas de aquisição de ativos do BCE são desenhados de forma a serem neutros no que respeita ao mercado, evitando qualquer interferência nas decisões de emissão dos soberanos europeus (e vice-versa). Assim, pela natureza dos programas do BCE, as emissões dos soberanos europeus não lhes são ajustadas, tanto mais que os programas de financiamento dos Estados-Membros são anunciados no início de cada ano e, posteriormente, confirmados/ajustados trimestralmente”, acrescenta.
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