Governo tem 20 milhões para espaços de cowork. Gestores alertam para lacunas no setor
O Governo tem 20 milhões de euros para criar mais espaços de cowork no interior do país. Os gestores destes espaços aplaudem a medida, mas alertam para as lacunas que ainda existem no setor.
No início de junho, o Governo aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, que inclui medidas de apoio à criação de espaços de coworking no interior do país e, ainda, incentivos à criação de emprego em regime de teletrabalho, com o objetivo de fazer face aos efeitos da pandemia de Covid-19. Para o Governo, os espaços de coworking são uma forma de combater o isolamento e a desmotivação, ao mesmo tempo que ajudam a dinamizar a economia local.
Ao todo, o Governo vai destinar 20 milhões de euros do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional para apoiar a criação de espaços de coworking no interior do país, com o envolvimento dos municípios ou infraestruturas tecnológicas. Somam-se 20 milhões de euros, no âmbito do Programa + CO3SO Emprego, para incentivar a criação de empregos em regime de teletrabalho.
Um investimento necessário, mas tardio
Os espaços de coworking são uma forma de dinamizar a região onde se instalam, porque atraem pessoas que se fixam naquele lugar e contribuem para a economia local. Fernando Mendes, cofundador do Now_Beato e pioneiro na gestão destes espaços em Lisboa, congratula as medidas anunciadas pelo Governo para a criação de mais coworks no interior do país, mas acredita que “peca por tardia” num setor que começou a dar os primeiros passos, em Portugal, em 2010. Para o responsável, é importante conciliar a criação de mais espaços com novas soluções de alojamento, de serviços e apoios formais e informais.
Para João Simões, CEO do Idea Spaces — que tem espaços de cowork no Palácio Sotto Mayor, no Saldanha, e no Parque das Nações, em Lisboa –,este é um bom investimento, mas que “peca por insuficiente e passa grande parte do risco para o operador/empreendedor”, começa por explicar à Pessoas. “Penso que a descentralização do trabalho remoto para zonas do país mais desertificadas do país é o futuro, mas precisamos de criar mais infraestruturas envolventes, nomeadamente; acessibilidades, habitação, comércio e serviços que comportem a acomodação destes ‘novos habitantes’ nessas zonas”, sublinha.
Os municípios poderão ser facilitadores do processo, mas estes espaços vivem de pessoas e carecem de dinamismo e de iniciativas que dificilmente se coadunam com horários normais. São comunidades colaborativas, habituadas a trabalhar em rede e à distância. Não chega ter boa internet, cadeiras confortáveis e decoração a condizer.
“De nada servirão os espaços de coworking que agora vão nascer em catadupa no interior se a medida não for acompanhada de outras que apoiem estes trabalhadores localmente. Há que diferenciar quem vivendo no interior pode trabalhar remotamente para clientes e empresas à distância; quem vai decidir sair dos centros urbanos e tentar uma nova vida fora da cidade; e finalmente quem se posiciona como nómada digital e, por isso, não prevê uma estadia longa“, acrescenta Fernando Mendes.
Para Hélder Soares, fundador do Facts Coworking, um espaço de cowork no centro do Porto, o apoio à criação de espaços de cowork pode ajudar a resolver “as assimetrias” que existem no setor, mas alerta para o facto de os apoios temporários poderem afetar a sustentabilidade destes espaços a longo prazo. “As vantagens para o coworking não serão por causa dos apoios, mas sim pela boa experiência que algumas empresas estão a ter com funcionários em teletrabalho”, defende Helder Soares. O responsável acredita que são necessários mais apoios para minimizar o impacto da redução da lotação destes espaços, devido à pandemia. Estes apoios poderiam passar por reduzir ou eliminar temporariamente o IVA para as subscrições nestes espaços, exemplifica.
Um setor com várias lacunas
A urgência de construir um enquadramento legal para o setor cresce, à medida que aumenta o investimento para a criação de mais espaços. Para os gestores destes espaços, há uma urgência de definição: “Somos escritórios? Somos hospitalidade e/ou hotelaria? Cafetaria e restauração? Meros serviços combinados de apoio ao trabalho? Somos isso tudo, mas isso tudo não tem uma categoria legalmente enquadrada, delimitada e definida“, sublinha Fernando Mendes, fundador do NOW_Beato.
Ivone Cruz, community manager do LINK Cowork & Business, sediado em Viana do Castelo, alerta que estas medidas “serão infrutíferas se não forem acompanhadas de um planeamento estruturado de coesão territorial. Não será suficiente criar apoio financeiro ao teletrabalho ou à criação de espaços de coworking. É necessário reconhecer o valor que as regiões têm, deixando eventualmente de falar de Portugal como interior e litoral, insistindo na ideia de que um tem tudo e outro não tem nada”, ressalva.
O que esta pandemia trouxe de bom foi demonstrar que o trabalho remoto pode ser feito com qualidade e com níveis de produtividade iguais ou superiores aos pré-Covid.
“Os municípios poderão ser facilitadores do processo, mas estes espaços vivem de pessoas e carecem de dinamismo e de iniciativas que dificilmente se coadunam com horários normais. São comunidades colaborativas, habituadas a trabalhar em rede e à distância. Não chega ter boa internet, cadeiras confortáveis e decoração a condizer“, acrescenta a gestora.
Os gestores de espaços de cowork alertam ainda para a urgência em distinguir teletrabalho de trabalho remoto, apesar de reconhecerem o potencial destes espaços para quem está em teletrabalho.
“Antes de o Governo apoiar o teletrabalho, deveria primeiro perceber o que é o teletrabalho”, aponta Hélder Soares. “Quando ouves falar de medidas de incentivo ao teletrabalho, ao mesmo tempo que consideram que em teletrabalho podes tomar conta dos filhos, alguma coisa não bate certo”, sublinha.
“O que esta pandemia trouxe de bom foi demonstrar que o trabalho remoto pode ser feito com qualidade e com níveis de produtividade iguais ou superiores aos pré-Covid. No entanto há que destacar que teletrabalho, como temos estado nestes últimos meses, não é a mesma coisa que trabalho remoto, onde é feito por escolha e não forçado em casa“, concorda João Simões, do Idea Spaces.
Medidas concertadas e mais colaboração
João Simões, gestor do Idea Spaces, defende que, tanto o Governo como as autarquias deviam “desafiar os principais operadores de espaços de cowork nas grandes cidades do país a implementarem, dinamizarem e integrarem esses novos polos em rede com as grandes cidades, para evitar criar silos locais que a médio/longo prazo não são sustentáveis nem dão potencial de crescimento para o negócio, mas principalmente não dão escala aos membros dessa comunidade”, sublinha.
“O enquadramento poderia ser feito, por exemplo, através de management contracts (contratos de gestão e exploração) com um modelo de revenue share, criando uma relação win-win para todas as partes envolvidas”, explica João Simões.
“Acredito que as empresas e organismos públicos deverão procurar um modelo híbrido que dê a flexibilidade e a opção de os seus colaboradores escolherem onde e quando trabalhar, laborando por objetivos e não por horas presentes no espaço físico da empresa”, acrescenta.
Ivone Cruz reconhece ainda a importância deste investimento, mas receia que fique aquém do potencial. “É indispensável uma maior abertura da sociedade para o trabalho colaborativo e em rede. Admito que a situação atual em que vivemos precipitou um boom tecnológico e digital que, por sua vez, levou as pessoas à procura de formas diferentes de estar na vida. Ainda há muito a fazer”, explica.
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