“Gestão da dívida neste momento não é radicalmente diferente da crise financeira”, diz Casalinho
A presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP considera que a pandemia gerou os mesmos fatores de incerteza que a última crise, mas desta vez a resposta foi mais rápida.
A pandemia gerou fatores de incerteza na gestão da dívida pública próximos dos vividos na última crise financeira, segundo a presidente da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, Cristina Casalinho. Mas foi a rápida resposta das instituições europeias que permitiu que a volatilidade se cingisse a menos de um mês, em comparação com vários anos.
“Se pensarmos em termos de gestão da incerteza a nível estrito da dívida pública, na realidade, a gestão neste momento não é radicalmente diferente da grande crise financeira de 2008 a 2012. Não é radicalmente diferente se pensarmos no pico da crise”, começou por dizer Casalinho, na conferência online “Dívida pública e financiamento — como gerir a incerteza em tempos de pandemia?”, organizada esta terça-feira pelo ISCTE.
A gestora apontou para os mesmos sinais nos dois períodos, incluindo a fragmentação do mercado, o alargamento dos prémios de risco dos países ou a fuga para a qualidade. “A grande diferença é que nesta crise verificou-se no final de fevereiro e parte de março, enquanto na crise arrastou-se durante vários anos”, sublinha. “A reação foi muito mais rápida”.
A grande diferença é que nesta crise verificou-se no final de fevereiro e parte de março, enquanto na crise arrastou-se durante vários anos. A reação foi muito mais rápida.
Cristina Casalinho lembrou que, em 2012, o ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, disse que faria tudo o que fosse necessário para salvar o euro e só três anos mais tarde viria a iniciar-se o programa de compra de dívida. Desta vez, a sucessora Christine Lagarde anunciou um programa de emergência de 750 mil milhões de euros (desde então alargado até 1,35 biliões) e este começou no dia seguinte.
Foi a reação rápida (a par da eliminação das restrições ao programa) que permitiu que não houvesse nunca dúvidas sobre se um Estado da Zona Euro iria entrar em incumprimento, segundo Casalinho. “É uma alteração de paradigma bastante significativa que fez com que as dificuldades que os Estados viveram não se repetissem. Mas vimos picos de volatilidade muito grandes”.
Além da rapidez do BCE e da Comissão Europeia, Casalinho também vê mérito nos próprios Estados, que considera que aprenderam a lição do passado. As dívidas públicas são agora mais longas do que eram, as necessidades de refinanciamento diminuíram e as almofadas financeiras são hoje mais robustas. “Na própria gestão de dívida, houve uma mudança de paradigma. A resposta é de mais longo prazo que na crise anterior. Mais rápida e com uma perspetiva de mais longo prazo“, rematou.
Os próprios Estados aprenderam a lição do passado. Portugal está numa situação completamente diferente que em 2010.
“Portugal está numa situação completamente diferente face a 2010”, defendeu, apesar de admitir que a dívida pública vai aumentar como nunca. “Uma coisa que sabemos é que, se entrámos nesta crise com níveis elevados de dívida, vamos sair com dívida ainda mais elevada”.
A projeção do Governo, inscrita no Orçamento Suplementar, aponta para um rácio de 134,4% do Produto Interno Bruto (PIB). O rácio representa um aumento de 16,7 pontos percentuais face aos 117,7% registados em 2019 e é o mais elevado de sempre. Questionada sobre nestes níveis a dívida pode ser sustentável, a presidente do IGCP respondeu: “Não vejo por que razão não há-de ser”. Acrescentadno que o importante é a capacidade de gerir o stock.
Casalinho apontou ainda a importância de olhar para a composição da base de investidores e para a dependência de não residentes e não apenas para a dívida pública de forma desagregada. Enquanto em 2010, 85% era detido por não residentes, agora essa percentagem caiu para cerca de um terço e é semelhante à dos investidores domésticos e de credores oficiais.
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