EUA pressionam Portugal por causa da China. MNE diz que quem toma as decisões é Portugal
O embaixador norte-americano em Lisboa diz que Portugal tem de escolher entre os Estados Unidos e a China. Ministro dos Negócios Estrangeiros responde que quem toma as decisões é Portugal.
O embaixador dos Estados Unidos em Lisboa afirma que Portugal tem de escolher entre os “amigos aliados” Estados Unidos e o “parceiro económico” China. Em entrevista ao Expresso (acesso pago), George Glass diz que a entrada de certas empresas chinesas no capital de empresas portuguesas está a dificultar a relação entre Portugal e os Estados Unidos, alertando que escolher a China pode ter consequências. O Ministério dos Negócios Estrangeiros já respondeu, afirmando que quem toma estas decisões em Portugal são as autoridades portuguesas.
“Portugal tem de escolher agora entre os aliados e os chineses”, disse o embaixador, afirmando que escolher a China em questões como o 5G pode ter consequências em matéria de Defesa. Segundo o diplomata, as consequências serão de âmbito técnico, como a atividade da NATO ou a troca de informação classificada, e não políticas, pelo menos para já.
O embaixador admite ainda que Portugal é uma vítima do conflito comercial entre os Estados Unidos e China ao fazer parte do “campo de batalha” na Europa, onde uma das frentes de conflito é a nova tecnologia 5G, relativamente à qual Portugal equaciona trabalhar com a chinesa Huawei, ainda que não em aspetos fundamentais da rede, mas apenas na distribuição do sinal de rádio.
Glass é taxativo ao dizer que os EUA preferiam que Portugal não tivesse qualquer equipamento da Huawei na rede de 5G. “Se não tivermos parceiros confiáveis na rede de telecomunicações portuguesa, mudará a forma como interagimos com Portugal em termos de segurança e de Defesa. Temos feito chegar esta mensagem alto e bom som: a forma como trabalhamos com a NATO ou como trocamos informação classificada será afetada. Se tivermos confiança nas telecomunicações, seremos capazes de continuar a relacionar-nos como no passado. Se não tivermos, teremos de mudar a forma como comunicamos com Portugal”, disse o embaixador.
Há empresas chinesas a dificultar a relação entre Portugal e os EUA
Há outras empresas chinesas com posições de capital em empresas portuguesas — como a China Three Gorges na EDP e a CCCC que já tem acordo para entrar no capital da Mota-Engil, que “vendeu 30% da companhia por 30 moedas de prata” — a dificultar a relação entre Portugal e os Estados Unidos, sendo que em relação à Mota-Engil o embaixador norte-americano admite a possibilidade de sanções. Remeteu, no entanto, mais esclarecimentos para essas questões para o subsecretário norte-americano da Economia, Keith Krach, que vai estar na próxima semana em Lisboa.
Sobre a importância do “incrivelmente estratégico” Porto de Sines para a distribuição do gás natural liquefeito americano, Glass disse esperar que a construção e gestão do novo terminal “não vá para os chineses”. Se for, isso compromete a distribuição, admitiu. “Acho que tem de comprometer. Se fosse para os chineses, afetava a nossa visão daquilo que Sines se pode tornar. Vimos no passado que, se os operadores forem chineses, eles têm a capacidade de negar acesso a navios norte-americanos. Isso não pode acontecer. Sobretudo se pensarmos em Portugal como o ‘hub’ de gás e centro da segurança energética europeia”, declarou.
George Glass admitiu ainda que os Estados Unidos têm trabalhado com Portugal no sentido de “guiar” o investimento estrangeiro no país e diminuir o peso do investimento chinês. “Acho que agora são mais duros com a China. Quando cheguei a Portugal, as entidades estatais chinesas tinham 28% da EDP e agora têm 21%. Vai na direção certa. Mas precisa de ser menos”, acrescentou.
MNE responde e diz que quem toma as decisões é Portugal
A resposta por parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros não tardou, com o ministro a afirmar que quem toma as decisões em Portugal é o Governo. “O Governo português regista as declarações […]. Mas o ponto fundamental é este: em Portugal, quem toma as decisões são as autoridades portuguesas, que tomam as decisões que interessam a Portugal, no quadro da Constituição e da lei portuguesa e das competências que a lei atribui às diferentes às diferentes autoridades relevantes”, disse o ministério de Augusto Santos Silva, em declarações à Lusa.
“As decisões tomadas em Portugal são tomadas de acordo com os valores democráticos e humanistas, os valores portugueses, de acordo com os interesses nacionais de Portugal, de acordo com o processo de concertação a nível da União Europeia (UE), quando esse processo é pertinente e com o sistema de alianças em que Portugal se integra, que é bem conhecido e está muito estabilizado”, acrescentou.
Questionado pela Lusa sobre se as declarações de George Glass podem ser consideradas uma ingerência nos assuntos internos portugueses, Santos Silva defendeu que não e lembrou as boas relações entre Portugal e os Estados Unidos. “Não vejo. A profunda amizade que liga os dois países, a forma como temos desenvolvido ao longo dos anos relações muito frutuosas, a forma como colaboramos intimamente, seja no plano bilateral seja em organizações multilaterais, tudo isto justifica que não me pronuncie sobre a oportunidade e a forma da entrevista do senhor embaixador”, respondeu.
"Decidimos em função das nossas próprias opções. Somos nós que escolhemos e há muito que escolhemos. Fazemos parte da UE, da NATO, do Ocidente, temos uma relação privilegiada com África, com a América Latina, com diferentes regiões da Ásia e tudo isso é do conhecimento dos nossos aliados.”
Para Santos Silva, o Governo português “sabe” quais são os interesses de Portugal, bem como os dos aliados, e as obrigações, após o que, insistiu, toma as decisões. “Decidimos em função das nossas próprias opções. Somos nós que escolhemos e há muito que escolhemos. Fazemos parte da UE, da NATO, do Ocidente, temos uma relação privilegiada com África, com a América Latina, com diferentes regiões da Ásia e tudo isso é do conhecimento dos nossos aliados. E sabem que somos aliados de todas as horas, não de ocasião. Somos aliados confiáveis e credíveis”, argumentou.
Questionado sobre se as declarações do diplomata norte-americano configuram a possibilidade de ser chamado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para dar explicações, Santos Silva desdramatizou a questão. “Já respondi à pergunta essencial. É claro, para todos nós, qual é o quadro de referência em que nos movemos e que quem decide o que se faz somos nós, em cada momento”, respondeu, defendendo, porém, que Portugal considera bem-vindo todo o investimento estrangeiro.
“Todas as empresas norte-americanas são bem-vindas a Portugal, elas sabem disso. Queremos mais empresas dos Estados Unidos em Portugal, queremos mais empresas europeias. Somos a favor do investimento estrangeiro que cumpra a lei europeia e portuguesa e que contribua para a economia portuguesa”, acrescentou.
"Sabemos muito claramente que, em certos aspetos que têm a ver com questões de segurança nacional ou com sistemas de defesa em que Portugal se integre, os critérios de avaliação incorporam também esses critérios.”
Sobre questões relacionadas com a possibilidade de uma rede 5G da Huawei poder afetar a segurança e defesa nacionais, Santos Silva sublinhou que existem critérios de avaliação. “Sabemos muito claramente que, em certos aspetos que têm a ver com questões de segurança nacional ou com sistemas de defesa em que Portugal se integre, os critérios de avaliação incorporam também esses critérios”, concluiu.
O ECO contactou a Mota-Engil para saber se estas declarações põem em causa a entrada da China Communications Construction Company (CCCC) no capital da construtora portuguesa, mas ainda não obteve resposta.
(Notícia atualizada às 11h47 com reação do Ministério dos Negócios Estrangeiros)
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