Chumbo do Tribunal da UE à TAP não é inédito. Mas Espanha já tem ok
Ryanair deu entrada com 16 processos judiciais contra Bruxelas por ter permitido apoios, incluindo por Portugal, Países Baixos ou Espanha. Os três países tiveram decisões esta quarta-feira.
O Tribunal da União Europeia tomou, no mesmo dia, decisões contrárias sobre apoios públicos a companhias aéreas em três países diferentes. Portugal e Países Baixos viram um chumbo na forma como injetaram dinheiro na TAP e KLM, respetivamente, enquanto Espanha recebeu luz verde da justiça europeia. A razão prende-se com falta de argumentação.
A “insuficiência de fundamentação” é citada em ambos os casos para explicar a anulação das decisões da Comissão Europeia que permitiram aos dois Estados darem auxílio financeiro no âmbito da Covid-19. No caso da TAP, o tribunal aponta “lacunas na fundamentação” da decisão impugnada que fazem com que o Tribunal Geral não esteja “em condições de verificar se os requisitos” relativas aos auxílios a empresas em dificuldade estavam reunidos.
Em particular, houve uma falta de explicações por parte de Bruxelas em relação ao grupo. Esta questão importa para avaliar se as dificuldades com que o beneficiário se depara lhe são específicas e não resultam de uma afetação arbitrária dos custos, no âmbito do grupo, ou se estas são demasiado graves para serem resolvidas pelo próprio grupo.
Além disso, o Tribunal “constata” que a Comissão “não fundamentou” afirmações sobre eventuais benefícios para acionistas ou filiais e, por outro lado, que as dificuldades eram demasiado graves para serem resolvidas pelos administradores ou acionistas. “De facto, a Comissão limitou-se a prestar esclarecimentos sobre a situação financeira do beneficiário e sobre as dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19”, refere o acórdão.
O recurso pode ser apresentado no prazo de dois meses e dez dias a contar da notificação, mas o Governo português já explicou que a decisão concretiza-se na prática numa solicitação de informações complementares a Bruxelas. “É um processo em que não somos parte, é a Comissão Europeia”, disse António Costa esta quarta-feira. Tanto o primeiro-ministro como a gestão da TAP garantiram que não há, para já, quaisquer efeitos imediatos, nomeadamente a devolução do cheque de 1,2 mil milhões de euros.
A mesma garantia foi dada pela KLM, que antecipa que “não haja consequências” para a empresa da decisão semelhante tomada também na quarta-feira pelo mesmo tribunal. “Tendo em conta a insuficiência de fundamentação de que enferma a decisão impugnada, o Tribunal Geral não estava em condições de verificar a necessidade e a proporcionalidade do auxílio nem a observância das condições”, pode ler-se no acórdão relativo à companhia do grupo Air France.
"A Comissão limitou-se a prestar esclarecimentos sobre a situação financeira do beneficiário [TAP] e sobre as dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19.”
O Tribunal Geral salienta que a decisão impugnada não contém elementos relativos à composição da estrutura acionista da Air France e da KLM, nem informações quanto às relações funcionais, económicas e orgânicas entre a sociedade holding Air France-KLM e as suas filiais, embora revele que a sociedade holding está implicada na concessão e administração dos auxílios previstos tanto a favor da KLM como da Air France.
Neste caso trata-se de 3,4 mil milhões de euros que se juntam a outros 11 mil milhões para outras empresas do grupo. A ligação entre as várias companhias é exatamente um dos pontos que a justiça quer ver clarificado pois “a decisão impugnada também não expõe a eventual existência de um qualquer mecanismo que impeça que o auxílio concedido à Air France através da sociedade holding Air France-KLM beneficie, precisamente por intermédio da sociedade holding, a KLM, e vice-versa”.
Neste quadro, o Tribunal Geral declarou “inadmissíveis” as explicações apresentadas pela Comissão, pela primeira vez na audiência, para demonstrar que o auxílio anteriormente concedido à Air France não podia beneficiar a KLM. “Além disso, embora a Comissão disponha de um amplo poder de apreciação para determinar se sociedades que fazem parte de um grupo, devem ser consideradas como uma unidade económica para efeitos de aplicação do regime dos auxílios de Estado”, não o expôs “de forma suficientemente clara e precisa”.
Embora os efeitos tenham sido suspensos e as decisões sejam provisórias — cabendo agora à Comissão Europeia prestar os esclarecimentos necessários –, estas são as primeiras vitórias para a Ryanair. A maior low cost europeia deu entrada com 16 processos judiciais contra a Comissão Europeia por ter permitido apoio público a companhias de bandeira, como a TAP e a KLM, mas também a Lufthansa ou a Austrian Airlines.
Desde o início da pandemia, a concorrência europeia já deu luz verde a apoios de mais de três biliões de euros, o que a Ryanair considera que vai “contra os princípios fundamentais da legislação da UE” e inverte o processo de liberalização do transporte aéreo, “recompensando a ineficiência e encorajando a concorrência desleal”. Viu, por isso, os dois acórdãos como “uma importante vitória para os consumidores e para a concorrência”.
"A Comissão limitou-se a prestar esclarecimentos sobre a situação financeira do beneficiário [TAP] e sobre as dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19.”
A companhia não fez, no entanto, referência a um terceiro acórdão também conhecido esta quarta-feira, relativo ao Fundo de Apoio à Solvência das Empresas Estratégicas espanholas que registam dificuldades temporárias devido à pandemia de Covid-19. A medida em causa, destinada à adoção de medidas de recapitalização e dotada de um orçamento de 10 mil milhões de euros, foi usada para apoiar a Iberia e a Vueling.
O Estado espanhol decidiu injetar mil milhões de euros nas duas empresas, mas tendo sido incluído num pacote de apoios que Madrid viu aprovado em Bruxelas não precisou de ser tratado individualmente pela Comissão. Neste caso, a conclusão foi que “constitui um regime de auxílios de Estado, mas é proporcionada e não discriminatória”.
Sobre o princípio da não discriminação, considerou que o regime “satisfaz as condições” estabelecidas pela legislação europeia, na medida em que “visa efetivamente sanar uma perturbação grave da economia espanhola causada pela pandemia de Covid-19”. Além disso, o Tribunal acrescenta que o critério da importância estratégica e sistémica dos beneficiários do auxílio “reflete efetivamente” o objetivo do auxílio em causa.
O Tribunal Geral constata, por outro lado, que a limitação do regime em causa às empresas não financeiras, com importância sistémica ou estratégica para a economia espanhola, estabelecidas em Espanha e com os seus principais centros de atividade no seu território, é “simultaneamente adequada e necessária” para alcançar o objetivo de sanar a perturbação grave da economia espanhola.
A decisão relativa a Espanha é semelhante à tomada pela mesma instituição, no mês passado, sobre a SAS – Scandinavian Airlines e sobre a Finnair. Quanto à finlandesa, os juízes consideraram que a garantia do empréstimo estatal era “necessária” para remediar a grave perturbação na economia do país, dada a importância da transportadora aérea. Já sobre a SAS, referiram que “dado que a quota de mercado é muito superior à do seu concorrente mais próximo nos dois Estados-Membros, o auxílio não constitui uma discriminação ilegal”.
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