Patrões exigem “prudência” no acordo de rendimentos prometido por Costa

António Costa prometeu negociar em Concertação Social um acordo para melhorar os rendimentos dos portugueses. Patrões não se opõem, mas exigem prudência e que não fique isolado.

Os socialistas assumiram como promessa eleitoral a negociação na Concertação Social de um acordo de médio prazo para a melhoria dos rendimentos e da competitividade das empresas, discussão que as confederações patronais não rejeitam, mas em relação à qual admitem reservas. Ao ECO, deixam claro que exigem prudência e que entendem que os salários não devem debatidos de forma isolada.

A vontade de António Costa de firmar um acordo na Concertação Social sobre os rendimentos e competitividade não é nova, tendo o Governo começado a negociar nesse sentido com patrões e sindicatos em novembro de 2019. Na altura, a expectativa era de que até ao fim do primeiro trimestre de 2020 estivesse dado o “aperto de mãos” entre os parceiros, mas tal acabou por não acontecer.

A 11 de março de 2020 estava marcada mais uma reunião para adiantar trabalho nesse âmbito, mas a Covid-19 acabou por assumir protagonismo e esse encontro acabou por mudar de “vocação”, tendo sido atirado o acordo em questão para a gaveta.

De notar, contudo, que já antes da crise pandémica, no final de fevereiro, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, reconhecia haver “reticências” da parte dos patrões e dos sindicatos quanto à proposta do Governo de fixar um referencial médio para a valorização dos salários.

Definir um referencial para subir salários “é absurdo”, chegou a dizer, em entrevista ao ECO, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva. Com referenciais por setor “passaríamos a ter cartelização dos salários”, defendeu, por sua vez, Arménio Carlos, então secretário-geral da CGTP, também em entrevista ao ECO.

Apesar dessas dificuldades de negociação, os socialistas incluíram esse acordo de rendimentos e competitividade no seu programa eleitoral para a ida as urnas de 30 de janeiro. As confederações patronais dizem não rejeitar, à partida, a retoma dessa discussão, mas avisam que é preciso prudência.

A palavra é usada pelo presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que, em resposta ao ECO, lembra que o último acordo que contemplou a política salarial, em termos gerais, data de 1996 e aconteceu “no contexto de uma discussão mais vasta“. “Relativamente a um acordo de política de rendimentos, teremos que ser prudentes“, sublinha João Vieira Lopes. “A generalidade dos acordos sobre rendimentos em Portugal visaram o controlo da inflação em primeiro lugar. O contexto atual é muito diferente, apesar de termos alguma inflação esse não é o nosso maior problema. Acresce que a falta de mão-de-obra ajudará ao ajustamento dos salários“, frisa o responsável.

O líder da CCP salienta, além disso, que a evolução dos vários setores e das empresas “é muito distinta“. Assim, falar sobre uma política de rendimentos terá de significar “essencialmente estabelecermos orientações para a negociação coletiva“, diz. “A verdade é que cada setor está muito melhor posicionado para definir os seus aumentos salariais”, defende o responsável.

João Vieira Lopes nota, por outro lado, que no final de 2019 o “Governo fez uma tentativa de lançar o debate sobre um eventual acordo de competitividade e rendimentos“, tendo sido propostos, nesse âmbito, 11 temas. No entanto, “verdadeiramente não se discutiu nenhum nessa fase, tendo-se apenas concluído o acordo de formação profissional em meados de 2021 e realizado algumas discussões de caráter técnico sobre conciliação entre vida pessoal e profissional”. Deste modo, o responsável entende agora que é “evidente que terá que haver uma discussão conjunta de vários temas, sendo a valorização salarial apenas uma das componentes de um eventual acordo”.

Esta também é a convicção do líder da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Ao ECO, Eduardo Oliveira e Sousa diz que o acordo de rendimentos não pode ficar isolado, isto é, tem de ser acompanhado por um compromisso do Governo noutras áreas, nomeadamente na fiscalidade.

O líder da CAP sublinha que não será por parte das confederações patronais que haverá um travão à subida do salário mínimo, mas defende que o principal indicador a que deveria ser dada atenção é, antes, o salário médio, “que é o espelho da evolução económica”. “Se formos capazes de fazer algumas reformas — nomeadamente, aliviar carga fiscal direta e indiretamente — e pôr o país a abraçar o desenvolvimento, creio que teremos condições para mexer no salário médio”, considera.

Francisco Calheiros, líder da Confederação do Turismo de Portugal (CTP), entende que, no que diz respeito à política de rendimentos e competitividade, há agora pela frente “um horizonte extremamente longo para a discussão“. “Temos de ter um espírito aberto“, enfatiza o responsável, em declarações ao ECO.

Ainda assim, o líder da CTP lembra que o próprio primeiro-ministro reconheceu que os salários “não sobem por varinha mágica” e atira que é preciso estabelecer “indexantes concretos“, como por exemplo a produtividade, o crescimento da economia e a inflação. “Não posso dizer que um determinado salário deve ser xis”, avisa, defendendo que os referidos indexantes devem ser “razoáveis” e fixados de “comum acordo“.

Da parte do Governo, ainda não foi revelado se se pretende seguir o mesmo caminho que foi proposto em 2019 (isto é, fixar referenciais para a atualização dos salários) ou se haverá abertura para outra estratégia.

Caso a opção seja a repetição da solução que já começou a ser explorada, a CGTP já tem um “não” pronto a dar. “A referência que nós temos é o salário mínimo nacional, que precisa de crescer. Esse é o mínimo. Agora acordos que venham pôr tetos, não” aceitamos, adianta a dirigente Ana Pires, em conversa com o ECO. Isto uma vez que esta central sindical entende que um referencial funcionará, na negociação coletiva, como um patamar máximo até ao qual os patrões estarão disponíveis a ir.

A sindicalista frisa, por outro lado, que, uma vez que “a contratação coletiva está ferida com uma norma que põe na mão do patronato uma arma de chantagem” (a caducidade da contratação coletiva), não sabe bem que “acordo vai ser feito”. “Rejeitamos um acordo que crie um teto” à atualização dos salários, insiste, lembrando que já em 2019 a CGTP tinha dúvidas sobre a possibilidade de um acordo de rendimentos.

Sérgio Monte, secretário-geral adjunto da UGT, frisa que a sua central sindical acolheu com satisfação a proposta que o Governo avançou na negociação que estava a ser feita antes de pandemia e admite que o estabelecimento de um referencial até pode ser positivo, já que o salário mínimo nacional tem vindo a “esmagar” o salário médio. “A valorização salarial vem à cabeça de tudo”, salienta. E explica que “as negociações desta natureza não se fazem em cima do joelho“, quando questionado sobre o estado da negociação antes de ser suspensa pela Covid-19.

Mudanças à lei laboral podem regressar à Concertação?

Outro dos temas que prometem marcar a próxima legislatura é a lei laboral. Para esse fim, o Governo desenhou a Agenda do Trabalho Digno, que tem estado, contudo, desde o seu nascimento, envolta em críticas. Em declarações ao ECO, as confederações patronais defendem que, agora que o PS conseguiu a maioria absoluta e já não depende dos partidos mais à esquerda, esse pacote de medidas laborais deverá voltar à Concertação Social, já que saiu dessa sede sem agradar nem a empresários, nem mesmo a trabalhadores.

Esta é, aliás, para o líder da CTP uma das questões que “ficaram em aberto” da legislatura que terminou antecipadamente por efeito do chumbo parlamentar da proposta de Orçamento do Estado. “A discussão desagradou bastante as confederações patronais. Em vez de discutir, andamos nem mais nem menos do que a ouvir as cedências” que o Governo ia fazendo à esquerda, atira Francisco Calheiros, que confessa ter agora “algumas esperanças” de que a situação seja “bastante diferente“, uma vez que os socialistas conseguiram a maioria absoluta, nesta ida às urnas.

Por outro lado, o responsável salienta que a Agenda do Trabalho Digno tem de fazer uma aposta mais musculada na valorização dos jovens, num cenário de envelhecimento demográfico. “Não chega do IRS Jovem. Temos de ser muito mais ambiciosos. A retenção dos jovens deve ser uma das prioridades deste Governo”, defende o líder da confederação patronal do turismo.

Também a CAP entende que a Agenda do Trabalho Digno deve voltar à Concertação Social. “Os assuntos eram decididos sem serem discutidos. Os próprios sindicatos não manifestaram acordo com aquelas matérias”, critica Eduardo Oliveira e Sousa.

O responsável frisa que há várias medidas que, a concretizarem-se, terão “consequências muito gravosas“. Em causa estão especificamente as mudanças à lei laboral que revertem (ainda que parcialmente) a herança da troika, repondo, por exemplo, o valor das horas extraordinárias. “Há matérias que não podem ser revertidas de qualquer maneira”, avisa o líder da CAP. “Temos que voltar a esse assunto com outro espírito“, acrescenta.

João Vieira Lopes vai mais longe. “Em nosso entender, a discussão na Concertação Social sobre uma Agenda do Trabalho Digno deveria começar do ponto zero, de forma a construir soluções que sejam benéficas para empresas e trabalhadores“, defende o líder da CCP.

Tal como Francisco Calheiros e Eduardo Oliveira e Sousa, este responsável salienta que, na legislatura que está agora a terminar, “não houve uma efetiva discussão sobre o tema, limitando-se o Governo a apresentar propostas que pouco ou nada evoluíram face aos argumentos apresentados“. “Recorde-se que no último acordo celebrado na área laboral, em 2018, as confederações de empregadores deram passos significativos para a redução da precariedade, mas houve também algumas compensações, nomeadamente ao nível do aumento de período experimental”, observa João Vieira Lopes, salientando que já a Agenda do Trabalho Digno não conclui “nenhum ponto a pensar na melhoria do funcionamento das empresas”.

Do lado dos trabalhadores, Sérgio Monte, da UGT, diz que o Governo tanto pode fazer regressar à Concertação Social a Agenda do Trabalho Digno para fazer agora um acordo — “a nós não nos choca” –, como pode optar por seguir para a discussão no Parlamento. “Há legitimidade” para o fazer, garante o sindicalista, notando que o documento já passou pelos parceiros sociais e até já esteve sob consulta pública.

Já a CGTP salienta que há um “conjunto de matérias que podem ser consideradas positivas”, mas atira que a Agenda “não vai ao cerne da questão“, inclui até medidas que consideram um agravamento e passa ao lado de outras importantes, como a redução da semana de trabalho. “Estamos sempre na disponibilidade para discutir e propor“, assegura Ana Pires.

Da parte do Governo, António Costa indicou, durante a campanha eleitoral, que pretende que a Agenda do Trabalho Digno seja aprovada pela Assembleia da República até julho, não sinalizando qualquer intenção de fazer regressar esse pacote de medidas à Concertação Social. De notar que estas mudanças à lei laboral chegaram a ser aprovadas em Conselho de Ministros — ainda que algumas delas nem tenham sido algo de consulta dos parceiros sociais, o que gerou algum mal-estar — e a estar em consulta pública, mas não seguiram o percurso legislativo face à dissolução da Assembleia da República motivada pela reprovação do Orçamento do Estado.

A julgar pelas palavras de António Costa, o objetivo do Governo é agora retomar esse trabalho no ponto em que foi deixado, seguindo para o Parlamento, ainda que entre os parceiros sociais há que tenda a defender que seria benéfico um regresso à Concertação Social, com outro espírito.

A Agenda do Trabalho Digno inclui medidas relativas ao trabalho temporário, ao outsourcing, ao trabalho não declarado e ao trabalho nas plataformas digitais.

O primeiro-ministro recebe esta segunda-feira os parceiros sociais, no âmbito da preparação do próximo ciclo político.

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