Constâncio: “Juros vão iniciar ciclo de aumentos”, mas deve haver “sensato gradualismo”
Em semana de importante reunião do BCE, o antigo vice-presidente Vítor Constâncio adianta ao ECO que não há dúvidas de que os juros vão começar a subir, mas pede "sensato gradualismo".
Antigo vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), cargo que deixou faz este mês quatro anos, Vítor Constâncio não tem dúvidas de que “as taxas de juros irão iniciar um ciclo de aumentos” para conter a aceleração dos preços na Zona Euro. Contudo, o ex-governador do Banco de Portugal alerta ao ECO que essa “política monetária restritiva deverá respeitar um sensato gradualismo” por causa dos efeitos já de si recessivos da alta inflação e da guerra na Ucrânia.
As declarações de Vítor Constâncio surgem numa semana de grande expectativa em relação à reunião de política monetária que acontece já esta quinta-feira, perante um grande dilema que as últimas duas semanas colocaram em cima da mesa do conselho de governadores do banco central.
Enquanto a inflação atingiu máximos históricos nos 5,8% (leitura preliminar do Eurostat para fevereiro), bem acima da meta de 2%, o desencadear da guerra da Rússia contra a Ucrânia e as sanções económicas impostas a Moscovo deverão prejudicar a economia da moeda única, mas, ao mesmo tempo, prolongar a aceleração dos preços por conta do choque dos preços da energia, criando indefinição sobre qual o próximo passo a dar pela instituição liderada por Christine Lagarde.
Vítor Constâncio, que ocupou o cargo de vice-presidente do BCE entre 2010 e 2018, não duvida que a normalização da política monetária está mesmo aí, indo ao encontro do que tem sido defendido por vários decisores e também às expectativas do mercado. Mas deve haver sensatez no ritmo do aperto financeiro, alerta.
“A política monetária restritiva deverá respeitar um sensato gradualismo, dependente da evolução dos mecanismos internos de amplificação da inflação importada. Não restem, porém, dúvidas que as taxas de juros irão iniciar um ciclo de aumentos como resposta aos mecanismos internos que alimentam a dinâmica inflacionista”, afirma o economista português em declarações ao ECO.
A política monetária restritiva deverá respeitar um sensato gradualismo, dependente da evolução dos mecanismos internos de amplificação da inflação importada. Não restem, porém, dúvidas que as taxas de juros irão iniciar um ciclo de aumentos como resposta aos mecanismos internos que alimentam a dinâmica inflacionista.
BCE não deve ter “medidas muito restritivas”
Vítor Constâncio considera que a atual situação de um grande choque de preços externos, com os seus efeitos inflacionistas e recessivos “é a maior dificuldade que os bancos centrais podem enfrentar”. Numa primeira fase, o efeito nos preços internos é inevitável e o efeito recessivo ajuda a atenuar os efeitos noutros preços. E aqui a política monetária pouco pode ajudar, ainda que, “na prática, existirão sempre repercussões noutros preços, incluindo nos preços do trabalho, mecanismos que amplificam a dinâmica da inflação e a sua persistência”.
Por outro lado, um choque de preços externos de energia é um imposto que recai sobre todos os agentes económicos de um país. “Se todos aceitassem o imposto sem obter compensações, os mecanismos de amplificação não existiriam e a política monetária teria um papel menor, uma vez que os aumentos dos preços internacionais não se repetirão todos os anos e a inflação é uma variação anual dos preços”. Como conta a história, de resto: depois do choque de 1973 e 1974, os preços do petróleo em 1975, 1976 e 1977 aumentaram menos do que a inflação mundial.
Assim, remata o antigo responsável do BCE: “A política monetária não deve responder na primeira fase com medidas muito restritivas que agravariam desnecessariamente o efeito recessivo do choque externo, sem ter efeitos visíveis no aumento inicial na inflação”.
E isto acima dos “efeitos recessivos da trágica invasão da Ucrânia pela Rússia”, que ajudam a compreender porque é que, antes do início da guerra, os mercados financeiros tinham integrado um aumento das taxas de política monetária do BCE em setembro, e após o princípio da invasão deslocaram esse aumento apenas para março de 2023.
Não há sinais de espiral preço/salários
Onde uma política monetária restritiva tem um papel necessário é em mitigar a reação de outros preços e a possibilidade de uma espiral preços/salários, refere Constâncio.
Contudo, se se verifica uma difusão para outros bastante alargada — taxa de inflação em 5,8% em fevereiro –, “continua a não existir sinais de qualquer espiral preço/salários com aumentos dos salários negociados até ao fim de janeiro de 1,5% na Alemanha, 2,7% nos Países Baixos e 2,3 % em Espanha”.
Trata-se de aumentos nominais, o que implica “uma redução de salários reais e também uma redução de custos unitários do trabalho quando aos aumentos salariais se deduz o incremento da produtividade (também nominal)”. Sendo os custos unitários do trabalho a variável relevante dos custos para se avaliar o efeito sobre o aumento dos preços e da inflação.
Constâncio lembra que há meio século que as economias desenvolvidas não observam espirais preços/salários significativas. Para ele isto explica-se com a descida continuada da percentagem da população ativa sindicalizada e a consequente redução do papel das negociações coletivas.
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