Valor das criptomoedas afunda 1,7 biliões de dólares em seis meses
Mercado total de criptomoedas perdeu quase 60% do valor desde novembro e a bitcoin negoceia em mínimos do final de 2020, apesar de ser frequentemente promovida como uma proteção contra a inflação.
O acelerar da inflação com a guerra na Ucrânia e o aperto da política monetária pelos bancos centrais tem estado na origem da fuga ao risco nos mercados de capitais nas últimas semanas. Os principais índices bolsistas mundiais estão em queda livre e os juros das obrigações têm disparado, à medida que os investidores correm em direção à porta de saída. Mas o tumulto é particularmente forte no mercado das criptomoedas.
Desde o último pico, alcançado a 10 de novembro do ano passado, já foram destruídos mais de 1,7 biliões de dólares em valor (trillions, na designação em inglês), um mega deslize de quase 60% em seis meses, ainda que o valor global de mercado se mantenha acima de 1,2 biliões.
Valor das criptomoedas em queda:
A conjuntura tem-se mostrado uma autêntica prova de fogo à solidez deste mercado, que tinha acelerado em popularidade a partir do final de 2020. Desde essa altura que os pequenos investidores estavam a canalizar milhares de milhões de dólares para as ações e para as criptomoedas, incluindo uma parte dos apoios distribuídos nos EUA para ajudar as famílias a superarem a pandemia (os populares cheques de estímulos, apelidados de stimmies).
Além da derrocada nos preços da generalidade dos criptoativos, começam a surgir fraturas noutras partes do mercado. Este mês, foi notícia o extraordinário colapso de uma popular stablecoin chamada TerraUSD. A estrutura tinha sido desenhada para permitir que cada dólar de TerraUSD pudesse ser trocado por um dólar de outra criptomoeda, chamada Luna, que seria emitida consoante a procura.
Mas os resgates por parte dos investidores geraram um efeito de “bola de neve” a partir do início deste mês, catapultando a oferta de Luna, afundando os preços e atirando ao charco o valor da TerraUSD. Se em 10 de maio existiam 350 milhões de unidades de Luna, dias depois, 6,5 biliões estavam em circulação. Agora, a Luna não tem valor. E a Terra USD, desenhada para ter sempre o valor de 1 dólar, valia 0,08862 dólares esta quinta-feira.
TerraUSD perde ligação ao dólar:
Ao verem uma stablecoin (“criptomoeda estável”) a não fazer jus ao nome, os investidores têm vendido de forma acelerada outros criptoativos deste género, incluindo o mais popular de todos, o Tether.
O Tether funciona de forma diferente da TerraUSD, porque os promotores dizem que o seu valor tem como colateral um cabaz de ativos reais. Mas a empresa não revela o que são nem quem os controla. Além disso, a circulação rondava esta quinta-feira as 74,21 mil milhões de unidades, o que pressupõe que esse cabaz tenha ativos no mesmo valor em dólares.
Essa imagem tem deixado os investidores com os nervos em franja. Se os promotores do Tether tiverem de vender à pressa estes ativos para satisfazer os resgates, há um sério risco de que as ondas de choque se alastrem por todo o sistema financeiro. O cenário não é descabido: cada unidade valia 0,9988 dólares esta quinta-feira, ou seja, menos de 1 dólar, como é suposto.
Valor de mercado do Tether:
A forte turbulência também tem contrariado algumas das ideias que estavam instaladas na cabeça de muitos investidores. Os adeptos mais fervorosos dos criptoativos evangelizavam que a bitcoin, com as suas características deflacionárias, era uma poderosa aposta para proteger as poupanças da inflação. Na realidade, porém, mesmo esta criptomoeda tem visto o seu valor em dólares afundar, e até mais do que o resto do mercado, expondo uma correlação com os mercados financeiros regulados que vinha a ser cada vez mais visível.
Na quarta-feira, alguém aceitou 28.798,96 dólares por uma bitcoin, o que já não acontecia desde o final de 2020. A própria dominância da criptomoeda número um tem vindo a recuar, sendo agora inferior a 50%, num total de quase 20 mil criptomoedas diferentes seguidas pela plataforma CoinMarketCap. Quanto ao Ethereum, a segunda criptomoeda mais popular, o valor rondava esta quinta-feira 1.907,02 dólares. Um mínimo de julho do ano passado.
Bitcoin recua para mínimos de dezembro de 2020:
Nem mesmo os NFT (non-fungible tokens) escapam ao tsunami. A onda acertou em cheio neste submundo “cripto”, onde se transacionam certificados de propriedade de ativos digitais como obras de arte — geralmente, imagens ou vídeos fabricados em computador — e onde pulula a especulação financeira. Entre setembro e este mês, as vendas afundaram 92% e o número de carteiras (wallets) ativas caiu 88%, de acordo com dados da plataforma NonFungible.
Outra prova de que o interesse arrefeceu é a queda de 89% no número de pesquisas por NFT no Google desde o pico em janeiro, de acordo com o Google Trends. Longe vão os tempos em que um NFT era vendido pelo equivalente a 70 milhões de dólares.
Reguladores por todo o mundo têm observado este contexto e estão a ponderar se e quando intervir. A inação pode lesar de forma permanente milhões de pequenos investidores desprotegidos, mas a intervenção pode transmitir uma ideia de legitimidade do mundo “cripto”.
Em Portugal, há anos que o banco central e a CMVM alertam para os riscos de se aplicar as poupanças nas criptomoedas, mas estão de mãos e pés atados quanto ao grau de intervenção que podem ter. Do lado do Governo, o trabalho está a ser feito no sentido de criar um enquadramento legal para os criptoativos, que vão passar a pagar impostos, como acontece na venda de ações.
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