Grupo Altice tem quatro mil milhões de dívida a vencer até 2026
Grupo volta a estar sob pressão para reduzir a avultada dívida, que supera os 55 mil milhões de euros. Quatro mil milhões de euros de dívida da Altice France e da Altice International vencem até 2026.
Além da investigação judicial da Operação Picoas, a Altice voltou a estar sob pressão dos investidores para reduzir a sua dívida, que ascende a 55 mil milhões de euros, dos quais mais de 32 mil milhões nas duas entidades que tem sedeadas na Europa. O grupo até já admite a entrada de novos parceiros de capital ou dívida, incluindo em Portugal, onde é bem conhecido do público por deter a operadora Meo. Só na Europa há quatro mil milhões de euros de dívida a vencer nos próximos três anos.
Esta montanha de dívida é o resultado de décadas de aquisições com recurso ao endividamento, sobretudo numa era em que os juros estiveram historicamente baixos. Agora, o ciclo económico mudou e Patrick Drahi, o magnata israelita que fundou a Altice na viragem do milénio, volta a estar vendedor — para já, de ativos considerados não estratégicos, como o centro de dados da antiga Portugal Telecom na Covilhã.
Não é a primeira vez que Patrick Drahi é pressionado pelos investidores. Por exemplo, na reta final de 2017, quando a Altice era cotada na bolsa de Amesterdão, um trimestre de resultados particularmente negativos colocou a empresa sob a luz dos holofotes, levando-a a anunciar uma nova estratégia de foco na liquidação do passivo, que já nessa altura girava em torno dos 50 mil milhões. Hoje a estrutura da Altice é diferente e é preciso mergulhar nos números para entender a posição em que se encontra.
No geral, o grupo Altice divide-se em três: Altice France, Altice International e Altice USA. No final do segundo trimestre, a maioria da dívida da Altice estava em França. A Altice France, que comanda a SFR, a maior operadora francesa, acumula 23,86 mil milhões de euros de dívida líquida, dos quais 4,19 mil milhões sem garantias, segundo a última apresentação de contas trimestrais. A maturidade média desta dívida é de 4,6 anos e 16% da dívida tem taxas de juro variáveis. O juro médio é de 5,6%.
São números que representam uma alavancagem, medida pelo rácio dívida líquida/EBITDA, de 6x, quando a média do setor das telecomunicações, de acordo com uma análise do banco ING, é de 2x. A liquidez da Altice France rondava 1,4 mil milhões no final do segundo trimestre.
A Altice International é a mais relevante para o contexto português. É a “casa-mãe” da Altice Portugal, o seu principal negócio, mas também comanda a Altice Israel (Hot), a Altice República Dominicana e a agência de publicidade digital Teads. Controla ainda a Fastfiber, que gere a rede de fibra ótica em Portugal, da qual é proprietária de 50,01%.
A mais recente apresentação de contas trimestrais da Altice International mostra uma empresa bem menos endividada, em termos absolutos, do que a homóloga francesa. No final de junho, a dona da Altice Portugal tinha uma dívida de 8,552 mil milhões de euros, a esmagadora maioria com garantias, com maturidade média de 4,6 anos e 15% a taxas variáveis, com um juro médio de 5,1%. O rácio de alavancagem também era inferior, situando-se em 4,8x, e a liquidez era de 600 milhões de euros.
É ainda preciso olhar para o outro lado do Atlântico, nomeadamente a Altice USA, que resultou de um spin-off em 2018 e é cotada na bolsa norte-americana. De acordo com informação regulatória, a dívida líquida consolidada do grupo nos EUA era, no final do primeiro semestre, de 24,543 mil milhões de dólares (quase 23 mil milhões de euros), e o rácio de alavancagem ascendia a 6,7x. Paga por esta dívida, em média, 6%.
Mas o perfil geral da dívida do grupo Altice não ficaria completo sem se falar de maturidades. E é por causa delas que Patrick Drahi corre contra o tempo: só nos próximos três anos, entre 2024 e 2026, as duas subsidiárias da Altice com sede na Europa (Altice France e Altice International) terão de reembolsar mais de quatro mil milhões de euros aos investidores, mais de metade em 2025. Nos EUA, há outros três mil milhões de dólares para pagar.
Altice admite entrada de novos investidores
Porque é que se voltou a falar disto agora? Na semana passada, o nome de Patrick Drahi voltou às páginas dos jornais, por causa de dois encontros que promoveu com investidores em Londres e Nova Iorque e nos quais foi acompanhado da presidente executiva da Altice Portugal, Ana Figueiredo. A motivar a iniciativa, chamada non-deal roadshow, por não estar associada a nenhum negócio em particular, estiveram as buscas à Altice em junho, que resultaram na detenção para interrogatório do parceiro de negócios de Drahi, Armando Pereira. Nestes encontros, o magnata insistiu que a estratégia da Altice, além de continuar a crescer, passa por reduzir o nível de endividamento, de olhos postos nas maturidades de 2025 e 2026.
Desde já, essa estratégia passará pela venda de 92 centros de dados que a Altice tem França, uma operação que lhe poderá permitir obter mil milhões de euros, segundo a imprensa internacional e o que disse uma fonte próxima da empresa ao ECO. Além disso, a Altice quer fechar no outono a venda do centro de dados da Covilhã. O ECO sabe que a venda, avaliada em cerca de 200 milhões de euros, esteve prestes a ser fechada no início do verão, mas as buscas das autoridades portuguesas ao universo Altice travaram o negócio, que estava quase a ser assinado com o fundo Horizon Equity Partners, de Sérgio Monteiro, antigo secretário de Estado das Infraestruturas.
A grande incógnita continua a ser o futuro da Altice em Portugal. Em 2021, o ECO noticiou que o grupo mandatou a boutique de investimentos Lazard para avaliar a possível venda da dona da Meo, mas, no final, Patrick Drahi terá decidido não avançar, por ter uma expectativa de preço diferente da dos potenciais compradores. Fonte próxima da empresa garantiu ao ECO que a venda da totalidade da Altice Portugal, tal como da francesa SFR, não está em cima da mesa, mas um dos cenários para o mercado português pode ser a consolidação ou a entrada de novos investidores no capital. O ECO colocou esta e outras questões à Altice esta segunda-feira e encontra-se a aguardar resposta.
Sendo um setor crítico, o Governo português está atento. No rescaldo das buscas à Altice Portugal, envolvendo suspeitas de que uma teia de fornecedores pode ter lesado o Estado e a própria Altice em milhares de milhões de euros, o ministro das Infraestruturas vai reunir com a CEO da Altice Portugal, Ana Figueiredo, no próximo dia 2 de outubro. Com a Altice a admitir a entrada de novos investidores, uma das coisas que o Executivo poderá querer impedir é uma situação à que aconteceu este mês em Espanha, em que, subitamente a Saudi Telecom, controlada pela Arábia Saudita, comprou 9,9% da Telefónica, numa operação que esteve meses a ser preparada em segredo.
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