Ex-CEO da TAP beneficia do regime de residente não habitual
Gestora revela no processo que moveu contra a TAP que beneficia deste regime fiscal mais favorável que permite, durante dez anos, pagar 20% de IRS, independentemente do valor do salário.
A ex-CEO da TAP é beneficiária do regime de residente não habitual, que permite o acesso a regras fiscais mais favoráveis durante dez anos, pagando, por exemplo, 20% de IRS, independentemente do valor da remuneração.
“Enquanto detentora do estatuto de residente não habitual, a Autora [Christine Ourmières-Widener] beneficiava de uma taxa fixa de 20% em sede de IRS, que lhe permitia ter uma liquidez que não conseguirá obter no futuro”, revela o processo que moveu em setembro contra as duas empresas do universo TAP – a TAP S.A. e a TAP SGPS – e a que o ECO teve agora acesso. O ECO sabe ainda que a gestora francesa ainda mantém este regime, tendo em conta que, apesar de trabalhar desde julho para um grupo de aviação francês, o Dubreuil, que detém as companhias aéreas Air Caraibes e a low cost French Bee, continua com residência fiscal em Portugal.
No processo de 151 páginas da advogada Inês Arruda, que junta 146 documentos como prova documental, lê-se ainda que foi por “exigência” da TAP que passou a residir em Portugal, sendo esta uma condição para a sua contratação na companhia, com um salário de 504 mil euros anuais a que se somam 30 mil euros anuais para despesas de alojamento, acrescidos ainda de um pacote de “benefícios ou complementos remuneratórios” de 55 mil euros anuais. Fora destes valores está ainda o bónus anual, que seria pago caso fossem cumpridos os objetivos de desempenho. E, no verão de 2022, Christine Ourmières-Widener comprou casa na região de Lisboa, como disse, nessa altura, em entrevista ao ECO.
No processo lê-se ainda que com a saída da TAP e a contratação do grupo Dubreuil, a gestora passou a ter “também” residência em Paris, o que representa uma subida do custo de vida tendo em conta que “passará a ter bastante mais encargos com a manutenção de duas casas e com deslocações mais frequentes”.
Christine Ourmières-Widener explica ainda, através da ação contra a TAP, que decidiu “manter a casa que havia comprado em Portugal, pela incerteza da sua vida atual e o custo que teria com a amortização integral do empréstimo, passando a ter também residência em Paris”. Informação que a gestora ainda aguarda, “caso decida vender a sua casa em Portugal, pelo que também este custo deverá ser relegado para liquidação de sentença, pois não é possível apurar até ao momento”.
Os benefícios dos residentes não habituais
Para já, a empresária continua a beneficiar do regime fiscal para residentes não habituais, criado em 2009 para atrair reformados e trabalhadores estrangeiros ou portugueses emigrados há mais de cinco anos com profissões de elevado valor acrescentado.
Neste regime especial, os trabalhadores estrangeiros que optem por residir em Portugal ou os portugueses que tenham estado emigrados mais de cinco anos beneficiam de uma redução do Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) durante dez anos, podendo pagar um IRS de 20%, independentemente do rendimento que auferem. Os pensionistas pagam 10% de IRS, sendo que, até 2020, estavam isentos.
Para aceder a este regime, os residentes não habituais têm de ter residência fiscal em Portugal e permanecer no país mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, no período de um ano, bem como ter habitação própria ou casa arrendada, com a intenção de a ocupar como morada habitual.
Treze anos depois, o Governo decidiu acabar, no final deste ano, com estas regras, mantendo apenas o regime para os professores e investigadores do Ensino Superior. Uma decisão anunciada em outubro pelo primeiro-ministro, que defende que este é um regime que “já não faz sentido”, apontando como um dos motivos para esta decisão a inflação dos preços das casas, assumindo que se atingiram valores “insustentáveis”.
Esta decisão do Executivo foi alvo de um coro de críticas, e não só do setor imobiliário. O governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças, Mário Centeno, fez saber que não está “completamente” convencido de que programas como o dos residentes não habituais seja o problema do mercado habitacional, ressalvando que o fim da mesma “é uma questão política”.
Mais tarde, em novembro o PS aprovou no Parlamento uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2024 que suaviza o fim do regime dos residentes não habituais, através de um regime transitório que vigora no próximo ano para quem até 31 de dezembro apresentar provas que já tinha planos para vir trabalhar ou viver em Portugal.
Segundo o Tribunal de Contas (TdC), o número de beneficiários do regime fiscal para residentes não habituais subiu mais de 50% nos últimos cinco anos. Em 2018 eram pouco mais de 25 mil os inscritos e em 2022 o número ascendia a mais de 74 mil.
No parecer entregue pelo TdC em outubro no Parlamento sobre a Conta Geral do Estado em 2022, através deste regime fiscal, o Estado deixou de receber 1.360 milhões de euros em receita. E deste valor, cerca de 430 milhões dizem respeito a um conjunto de apenas 50 contribuintes com este estatuto.
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