Companhia aérea está prestes a nomear nova CEO e já fez grandes alterações na estrutura operacional. No entanto, precisa de receber aprovação do plano de reestruturação para avançar.
“Não seria sério se tentasse passar a ideia que podemos fazer uma reestruturação sem ter consequências“. Há exatamente um ano o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, anunciava que a TAP precisava de um resgate e que o Estado estava disposto a emprestar até 1,2 mil milhões de euros para resolver os problemas da companhia. Foram precisos seis meses para as condições — centradas numa forte redução nos custos com massa salarial e operação — serem conhecidas numa proposta de plano que continua à espera de aprovação da Comissão Europeia.
A pandemia de Covid-19 forçou a TAP, tal como outras companhias aéreas internacionais, a estacionar a quase totalidade da frota, o que deixou a empresa em dificuldades financeiras. Precisava de dinheiro fresco para garantir a sustentabilidade. Bruxelas aprovou que fosse dado um apoio de emergência e o Orçamento Suplementar previa 946 milhões de euros para ajudar a companhia, mas contava com uma almofada financeira de cerca de 200 milhões de euros (que veio a ser necessária).
O “ok” da Comissão Europeia (com um prazo de seis meses para ser enviado um plano de reestruturação) desbloqueava o financiamento o Governo, mas era ainda preciso que os acionistas privados aceitassem. Na altura, o Estado tinha 50% do capital, a Atlantic Gateway (detida em parceria pelos empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa) tinha 45% e os trabalhadores os restantes 5%.
David Neeleman não tinha um euro para meter na TAP. Tínhamos um sócio que não queria meter nem um cêntimo na companhia aérea.
Após semanas de negociações, o acordo encontrado previa que o Estado passasse a deter 72,5% da empresa e que Neeleman saísse levando 55 milhões de euros. Segundo o Governo, este dinheiro não foi um pagamento pela participação, mas sim uma compensação para abdicar de prestações acessórias de 224 milhões de euros a que tinha direito.
“David Neeleman não tinha um euro para meter na TAP”, explicaria mais tarde, no Parlamento, Pedro Nuno Santos. “Tínhamos um sócio que não queria meter nem um cêntimo na companhia aérea. Os senhores [deputados] queriam que nós garantíssemos, que déssemos uma garantia pública para empréstimos à TAP, […] e eles continuariam a gerir a empresa de acordo com os seus interesses, […] que não estavam alinhados com os bons interesses do país e dos portugueses?”.
Com Neeleman saiu também o ex-CEO Antonoaldo Neves, que viria a ser substituído de forma interina por Ramiro Sequeira. Já no caso de Humberto Pedrosa, o empresário português (que é também acionista do grupo Barraqueiro) ficou com uma posição minoritária e abdicou das suas prestações acessórias sem compensação, mas saiu do Conselho de Administração para evitar eventuais conflitos de interesse.
Estado pode entrar com até 3,7 mil milhões de euros
Com a estrutura acionista reorganizada, um novo CEO (mesmo que interino) e o Governo com poderes reforçados, a TAP começou então a preparar o plano de reestruturação. Na altura, mesmo com o verão a fazer crer que a pandemia poderia estar próxima do fim, todo o setor estava a ser fortemente penalizado e as perspetivas internacionais apontavam para que a aviação continuasse a ser afetada por anos.
Foi com essa convicção que, a 10 de dezembro, o ministro das Infraestruturas e da Habitação apresentou as linhas gerais do documento que tinha sido enviado a Bruxelas. O cenário base aponta para perdas acumuladas de receitas no montante de 6,7 mil milhões de euros até 2025. São essas perdas que levam a que a companhia aérea vá precisar de mais dinheiro além do primeiro cheque de 2020.
Em 2021, serão entre 970 milhões e 1.164 milhões de euros. Em 2022, o intervalo situa-se entre 473 milhões e 503 milhões de euros. Seguindo-se 379 milhões a 438 a milhões em 2023 e 392 milhões a 420 milhões de euros em 2024. Ora, feitas as contas aos vários anos, o custo do apoio público de 2020 a 2024 estará entre 3.414 milhões e 3.725 milhões de euros.
Esperamos ficar sempre abaixo da parte inferior do intervalo e que não tenhamos responsabilidades superiores a 3,3 mil milhões, mas temos de estar preparados para o pior cenário.
“Esperamos ficar sempre abaixo da parte inferior do intervalo e que não tenhamos responsabilidades superiores a 3,3 mil milhões”, diz Pedro Nuno Santos, mas ressalva: “temos de estar preparados para o pior cenário”. E justificou as necessidades: além da “crise sem precedentes no setor da aviação”, a TAP tem “problemas adicionais porque já tinha antes da pandemia”.
Era, por isso, preciso cortar. Em massa salarial, a empresa tinha de encontrar uma formas de poupar 1,4 mil milhões de euros. Para isso, negociou com os sindicatos a suspensão dos acordos de empresa e substituição por acordos de emergência que incluem cortes de 25% na generalidade dos salários. Em simultâneo, iniciou um programa de medidas voluntárias: rescisões por mútuo acordo, reformas antecipadas, pré-reformas, trabalho a tempo parcial e licenças sem vencimento.
Já em custos operacionais, a poupança prevista é de 1,3 mil milhões de euros, sendo que a TAP começou logo a renegociar encomendas e pagamentos com fornecedores e lessors, enquanto faz alterações na frota e nas rotas para se adaptar à crise do setor. No fim do período, em 2025, a frota será composta por 99 aviões (face aos 105 com que entrou na pandemia).
Nova CEO não espera por Bruxelas
Em dezembro, o Governo dizia esperar que o plano tivesse aprovação de Bruxelas no primeiro trimestre do ano e garantia que havia liquidez suficiente para a empresa resistir até então. O tempo foi avançando e ainda não há resposta. “Diria que o que se passa é o normal nestes processos. Há várias interações, há esclarecimentos e análises adicionais que são pedidos“, explicava Ramiro Sequeira no mês passado. “Continuamos a reiterar que o atraso não significa nenhuma dúvida em relação ao processo”.
A estratégia final e (principalmente) os remédios impostos pela autoridade da concorrência ainda não são conhecidos. Mas isso não impediu a empresa de avançar com alterações em linha com o que já se sabe que será necessário. O quadro de efetivos da TAP caiu para 7.526 no final de março, menos 1.617 trabalhadores do que no início da pandemia, enquanto outras 1.160 pessoas viram os seus contratos a prazo não serem renovados. Após ter fechado os programas voluntários, a empresa está agora a preparar um despedimento coletivo de 200 funcionários.
Em termos operacionais, está a realizar uma reconversão da frota para aumentar a eficiência e diminuir os custos. A frota tem atualmente 93 aeronaves, mas até ao final do mês deverão estar em operação mais três aeronaves da Airbus. Isto enquanto reconverte aviões para o segmento de carga, que tem compensado as quebras no transporte de passageiros. Apesar das mudanças, a TAP teve prejuízos de 365,1 milhões no primeiro trimestre de 2021, após um recorde de 1.230 milhões em 2020.
Menos trabalhadores numa frota reduzida
Mas nem tudo pode avançar sem o “ok” de Bruxelas e há dois pontos fundamentais que continuam empatados: mais tranches do apoio financeiro e a entrada da nova equipa de gestão. A questão do dinheiro foi contornada de outra forma, com a Comissão Europeia a aprovar um pedido de Portugal para conceder à TAP apoio intercalar de 462 milhões de euros. Apesar de vir do mesmo envelope, este dinheiro pode já avançar por ser uma compensação pelo impacto das medidas de contenção da pandemia.
O cheque — que entrou como aumento de capital e levou o Estado a reforçar ainda mais a posição na companhia — deu fôlego à empresa para enfrentar os próximos meses e esperar pelo aval para receber mais apoio. Já a substituição do CEO continua a aguardar. Apesar de o Governo sempre ter dito que pretendia esperar pela Comissão para anunciar a nova liderança, a assembleia geral de acionistas já está marcada, para dia 24 de junho, pelo que o nome já está fechado.
A presidente executiva da companhia aérea será Christine Ourmières-Widener, como avançou o ECO. A gestora foi anteriormente CEO do Flybe Group (uma das mais importantes companhias aéreas regionais da Europa com operação no Reino Unido) e presidente executiva de uma sociedade de leasing especializada no setor da aviação, tendo também passado pela Air France/KLM. No Linkedin, identifica-se como especialista em processos de transformação e reestruturação, exatamente a fase em que a TAP está.
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Resgate da TAP descolou há um ano. Resposta de Bruxelas perdeu-se no caminho
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