O Mobile World Congress espelhou um mercado móvel cada vez mais saturado, em que a oferta é vasta mas pouco diversificada. Parece estar tudo inventado, ou quase tudo. A análise pós-evento.
Pensar de forma global, desenvolver e conectar o mundo. São muitas as empresas que veem no setor da tecnologia uma forma de construir futuro. Desbravando novas áreas de negócio, tentam gerar receitas cada vez maiores. As feiras tecnológicas são, por isso, muito importantes para ver a que ritmo essa evolução está a ser feita. Ou, em último caso, até onde é que as marcas estão dispostas a ir para conquistar mais quota de mercado.
É por isso que o Mobile World Congress, que se realiza todos os anos em Barcelona, é tão exemplar. Há muito que arrebatou o título de maior feira tecnológica de dispositivos móveis do mundo. A forte presença das empresas, cada uma a tentar falar mais alto do que a outra (e algumas com formas muito suis generis de chamar a atenção), é dos melhores indicadores para medir o pulso ao desenvolvimento tecnológico. É relevante, na medida em que a tecnologia, a eletrónica e o digital estão cada vez mais entranhados na sociedade, na economia, no mundo.
A edição deste ano, onde o ECO esteve presente, foi fértil para o bem e para o mal. Sendo o mobile um segmento já com alguma maturidade, e face às vendas dos smartphones a desacelerarem entre 2015 e 2016, chega-se a um ponto em que parece haver um grande vazio de inovação. Talvez isso se explique pelo boom tecnológico da última década, que permitiu banalizar conceitos como hologramas, realidade virtual ou inteligência artificial. Porém, o esforço para romper com a uniformização começa a esvair-se.
Smartphones: soube a pouco
Os telemóveis são um pouco como as torradeiras: uma vez no mercado, qualquer marca os pode copiar. É algo que acontece há já alguns anos e voltou a ser evidente nesta edição do MWC. O novo telemóvel da Huawei de gama premium, o P10, é um exemplo disso. Sucessor do P9, o site The Verge chegou a classificá-lo como “o P9 com um bocadinho mais de iPhone e uma pitada de 2017”. Que é como quem diz, os traços de design a que a Apple habituou os fãs estão lá. Estão mesmo. E a marca da maçã nem sequer aderiu ao evento.
Mas se a empresa chinesa foi buscar características ao iPhone, é também justo dizer que o sucesso que a marca tem vindo a atingir levou a que ela própria seja, muitas vezes, alvo de cópias descaradas. Não é difícil encontrar telemóveis de outras marcas menos conhecidas que, no fundo, são réplicas de baixa qualidade de modelos da Huawei. Nalguns casos, até as linhas de antena, que só são realmente necessárias em telemóveis com estruturas em metal, são imitadas em aparelhos feitos de plástico. Não é o caso do P10: apesar da falta de identidade própria, o telemóvel posiciona-se bem como um dos melhores telemóveis já fabricados pela Huawei.
Depois, a falta de uma apresentação de peso da Samsung fez-se notar. Muito. A empresa costuma marcar o MWC com a atualização da gama de telemóveis Galaxy S. Não o fez este ano. O escândalo das baterias defeituosas do Galaxy Note 7 pôs a empresa a mover-se muito cuidadosamente, adiando para o próximo dia 29 de março o lançamento do Galaxy S8. Em lugar do smartphone, apresentou um tablet e um computador, o Galaxy Tab S3 e o Galaxy Book, bem como uma nova caneta SPen que mais não é do que uma réplica bastante interessante dos lápis de pau da Staedtler Noris que todos tivemos nos tempos de escola.
De resto, ao nível de telemóveis, esperava-se um telemóvel sem margens à frente por parte da LG (o que não aconteceu, ainda que o modelo apresentado, o LG G6, tenha um ecrã de qualidade notável) e o novo BlackBerry KEYOne impressionou bastante, superando as expectativas. Da Sony não podemos falar, na medida em que a empresa apenas expôs o novo topo de gama XZ num cubo transparente, não permitindo que ninguém o experimentasse.
Tudo menos uma manobra de marketing #fakenews
No decorrer do MWC, na última semana, correu muita tinta sobre um telemóvel em específico: o Nokia 3310. O ECO falou dele aqui e, depois, aqui. As expectativas estavam em níveis recorde para o regresso da marca que outrora foi líder. E embora as opiniões divirjam muito, não é possível ignorar a manobra de marketing que esteve por detrás deste aparelho — seja ela intencional ou não.
O Nokia 3310 é uma homenagem da Nokia ao antigo telemóvel lançado há 17 anos e que também andou nos bolsos de muitos portugueses. Ficou conhecido pela elevada capacidade de bateria, pelo jogo da cobra (Snake), pelos toques monofónicos e pela resistência que, mais recentemente, virou um meme nas redes sociais (Cai ao chão? Parte o chão). Pois bem: o “novo” Nokia 3310, além de nem sequer ser semelhante ao original, parece frágil, tem uma câmara (fraca, mas tem) e é, basicamente, igual aos outros feature phones discretos que a marca lançou.
Contudo, fez furor. Quiçá, pura e simplesmente por ter “3310” no nome. A manobra valeu um uma extraordinária exposição mediática à Nokia, mas o tiro poderá ter saído pela culatra: Nokia 3, Nokia 6 e Nokia 8 foram os verdadeiros smartphones que a marca apresentou no MWC, mas o lançamento acabou abafado pelo pequeno 3310, que custa apenas 49 euros e, de acordo com a imprensa especializada, poderá nem sequer funcionar em certos países devido a incompatibilidades nas bandas que suporta.
Wearables: ainda se vendem
Das duas, uma: ou o mercado dos relógios inteligentes foi sobrevalorizado e já estagnou, ou vai avançando, mas lentamente. Os dados apontam mais para a primeira hipótese do que para a segunda, ainda que continuem a sair novos produtos. Basta olhar para os dados da consultora IDC, que apontam para uma queda vertiginosa no número de unidades comercializadas no terceiro trimestre do ano passado. Venderam-se apenas 2,7 milhões de smartwatches, uma quebra de 51,6% em termos homólogos.
O MWC representou, por isso, uma oportunidade para tentar revitalizar o mercado. A Huawei aproveitou-a, lançando o Watch 2 com o novo sistema Android Wear 2.0. É um relógio com um estilo mais clássico, enquanto o Watch Sport da LG apresenta um desenho mais futurista. Estas foram, no campo dos wearables, as duas principais presenças na feira. O apetite por estes produtos no mercado irá ser um bom indicador do estado de saúde do setor.
Realidade virtual e 5G
Escrevemo-lo ainda durante a feira e o tema serviu de destaque numa edição da nossa newsletter de Tecnologia (já subscreveu?). A dificuldade em garantir acesso à internet aos milhões de dispositivos eletrónicos na feira foi sintomática e alertou para a urgência de se transitar para a nova geração das redes de alta velocidade. Esta edição do MWC ficará para sempre marcada como o verdadeiro começo dessa transição.
Mesmo com um conceito de 5G que ainda não é totalmente consensual, o termo que diz respeito à quinta geração de rede móvel foi presença constante em praticamente todos os oito pavilhões que compuseram o evento. Como era esperado, a empresa chinesa ZTE aproveitou para mostrar um telemóvel conceptual que suporta velocidades teóricas de 1 Gbps (gigabit por segundo). É mais rápido até do que a fibra ótica. A corrida, onde participam também empresas como a Ericsson, a Samsung e a Qualcomm, entre muitas outras, realiza-se a contrarrelógio. Recorde-se que a Comissão Europeia quer lançar o 5G até 2020.
Já no campo das tecnologias imersivas, a feira foi pejada por espaços onde os participantes puderam ter experiências de realidade virtual — o que, de resto, é comum neste tipo de eventos. Num espaço da Visa, pudemos experimentar um protótipo que permite fazer pagamentos diretamente num catálogo: basta olhar para o item, selecioná-lo com a mira dos óculos e dizer “Visa Checkout”. A aplicação confirma a identidade do utilizador mediante uma conta com dados biométricos criada previamente.
Em suma, o MWC foi recheado de novos produtos mas parco em novidades. Saltando de espaço em espaço, as funcionalidades apresentadas como inovadoras pelas marcas eram, fundamentalmente, as mesmas. O desenvolvimento exposto no campo do 5G foi, de facto, o que ainda salvou a feira, na medida em que regressámos de Barcelona sem grandes notícias sobre os aspetos mobile que mais carecem de desenvolvimento. Os telemóveis continuam a ser retangulares, a poderem ligar-se à internet e a terem baterias que, na melhor das hipóteses, duram pouco mais do que um dia.
O ECO viajou para Barcelona a convite da Huawei.
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MWC, uma feira que soube a pouco
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