O que aconteceu para o Deutsche Bank chegar aqui?
Há uma bomba prestes a explodir no coração da Zona Euro. Chama-se Deutsche Bank, tem um passado recente pouco famoso e um futuro bastante incerto. Como chegou até aqui?
A eminente multa norte-americana no valor de 12 mil milhões de euros veio expor as fragilidades financeiras que Deutsche Bank acumulou nos últimos anos. À materialização do riscos reputacionais depois de uma série de práticas desonestas no mercado interbancário e de alguns seus operadores de mercado, e que resultaram em outras tantas multas milionárias, o maior banco alemão viu ainda o ambiente de baixos juros na Zona Euro, o fraco crescimento económico, o Brexit e ainda as regras mais apertadas colocá-lo no olho do furacão dos mercados. O que é que aconteceu ao banco que tem ativos que valem metade da economia alemã para estar na calha de um resgate de Berlim?
Libor e outras práticas condenáveis
Em abril de 2015, o Deutsche Bank foi condenado por quatro reguladores norte-americanos e britânicos ao pagamento de 2,5 mil milhões de dólares para pôr fim a um processo legal relativo à manipulação da taxa Libor e outras taxas interbancárias usadas para fixar os juros dos empréstimos que os bancos fazem entre si. O acordo determinou ainda a suspensão de vários traders do banco alemão que protagonizaram mais um momento de embaraço para Deutsche Bank. Sim, mais um. A fatura com despesas legais ascende a cerca de sete mil milhões de euros desde 2014.
O último momento embaraçoso pode custar a sobrevivência do banco sem recurso a um resgate público. O Departamento de Justiça norte-americano pretende do Deutsche Bank o pagamento de uma multa de 12,5 mil milhões de euros (14 mil milhões de dólares) para colocar um ponto final um processo relacionado ao escândalo da venda de créditos imobiliários de baixa qualidade que conduziu à crise do subprime, em 2008.
Encargos com litígios afetam contas do Deutsche Bank
Nem os responsáveis do Deutsche Bank nem o mercado esperam que o acordo final com a justiça americana fixe um valor superior a seis mil milhões de euros. Ainda assim, segundo os analistas do Société Générale e do JP Morgan Chase, uma multa entre os três mil milhões e os cinco mil milhões vai questionar a posição financeira do banco que os últimos testes de stress colocaram como uma das instituições financeiras mais descapitalizadas na Zona Euro.
O banco colocou de lado 5,5 mil milhões de euros para fazer face a custos legais. Que deverão ser insuficientes para enfrentar os processos ainda por resolver, incluindo um processo relacionado com evasão fiscal e lavagem de dinheiro na sua operação na Rússia – o Barclays antecipa uma multa de mais dois mil milhões de euros.
Entretanto, os analistas do JP Morgan estimam que cada mil milhões de euros terão de provisionar para pagar despesas judiciais adicionais terá um impacto de 0,25 pontos base no seu rácio CET1. O que vai pressionar ainda mais a tarefa de John Cryan, o inglês que lidera o Deutsche Bank há mais de um ano, de elevar o rácio de capita Tier 1 (CET1) para níveis mais confortáveis, acima de 12,5%, nos próximos dois a três anos. O banco colocou de lado 5,5 mil milhões de euros para fazer face a custos legais. Que deverão ser insuficientes para enfrentar os processos ainda por resolver.
Uma solução seria procurar novamente a disponibilidade dos seus acionistas depois de já ter angariado 31,7 mil milhões de euros através dos três aumentos de capital que realizou desde o rebentamento da crise financeira. Mas, com o preço da ação a bater mínimos históricos e a cotar-se a 70% abaixo do seu book value, uma nova emissão de ações é quase proibitiva. Desde o início do ano o Deutsche Bank perde metade do seu valor em bolsa. Hoje vale cerca de 14 mil milhões de euros, um pouco mais do que a multa que os EUA pretendem aplicar.
Evolução das ações do Deutsche Bank desde setembro de 2007
Bancos centrais e Brexit complicam
Com a casa em chamas e um negócio em queda, John Cryan, antigo CFO do suíço UBS, tem tentado limpar a imagem do banco desde que assumiu o posto de CEO no verão de 2015. O inglês considera que “não há fundamento para a especulação mediática” que tem mantido o Deutsche Bank nos holofotes dos mercados e dos investidores, que consideram como arriscada e ambiciosa a Estratégia 2020 que está a colocar em prática. Parte desta estratégia de Cryan para convencer os investidores passa por colocar a instituição numa posição financeira mais confortável através de rigor e disciplina nos custos. Numa palavra: despedimentos.
Em Portugal, o banco já disse que o fecho de 15 agências vai implicar a saída de alguns funcionários. O objetivo global passa por cortar cerca 15% da sua força de trabalho – aproximadamente 15.000 funcionários – através do fecho de operações em alguns países considerados não estratégicos (Nova Zelândia, Argentina, entre outros). Grande parte desta medida será aplicada na Alemanha, onde está previsto a redução de 4.000 postos de trabalho.
O nosso banco tem sido alvo de uma tremenda especulação — rumores de que desencadearam uma acentuada queda nas ações. Não há fundamento para a especulação mediática.
Este downsizing vem responder à grave deterioração do negócio do Deutsche Bank nos últimos anos. Desde a crise financeira em 2008, os bancos têm enfrentado extremas dificuldades em se adaptar a um novo ambiente de juros baixos promovido pelos bancos centrais em todo o mundo com o objetivo de impulsionar as economias e ainda a uma regulação mais apertada no sentido de reforçar os capitais dos bancos, com prejuízo para a rentabilidade das instituições. O Deutsche Bank não tem sido exceção.
“O Deutsche Bank encontra-se na posição em que está porque falhou na redução do seu balanço, na redução de custos e na reestruturação quando os tempos eram mais favoráveis”, comentava Tim Crockford, gestor de ativos do fundo Hermes, citado pelo Guardian.
De acordo com os resultados consolidados do banco, as receitas com juros (de empréstimos e outros produtos negociados pelo banco) afundaram mais de 60% dos 67,7 mil milhões de euros em 2007 para os 26 mil milhões de euros em 2015, uma evolução que evidencia a forte contração da atividade do Deutsche Bank face às políticas expansionistas sem precedentes do Banco Central Europeu (BCE), Banco de Inglaterra, Reserva Federal norte-americana, que têm mantido as taxas de juro diretoras em mínimos históricos.
Receitas com juros caíram mais de 60% desde 2007
A unidade comercial do banco tem resistido a um cenário de rentabilidades quase nulas quer nos empréstimos quer nos depósitos, com a margem financeira (a diferença entre as receitas com juros dos empréstimos e as despesas com juros dos depósitos) a manter alguma estabilidade nos últimos anos. No entanto, é a unidade da banca de investimento do Deutsche Bank a grande pedra no sapato de John Cryan, que tenta reverter uma tendência de declínio desta operação dos últimos anos. O negócio já chegou a representar cerca de 95% das receitas (em 2010) e em 2015 esta importância relativa estava nos 85%. Em 2015, de resto, a operação gerou um prejuízo antes de impostos de mais de quatro mil milhões de euros.
Negócio da banca de investimento regista prejuízos
Além dos escândalos que atingiram o banco de investimento, afetando a reputação do Deutsche Bank, Cryan terá outra tarefa que não esperaria quando assumiu o cargo de CEO no verão de 2015: o Brexit. O referendo de junho que vai determinar a saída do Reino Unido nos próximos anos vai forçosamente implicar uma reestruturação de uma unidade que está concentrada praticamente na City.
Assumindo a posição de Theresa May, a primeira-ministra britânica, não haverá tratamento especial para o setor financeiro na City nas negociações com Bruxelas, deixando a banca instalada no Reino Unido mais isolada.
Ajuda pública fora de questão
Embora a chanceler alemã, Angela Merkel, e o John Cryan tenham afastado liminarmente um resgate, se o banco for incapaz de conter a desconfiança à sua volta e for atingido por uma fuga de clientes sem precedentes que contagie o resto do sistema, Berlim pode mesmo ter de entrar em ação. Com eleições gerais a menos de um ano, as razões para uma assistência pública terão de ser mesmo fortes para Merkel intervir. Mas há outra razão de peso para que este cenário esteja praticamente fora de questão.
As novas regras europeias para resgatar bancos em dificuldades apenas permitem que um Estado injete dinheiro público numa instituição financeira sob a condição de perdas para os credores do banco equivalente a 8% das suas responsabilidades, como obrigacionistas, por exemplo. No caso de um bail in ao Deutsche Bank, as perdas elevar-se-iam a 139 mil milhões de euros, um custo demasiado elevado que poderia minar a confiança em todo o sistema financeiro europeu. Com a banca de vários outros vários países sob pressão, casos de Itália e Portugal, ninguém sabe exatamente quais os efeitos que uma decisão como esta poderia ter.
À partida, num cenário em que nem a derradeira ajuda parece estar disponível, o Deutsche Bank deverá fazer o seu caminho rumo à salvação pelos seus próprios pés. Mas, se o descontrolo implicar uma intervenção pública, Merkel e o seu executivo podem ter ainda uma última carta na manga para lançar. Uma possibilidade que está a ser discutida em Berlim pretende agilizar uma fusão entre o Deutsche Bank e o Commerzbank, no qual o governo já detém uma posição minoritária. Não sendo uma medida popular para muitos responsáveis governativos, a solução evitaria que Bruxelas e o BCE considerassem esta intervenção como uma ajuda estatal.
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