PGR investiga venda de obrigações do Novo Banco
A PGR abriu dois inquéritos, depois de a CMVM ter comunicado suspeitas de crime num negócio feito dias antes de o Banco de Portugal transferir 2,2 mil milhões de obrigações do Novo Banco para o BES.
A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o polícia do mercado de capital em Portugal, enviou ao Ministério Público uma comunicação com suspeitas de um crime de abuso de informação privilegiada envolvendo a compra e venda de obrigações do Novo Banco. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou ao ECO a “receção de duas participações da CMVM, as quais deram origem a dois inquéritos”.
O caso remonta a 29 dezembro de 2015, quando o Banco de Portugal decidiu transferir cinco séries de obrigações do Novo Banco para o BES no valor total de 2,2 mil milhões de euros. Nessa altura, as autoridades começaram a recolher informação sobre uma transação suspeita, realizada dias antes, no valor de 64 milhões de euros, culminando agora nos inquéritos da PGR, que é quem tem a responsabilidade de investigar este tipo de crime.
O Ministério Público confirmou ainda ao ECO que “estes inquéritos encontram-se em investigação e não têm, de momento, arguidos constituídos“.
Em causa está um alegado crime de abuso de informação privilegiada, que envolveu uma seguradora portuguesa que poderá ter tido acesso — e tê-la utilizado de forma ilegal — a informação que, nessa altura, só estaria na posse do Banco de Portugal.
Contactada, a CMVM e o Banco de Portugal escusaram-se a fazer comentários.
Uma venda lucrativa três dias antes do Natal
A história começa no dia 22 de dezembro, uma terça-feira, três dias antes do feriado de Natal. Nesse dia, segundo informação recolhida pelo ECO, uma seguradora em Portugal vende um bloco de 64 milhões de euros de obrigações do Novo Banco com maturidade em 2018. As obrigações em causa, que pagavam um cupão de 4,75%, foram vendidas a um grande investidor institucional fora de Portugal, numa operação que foi intermediada por um banco de investimento com sede em Londres.
O problema é que, uma semana depois, na terça-feira de 29 de dezembro, o Banco de Portugal emite um comunicado ao mercado, anunciando a transferência de cinco séries de obrigações (incluindo esta de 2018, com cupão de 4,75%) do Novo Banco para a esfera dos ativos do banco mau, o BES. Isso implicou, para quem tinha comprado a obrigação uma semana antes, a perda da quase totalidade do capital investido.
Um tombo de milhões: evolução das obrigações de cupão 4,75% de 2018
Este investidor já tinha alertado as autoridades para a situação em 2015 e, segundo apurou o ECO, na semana passada, formalizou uma nova denúncia do caso à CMVM, que entretanto já o reenviou a quem de direito, ou seja, à PGR.
A operação em causa pode configurar um crime de abuso de informação privilegiada, caso o vendedor tenha negociado com base em informação que, na altura, não era pública. Isto porque o anúncio da transmissão das obrigações do Novo Banco para o BES só foi feito pelo Banco de Portugal no dia 29 de dezembro, e a venda desse bloco de obrigações aconteceu no dia 22.
Código prevê pena de prisão até 5 anos ou multa
O Código de Valores Mobiliário tipifica e prevê uma punição para os crimes de abuso de informação privilegiada.
Quem disponha de informação privilegiada:
a) Devido à sua qualidade de titular de um órgão de administração ou de fiscalização de um emitente ou de titular de uma participação no respetivo capital; ou
b) Em razão do trabalho ou do serviço que preste, com caráter permanente ou ocasional, a um emitente ou a outra entidade; ou
c) Em virtude de profissão ou função pública que exerça; ou
d) Que, por qualquer forma, tenha sido obtida através de um facto ilícito ou que suponha a prática de um facto ilícito;
e a transmita a alguém fora do âmbito normal das suas funções ou, com base nessa informação, negoceie ou aconselhe alguém a negociar em valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros ou ordene a sua subscrição, aquisição, venda ou troca, direta ou indiretamente, para si ou para outrem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa.
Por que razão o Banco de Portugal passou as obrigações para o banco mau?
Este caso acontece porque no final de 2015, depois de falhada a primeira tentativa de venda do Novo Banco, o Banco Central Europeu (BCE) exigiu um reforço de capitais da instituição, na altura ainda presidida por Eduardo Stock da Cunha.
Foi então que o Banco de Portugal decidiu transferir cinco séries de obrigações do Novo Banco para o BES, que entrou depois em processo de liquidação: “O Banco de Portugal determinou retransmitir para o BES a responsabilidade pelas obrigações não subordinadas por este emitidas e que foram destinadas a investidores institucionais”, lia-se num comunicado da instituição presidida por Carlos Costa.
O valor investido nessas obrigações era de 1.985 milhões de euros e a perda da maior parte desse dinheiro já levou alguns obrigacionistas, incluindo gigantes como BlackRock e Pimco, a avançarem com um processo no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa para tentarem travar a venda do Novo Banco.
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